Acórdão nº 0783/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A…………., devidamente identificada nos autos, intentou no TAF de Loulé, juntamente com o seu marido B…………….. (entretanto falecido), acção administrativa comum contra o Estado português. Visava com esta acção, em concreto, a efectivação de responsabilidade civil extracontratual por danos resultantes da violação do direito a decisão em prazo razoável. Foi pedida a condenação do Estado português ao pagamento de uma indemnização global no montante de € 6.201.000,00 – € 6.101.000,00 pelos danos patrimoniais e € 100.000,00 por danos não patrimoniais – causados ambos pela omissão de decisão em prazo razoável no Proc. n.º 2/87, com actualização monetária nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil (CC), referente ao período decorrido entre 28.06.04 e a data da citação, acrescida de juros vincendos, à taxa legal moratória de 4%, desde e citação até efectivo e integral pagamento. Mais ainda, em caso de procedência do pedido, pediu-se a condenação do R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à taxa anual de 5% sobre o valor da indemnização atribuída, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença por parte do R., nos termos do artigo 829.º-A do CC. E ainda, em qualquer dos casos, foi pedida a condenação do R. em custas e procuradoria condigna, nos termos do artigo 189.º do CPTA.

O TAF de Loulé, por decisão judicial de 10.01.08, decidiu não conhecer do mérito dos pedidos dos AA., em virtude da procedência de excepção peremptória de prescrição extintiva, absolvendo totalmente a entidade demandada dos pedidos (cfr. fls. 1048-54).

Inconformada, a A. recorreu para o TCAS que, por acórdão de 02.04.09, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção peremptória extintiva e ordenando a baixa dos autos ao TAF (fls. 1199-1203).

O TAF de Loulé, por decisão de 25.10.11, julgou improcedente, porque não provada, a acção, absolvendo o Estado português de todos os pedidos (cfr. fls. 1680-1), dessa decisão havendo recurso para o TCAS.

O TCAS, por acórdão de 06.03.14 (fls. 1888-1911), manteve a sentença no que respeita à improcedência da responsabilidade por danos patrimoniais e concedeu parcial provimento no que respeita aos danos não patrimoniais.

  1. Uma vez mais inconformada, desta feita com a decisão proferida pelo TCAS, a A. interpôs recurso para este STA, nos termos do art. 150.º do CPTA. No referido recurso apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls. 1927v.-1930v.):

    1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 6 de Março de 2014 na parte em que absolveu o Recorrido do pagamento de € 6.101.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais.

    2. O Tribunal a quo entendeu que «o que impossibilitou que o lote de terreno em causa fosse integrado no seu [da ora Recorrente] património, não foi o atraso na decisão da acção n.º 2/87 mas o facto de o contrato-promessa produzir somente efeitos inter partes. (...) Assim, porque a decisão atempada da acção n.º 2/87 não permitiria a integração do lote no património da recorrente, não se pode considerar que o atraso na prolação dessa decisão constituiria uma causa adequada da impossibilidade dessa integração». Por outras palavras, o Tribunal a quo entendeu que não se encontra preenchido o requisito da responsabilidade civil extracontratual do nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo que considerou ter sido praticado pelo Recorrido, traduzido no atraso irrazoável na prolação de decisão definitiva e final na acção n.º 2/87, e os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente e seu marido.

    3. Atenta a questão aqui em causa – o preenchimento do pressuposto nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos invocados – mostra-se evidente o cumprimento do critério da importância fundamental da questão jurídica em apreço, previsto no art.º 150º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    4. Com efeito, a solução para a questão colocada implica uma construção complexa, que pode abalar o entendimento tradicional sobre o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil e recorrer a uma figura ainda pouco trabalhada e sedimentada na jurisprudência dos tribunais administrativos, sem qualquer respaldo no actual Regime Jurídico da Responsabilidade Extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e menos ainda no Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 – a figura da «perda de chance processual», em virtude da morosidade imputável ao Estado. Ou seja, não se basta com a pura e simples análise da letra da lei, impondo-se o confronto entre a lei, os resultados pretendidos e os princípios que subjazem à responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional.

