Acórdão nº 0849/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MUNICÍPIO DE VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO [MVRSA] e B…………, SA [B…….], identificados nos autos, interpõem recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], com data de 26.03.2015, que concedeu provimento ao recurso de apelação para ele interposto pela A……..

    , SA [A…….], e, em conformidade, revogou a sentença, de 22.05.2012, pela qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [TAF] tinha absolvido da instância os ora recorrentes [MVRSA e B………] com base em «erro na forma de processo» e «ineptidão do requerimento inicial».

    Conclui assim as suas alegações de revista: 1- Nos termos do nº1 do artigo 150º do CPTA, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um meio reactivo que depende do preenchimento de um conjunto de pressupostos taxativamente previstos; 2- Exige-se que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; 3- No tocante à verificação dos pressupostos ou requisitos de que depende a admissibilidade de interposição do presente recurso de revista, têm os Recorrentes a dizer que deve o mesmo ser admitido tendo em vista uma melhor aplicação do direito, sendo certo que a questão aqui colocada também se reveste de uma importância fundamental. Verificam-se, pois, ambos os requisitos previstos no nº1, do artigo 150º, do CPTA; 4- Em 1º lugar, o presente recurso de revista deve ser admitido por se afigurar claramente necessário em face da importância fundamental [relevância jurídica e social] da questão colocada, procurando os Recorrentes uma resposta peremptória e definitiva para o seguinte problema: é possível mobilizar, em situações como a dos autos, o procedimento de injunção, no âmbito de litígios que se encontram cometidos à jurisdição administrativa? É esta a questão a que importa dar resposta, por via da admissão e consequente apreciação e decisão do presente recurso de revista; 5- A prova inequívoca da necessidade de resposta à questão em alusão encontra-se, antes de mais, [i] na circunstância de, nestes autos, ter sido proferida em 1ª instância, sem qualquer hesitação, uma decisão favorável à pretensão dos Recorrentes e [ii] no facto de existirem outros casos onde idêntica questão foi suscitada, sendo inequívoca a elevada probabilidade de a mesma se voltar a colocar em situações futuras; 6- A importância fundamental [relevância jurídica e social] da questão colocada deriva ainda da necessidade que se sente, na comunidade jurídica, de ser proferida, quanto à mesma, uma decisão de fundo, pelo Supremo Tribunal Administrativo. Tal necessidade resulta reforçada, atento o teor do parecer nº33/2011 da Procuradoria-Geral da República, no qual se concluiu, precisamente, que não é possível recorrer ao procedimento de injunção quando os litígios emerjam de relações jurídico-administrativas; 7- Em 2º lugar, o presente recurso de revista deve ser admitido por se revelar necessário para uma melhor aplicação do direito. Tendo o TCAS, no acórdão recorrido, sufragado a tese de que a A……….., SA, «podia lançar mão do procedimento de injunção quer contra o Município de Vila Real de Santo António, quer contra a B………., SA, dado estar em causa uma transacção comercial», dúvidas não podem restar de que o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro judiciário carecido de correcção superior, por via da válvula de segurança do sistema legalmente prevista; 8- É assim porque, na situação em alusão, está em causa uma transacção estabelecida entre entes públicos e as obrigações resultantes de tais negócios não estão sujeitas ao mecanismo de injunção, atento o preceituado na alínea a) do artigo 3º do DL nº32/2003, de 17.02, aqui aplicável [ver o segmento final do artigo 13º, nº1 do DL nº62/2013, de 10.05], devendo ainda o disposto na alínea b) do mesmo preceito ser objecto de adequada interpretação e aplicação; 9- Justifica-se, assim, que as Recorrentes se dirijam a V. Exas., devendo o presente recurso ser admitido - e em fase subsequente apreciado e decidido - por verificação integral dos pressupostos legais previstos no nº1, do artigo 150º do CPTA; 10- Relativamente aos fundamentos materiais do presente recurso, há que notar que o Tribunal a quo incorreu num notório erro de julgamento.

