Acórdão nº 0413/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução20 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso JurisdicionalDecisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto .

8 de Fevereiro de 2016 Julgou procedente a reclamação e anulou o despacho reclamado.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo n° 3022/15.3BEPRT de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, deduzida por A……………, S.A., contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da Maia, datado de 11/09/2015, no processo executivo n.° 1805201301294008, que indeferiu a prestação de garantia através de fiança, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta nos termos do disposto no art.° 276° do CPPT, do despacho, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças da Maia, de 11-09-2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1805201301294008 (adiante designado PEF), contra si instaurado, que indeferiu o pedido de suspensão da execução, por falta de idoneidade da garantia apresentada.

B. Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela procedência da reclamação com fundamentos que se podem sintetizar da seguinte forma: a. inadequação da aplicação da metodologia prevista no art.º 15° do CIS na avaliação da idoneidade da fiança em garantir a dívida; b. falta de sustentação na subtração ao valor obtido por aplicação daquela metodologia dos passivos contingentes; c. falta de sustentação na subtração ao valor obtido por aplicação daquela metodologia do valor da participação que a entidade garante tem na executada; d. inexigibilidade que a garantia oferecida apresente elevada liquidez.

C. Não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de direito, porquanto, resulta dos autos que a AT procedeu a uma correta avaliação da idoneidade da garantia prestada para concluir pela sua não aceitação.

D. A fiança, como modo de garantia das obrigações, tem subjacente, pela sua natureza intrínseca, um conjunto de fragilidades, comparativamente com o cômputo dos restantes meios de garantia que a lei põe à disposição, que impõem à AT um especial dever de cuidado na análise, no caso concreto, da sua idoneidade para garantir o crédito tributário.

E. Com a constituição de garantia sob a forma de fiança o crédito tributário mantém a categoria de crédito comum, estando o credor tributário em pé de igualdade com todos os restantes credores do executado e do fiador, independentemente do seu montante, data de constituição ou fonte dos seus créditos.

F. Ao contrário, se fosse constituída uma garantia real, com a afetação de um bem ou rendimento do património do executado ou de terceiro ao pagamento do crédito tributário, o crédito garantido adquiria a categoria de crédito dotado de direito de preferência.

G. Apenas os créditos dotados de direito de preferência adquirem o privilégio de serem pagos antes dos demais credores comuns do executado e do fiador.

H. Esta fragilidade da fiança em garantir as obrigações encontra-se refletida na lei, com o papel secundário atribuído à fiança não bancária no cômputo dos vários meios de garantia consagrados na lei.

I. Nas situações em que a prestação de garantia é exigida pela lei, a fiança não bancária apenas é admitida subsidiariamente. Apenas e só se não puder ser prestada garantia por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária, é que a fiança não bancária poderá ser admitida, mediante avaliação da sua idoneidade (art. 623°, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

J. A fragilidade da fiança não bancária em garantir o crédito tributário impõe à AT um especial dever de cuidado na análise da sua idoneidade, em face do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento que resulta do disposto nos arts. 36°, n.° 3, da LGT e 85°, n.° 3, do CPPT.

K. Este especial cuidado na avaliação da idoneidade da fiança prestada encontra-se cumprido com a utilização da metodologia prevista no art. 15 do Código de Imposto de Selo.

L. O princípio da unidade do sistema jurídico que se impõe à atividade interpretativa e integrativa do aplicador do Direito exige que se procure na globalidade deste ordenamento jurídico normas que permitam atingir o fim visado, na ausência de norma específica que fixe o modo de avaliação da idoneidade da fiança para garantir o crédito tributário.

M. É, também, em obediência ao princípio da unidade do sistema jurídico que, noutro tipo de garantias, por exemplo, na avaliação da idoneidade de garantia constituída sobre um imóvel, seja utilizado o respetivo Valor Patrimonial Tributário (VPT) — com as regras específicas de determinação que constam no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) —, apesar de não existir qualquer norma que especialmente o preveja.

N. Pois que, quer no caso da fiança, quer no caso do imóvel, visa-se aferir a idoneidade da garantia prestada através da avaliação da sua suficiência para garantir o crédito tributário. Com o recurso ao VPT afere-se a suficiência do valor do imóvel, já com o recurso à metodologia do art.15° do CIS afere-se a suficiência do valor do património do fiador.

