Acórdão nº 0457/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 3023/15.BEPRT 1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida em 15/02/2016 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo dos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela sociedade executada, A………… SA anulou a decisão do órgão da Administração tributária (AT) que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança, em ordem à suspensão da execução fiscal.

Com o requerimento de interposição do recurso, a Fazenda Pública apresentou as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta nos termos do disposto no art.° 276° do CPPT, do despacho, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças da Maia, de 20-10-2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201301299654 (adiante designado PEF), contra si instaurado, que indeferiu o pedido de suspensão da execução, por falta de idoneidade da garantia apresentada.

B. Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela procedência da reclamação com fundamento na ilegalidade da utilização da metodologia do art. 15° do Código de Imposto de Selo (CIS) para aferir da idoneidade da garantia apresentada para suspensão da execução fiscal.

C. Não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de direito, porquanto, é manifestamente apropriado recurso às regras fixadas no art. 15° do CIS para avaliar da idoneidade da garantia.

D. A fiança como modo de garantia das obrigações tem subjacente, pela sua natureza intrínseca, um conjunto de fragilidades, comparativamente com o cômputo dos meios de garantia das obrigações que a lei põe à disposição.

Conjunto de fragilidades que impõem à AT um especial dever de cuidado na análise, no caso concreto, da sua idoneidade para garantir o crédito tributário.

E. Na ausência de norma específica que fixe o modo de avaliação da suficiência e idoneidade da fiança para garantir o crédito tributário, o princípio da unidade do sistema jurídico que se impõe à atividade interpretativa e integrativa do aplicador do Direito impõe que se procure na globalidade deste ordenamento jurídico normas que permitam atingir o fim visado - que é, tão só, a avaliação patrimonial da sociedade fiadora.

F. É em obediência a esse princípio da unidade do sistema jurídico que, por exemplo, quando é indicado um imóvel como garantia num determinado processo de execução fiscal (sob a forma de hipoteca ou penhora), na avaliação da sua suficiência e idoneidade é utilizado o respetivo Valor Patrimonial Tributário (VPT) — com as regras específicas de determinação que constam no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) —, apesar de não existir qualquer norma que especialmente o preveja.

G. A avaliação da idoneidade de garantia prestada sob a forma de fiança afere-se pela suficiência do património do fiador. Sendo o fiador uma sociedade, a avaliação da idoneidade da fiança afere-se pela suficiência do património societário.

H. É o valor do património transmitido gratuitamente o quantum da capacidade contributiva tributada em sede de IS, que corresponde ao valor do acréscimo patrimonial ocorrido na esfera dos beneficiários da transmissão gratuita. As regras dos arts. 13° a 31° do CIS determinam o valor de um património — o valor do acréscimo de património.

I. Se o património for um imóvel, o seu valor é fixado por remissão para o Valor Patrimonial Tributário constante da matriz nos termos do CIMI (art. 13º CIS). Se o património for uma participação social, o seu valor resultará das regras do art. 15° do CIS.

J. Uma participação social, representativa de uma fração do capital social da sociedade, representa uma fração do património da sociedade.

K. No ato de constituição da sociedade o valor da participação social é uma fração do valor do Capital Social da sociedade, que corresponde, exatamente, à contribuição patrimonial, em dinheiro ou espécie, efetuada pelo sócio para a sociedade. Após o ato de constituição da sociedade o valor do património que essa participação social representa, em cada momento, é dado por essa fração no Capital Próprio da sociedade, em face das variações verificadas nesse património inicial em resultado da obtenção de lucros ou da acumulação de prejuízos.

L. O Capital Próprio de uma sociedade é igual ao seu ativo deduzido do passivo — património líquido — é composto pelas seguintes rubricas: capital social, reservas, prestações suplementares e resultados transitados.

M. É o valor do Capital Próprio (património liquido) o valor do acréscimo patrimonial verificado na esfera do beneficiário de uma transmissão gratuita em IS e o valor de referência para aferir da suficiência de património da sociedade fiadora para garantir a dívida em execução fiscal.