    In casu, não podia a Recorrida ter lançado mão do procedimento de injunção, uma vez que a situação dos autos - em que a Recorrida peticionou o pagamento de 1.047.521,55€ - não cabe, nem na regra prevista no artigo 1º do DL nº269/98, de 01.09 [obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€], nem tão-pouco no regime excepcional do artigo 7º do Anexo ao DL nº269/98, de 01.09 [obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº32/2003, de 17.02], uma vez que não estamos perante uma transacção que tenha sido efectuada: [i] entre empresas ou [ii] entre empresas e entidades públicas, mas antes realizadas, exclusivamente, entre entidades públicas; 11- Acrescente-se, ainda, que o presente caso não assenta numa transacção comercial realizada entre uma entidade pública e uma empresa, pois as actividades desenvolvidas pela Recorrida, pelos Recorrentes B……… e MVRSA - de interesse geral, público e sem carácter comercial - não se incluem, de modo algum, no conceito de empresa definido na alínea b) do artigo 3º do DL nº32/2003, de 17.02. Errou, pois, o Tribunal a quo ao adoptar um conceito amplo de empresa que habilitaria a Recorrida a mobilizar, no caso concreto, o procedimento de injunção; 12- De resto, no contexto do DL nº32/2003 [aqui aplicável] não foi intenção do legislador abarcar no conceito de «transacção comercial» os contratos públicos, conforme decorre do artigo 1º da Recomendação da Comissão, de 12.05.1995, sendo evidente que, no caso concreto, estamos perante a existência de um contrato administrativo; 13- Ora, não estando o caso vertente abrangido pela letra da lei [acima referida], nem tão pouco pela sua ratio e sendo proibida a aplicação analógica de normas [e de regimes] excepcionais [ver a regra geral prevista no artigo 11º do Código Civil], resta concluir que estamos perante um erro na forma de processo; 14- Nesta sequência, deverá o presente Supremo Tribunal revogar o acórdão recorrido e julgar verificado tal erro, não podendo haver lugar ao aproveitamento dos actos já praticados, uma vez que isso levaria a uma clara diminuição das garantias dos Recorrentes; 15- Num processo que se inicia com o procedimento de injunção [especialmente quando comparado com uma acção judicial proposta ab initio], as garantias das partes são, por natureza, muito limitadas, pelo que, o presente erro na forma de processo deverá importar a anulação de todo o processado, nos termos do estabelecido no artigo 193º, nºs 1 e 2, e ainda do artigo 278º, nº1, alínea b), do CPC [aplicáveis ex vi artigos 1º e 42º, nº1, do CPTA], tal como decidiu o TAF, julgamento que o TCAS erradamente, afastou.

    Terminam pedindo a admissão e o provimento do recurso de revista.

    1. A recorrida A……..

      apresentou contra-alegações que concluiu assim: A) É de todo inquestionável que foi efectuada uma correcta aplicação do direito pelo acórdão recorrido, tendo sido o direito devidamente aplicado; B) O Parecer Jurídico não foi tido em consideração, e mui respeitosamente nem deve ser tido em consideração, salvo melhor opinião, pois atenta uma leitura e análise detalhada do mesmo, é claro que não mostra inequivocamente a inidoneidade do meio processual utilizado pela Recorrida A……….., SA; C) A providência de injunção constitui um procedimento extrajudicial nos dois planos relevantes para o estabelecimento da respectiva natureza: institucional e funcional; D) As secretarias actuam nesse procedimento como simples entidades administrativas desligadas da dependência funcional de um juiz; E) Existe uma autonomia processual e institucional entre a providência de injunção que corre numa secretaria e o processo judicial que pode ter origem naquele; F) A Constituição constituirá sempre um limite a desvios morfológicos e, fundamentalmente, à confusão entre: a) Um procedimento que corre perante agentes administrativos e sem produção de prova, visando um simples acto de verificação de requisitos formais; e b) uma acção judicial que envolve, pelo menos, duas partes e um juiz independente e terceiro; G) A providência de injunção regulada no Regime Anexo ao DL nº269/98, de 01.09, constitui um procedimento extrajudicial instaurado por um alegado credor contra o seu alegado devedor que visa, na sequência de omissão de oposição do requerido, a formalização de um título executivo por um agente administrativo; H) Esse procedimento administrativo só dá origem a uma acção declarativa em tribunal se se frustrar a notificação [e o requerente tiver expresso o desejo que, mesmo assim, o processo seguisse para a acção em tribunal] ou se o requerido tiver deduzido oposição; I) A autonomia entre o procedimento de injunção e a acção jurisdicional declarativa precedida por providência de injunção determina, nomeadamente, que os pressupostos processuais, entre os quais a competência, devam ser apreciados pelo juiz depois da distribuição no tribunal judicial ou no tribunal administrativo e fiscal; J) A providência de injunção constitui um procedimento autónomo da função jurisdicional sendo inadmissível uma metamorfose do procedimento administrativo em jurisdicional ou do título gerado pelo mesmo em judicial; K) O Estado...

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