O. O art. 15° do CIS ao determinar o valor tributável do IS, quando o objeto da transmissão gratuita são participação sociais, mais não está do que determinar o valor do património que essas participações sociais representam.

P. É porque o IS nas transmissões gratuitas visa tributar a capacidade contributiva revelada pelo acréscimo patrimonial ocorrido na esfera do respetivo beneficiário que o art. 15° do CIS trata da avaliação do património que a participação social representa — o valor do património adquirido gratuitamente.

Q. Ora, se o art. 15° avalia o valor do património que é transmitido gratuitamente, então a suficiência do património de uma sociedade fiadora também pode ser assim aferido — da mesma forma que quando é transmitido gratuitamente um imóvel o valor tributável do IS é determinado com recurso ao VPT (art. 13° CIS), que corresponde, também, ao valor do acréscimo patrimonial ocorrido na esfera do beneficiário.

R. Através da conjugação dos elementos que constam na fórmula da al. a) do n.° 3 do art. 15° do CIS é avaliado o património da sociedade que se apresenta como fiadora.

S. O valor do património de uma sociedade é representado pelo valor do seu Capital Próprio, que não é mais do que valor dos bens e direitos integrantes do seu Ativo, corrigido com a dedução das responsabilidades que constam no seu Passivo — isto é, o seu património líquido.

T. Razão pela qual é este património líquido o acréscimo patrimonial do beneficiário da transmissão gratuita que vai ser tributado em IS.

U. No caso de o valor dos bens e direitos serem inferiores às responsabilidades sobre as quais eles respondem, o beneficiário da transmissão gratuita não está a obter qualquer acréscimo patrimonial, pelo que não será sujeito a tributação em IS.

V. Tal como, na transmissão gratuita de um imóvel sobre o qual recaiam ónus de valor superior ao respetivo VPT, o beneficiário não pagará IS (art. 20º do CIS), uma vez que, na verdade, também não obtém qualquer acréscimo patrimonial com essa transmissão.

W. Da mesma forma que a avaliação da suficiência de um imóvel garantir o crédito tributário se afere pelo VPT deduzido dos ónus e encargos que sobre ele incida, também, a avaliação da suficiência do património da sociedade fiadora em garantir o crédito tributário afere-se a partir do valor do respetivo Capital Próprio (património líquido).

X. Mas, a avaliação do património de uma sociedade não se basta com a aferição do valor do seu Capital Próprio (Ativo-Passivo). Uma completa avaliação desse património não pode deixar de incorporar as expectativas acerca da capacidade dessa massa de bens e direitos se multiplicar, em gerar lucro, uma vez que se trata de um conjunto de bens e direitos reunidos para o exercício de determinada atividade de natureza comercial ou industrial.

Y. Razão pela qual é apropriada a inclusão dos resultados obtidos pela sociedade nos dois últimos exercícios na fórmula do art. 15° do CIS, de modo a incorporar no valor final de avaliação as expectativas de aumento de património (no caso de lucros), ou de diminuição de património (no caso de prejuízos), que resultam desse histórico mais recente.

Z. O especial cuidado que se impõe na avaliação da suficiência do património da sociedade fiadora para garantir a dívida tributária, em face das fragilidades intrínsecas este modo de garantia, leva a que sejam tidos em conta os passivos não revelados no Capital Próprio, tratados como Passivos Contingentes nos anexos das demonstrações financeiras, por opção da sociedade fiadora.

AA. Pois que, quanto maiores forem os restantes créditos comuns detidos sobre a sociedade fiadora, maior será o rateio a realizar numa futura execução do seu património. Ao que acresce o risco de esses mesmos créditos, que hoje têm a natureza de créditos comuns, poderem vir a adquirir a natureza de créditos privilegiados, através da constituição de uma garantia real sobre bens do património da sociedade fiadora.

BB. Se o objetivo da fiança é o de reforçar quantitativamente a garantia do crédito que, em primeira mão, é dada pelo património da sociedade executada, nos termos do art. 601° do CC, com a apresentação da fiança não se adiciona qualquer património à garantia já existente.

CC. Pelo que, na aferição da suficiência do património da sociedade devedora para garantir o crédito tributário, apenas deve ser avaliado o património que é adicionado à garantia...

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