N. Da mesma forma que é o valor líquido do imóvel — após deduzir ao Valor Patrimonial Tributário os ónus e encargos a que se refere o art. 20° do CIS — o valor do acréscimo patrimonial tributado em sede de IS e o valor da dívida em execução fiscal que esse imóvel é idóneo a garantir.

O. Mas, a avaliação do património representado por uma participação social de entidades com natureza comercial ou industrial não se basta por uma perspetiva estática — o que aconteceria caso apenas atendêssemos ao Capital Próprio de um determinado ano.

P. Uma correta avaliação desse património não pode deixar de incorporar uma perspetiva dinâmica, acerca da capacidade dessa massa de bens e direitos em multiplicar-se, em gerar lucro. As oscilações do património de uma sociedade comercial são reveladas pela sucessão, ao longo dos anos, dos resultados contabilísticos atingidos.

Q. Daí a pertinência da consideração dos resultados obtidos pela sociedade nos dois últimos exercícios na fórmula do art. 15° do CIS, de modo a incorporar no valor final de avaliação as expectativas de aumento de património (no caso de lucros), ou de diminuição de património (no caso de prejuízos), que resultam desse histórico mais recente.

R. Em face do que ficou dito, revela-se adequada a utilização da metodologia do art. 15º do CIS para avaliação da suficiência do património de uma sociedade fiadora, para, desse modo, em face dessa suficiência ou insuficiência, aferir da idoneidade da fiança prestada.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recuso, revogando-se a decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento de direito.» A ora recorrida não apresentou contra alegações.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF do Porto de 15.02.2016 que, julgando procedente a reclamação deduzida por “A…………, LDA”, anulou o despacho reclamado.

Alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. Sustenta, concretamente, que a metodologia do art. 15.º do CIS é recurso adequado à “avaliação do património de uma sociedade fiadora para, desse modo, em face dessa suficiência ou insuficiência, aferir da idoneidade da fiança prestada” (cfr. Conclusões B, C e R).

Não lhe assiste razão, salvo melhor entendimento.

Instaurada execução fiscal a mesma suspender-se-á, nos termos previstos no art. 169°, n.º 1 do CPPT, se for constituída ou prestada garantia idónea ou a penhora garanta a totalidade da dívida e do acrescido.

O conceito de garantia idónea não se encontra definido na lei, integrando-se no domínio dos conceitos indeterminados. Dispõe o n° 1 do art. 199° do CPPT que a garantia idónea a oferecer pelo executado “consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, dispondo o n° 2 do preceito que tal garantia poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária...”.

A idoneidade da garantia afere-se, pois, pela capacidade de que a mesma se reveste para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido o que implica que o meio oferecido seja apto, sólido e suficiente para essa finalidade, sendo pacífico que a garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente, nomeadamente através de fiança.

No caso, o indeferimento reclamado findou-se na inidoneidade da fiança prestada pela sociedade “B…………, SA para suspender a execução fiscal. Para assim decidir considerou que a idoneidade da fiança se afere pela avaliação do património do fiador, socorrendo-se para essa avaliação da metodologia prevista no art. 15.º do CIS.

Ora, a questão da utilização dessa concreta metodologia por parte da AT, em situações como a dos autos, já foi apreciada por este Supremo Tribunal, emitindo-se no douto Acórdão de 02-12-2015, in Rec. n.º 01458/15 jurisprudência no sentido de que o critério em causa “apenas se impõe para efeitos da determinação da matéria tributável para efeitos de liquidação do IS”, não podendo “confundir-se a avaliação quando está em causa aferir da idoneidade da garantia oferecida pelo executado em ordem à suspensão da execução fiscal com a avaliação quando está em causa a determinação da matéria tributável como expressão quantitativa do facto tributário”. No mesmo sentido, estando em causa, como no caso em apreço, a prestação de garantia através de fiança, se pronunciou o recente douto Acórdão de 24.02.2016, in Rec. n.º 082/16 e se vem pronunciando a jurisprudência do TCAN (cfr., nomeadamente, o douto Acórdão de 30-09-2015, in Rec. n.º 01195/05.4BEPRT).

Como se referiu, a idoneidade da garantia afere-se pela capacidade de que a mesma se...

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