    5. Torna-se, assim, necessário a intervenção deste Supremo, tendo em vista o esclarecimento do conceito de causalidade adequada a aplicar nas situações de morosidade da administração da justiça. Aliás, o tema da responsabilidade civil do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável tem sido objecto de recurso de revista pelo STA, pois as especificidades nesta matéria são patentes, a justificar o devido enquadramento e subsequente correta aplicação do Direito (vd., nomeadamente no Acórdão deste Tribunal de 15 de Maio de 2013, Processo n.º 0144/13, acima transcrito) e, bem assim, também tem sido abordado pela doutrina administrativista mais autorizada (cfr. v.g. Ricardo Pedro, ob. cit).

    6. É, igualmente, inquestionável a relevância que uma solução uniforme sobre esta matéria adoptada por este Venerando Tribunal trará para a resolução de litígios futuros, atendendo ao facto de, nos últimos anos, se registar uma maior consciência social sobre o direito fundamental de qualquer pessoa a uma decisão dos Tribunais em prazo razoável, com o exponencial aumento do número de acções em que o Estado Português é accionado por violação do direito à prolação de decisão em prazo razoável, pelo que a utilidade de uma tal decisão, extravasa os limites do caso concreto e dos interesses das partes envolvidas no litígio, razão pela qual se encontra preenchida o "sub-requisito" relativo à capacidade de expansão da controvérsia.

    7. Por último, a circunstância de o Tribunal a quo não ter atendido ao facto de à ora Recorrente não ser imputável qualquer responsabilidade pelo não registo da atribuição de eficácia real ao contrato-promessa em apreço, justifica a admissão da presente revista para uma melhor aplicação do direito. Isto porquanto a falta do referido registo foi invocada na douta decisão em crise como fundamento para afastar a causalidade adequada entre o atraso na prolação da decisão e a impossibilidade de integração do bem no património da ora Recorrente.

    8. Deve, assim, o presente recurso ser admitido, ao abrigo do disposto nos números 1 e 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    9. No que especificamente concerne ao fundo da questão, não pode a Recorrente concordar com a posição relativa aos danos patrimoniais reclamados, vertida no douto Acórdão do Tribunal Administrativo Sul ora sob censura, pela seguinte ordem de razões: J) Ao invés do que consta, do referido Acórdão, não é verdade que o que tenha impossibilitado a integração do lote de terreno no património da Recorrente tenha sido o contrato promessa produzir efeitos apenas inter-partes, pois se o Estado Português, ora Recorrido, tivesse cumprido o seu dever de realização da justiça celeremente, o bem não teria sido vendido, antes teria sido executado e a dívida teria sido paga. O atraso irrazoável na prolação de uma decisão definitiva e final foi, assim, de per si, causa adequada para provocar os danos patrimoniais peticionados.

    10. Ainda que assim não se entenda e se considere que o que esteve na génese da impossibilidade de integração do terreno no património da Recorrente e seu marido foi o facto de o contrato-promessa de dação em pagamento produzir apenas efeitos inter-partes, sempre a conclusão seria a mesma, pois tal também se ficou a dever ao Estado Português, ora Recorrido.

    11. Com efeito, as partes no contrato-promessa, Autores (aqui Recorrente e seu marido) e Rés na acção n.º 2/87, atribuíram de facto eficácia real ao mesmo e sujeitaram-no à execução específica – cfr. Acórdão, Facto Provado n.º i), cláusula décima terceira. No entanto, o pedido de registo do contrato promessa com eficácia real foi recusado pela Conservatória do Registo Predial de Albufeira com fundamento na inexistência de elementos matriciais que permitissem identificar o lote de terreno a que o facto registral dizia respeito – cfr. Acórdão recorrido, Facto Provado n.º 4), cláusula décima terceira do contrato-promessa.

    12. Ademais, a referida Conservatória do Registo Predial de Albufeira recusou também, com os mesmos fundamentos, o registo da providência cautelar requerida pela aqui Recorrente (na altura conjuntamente com o seu marido, entretanto falecido) que havia sido deferida, determinando que as proprietárias do terreno, C………… e D………….., (i) se abstivessem de praticar todo e qualquer acto jurídico através do qual pudessem alienar ou prometer alienar, ou por qualquer forma onerar ou prometer onerar o terreno em causa nos autos e (ii) se abstivessem de praticar qualquer acto material ou jurídico que possa tornar impossível a execução específica do contrato – cfr. Acórdão, Facto provado n.º 5) e 203).

    13. Ou seja, somente por razões totalmente alheias à Recorrente e ao seu marido – e também elas imputáveis ao Recorrido – não foi possível registar, primeiro, o contrato-promessa de dação com eficácia real e, depois, a providência cautelar ordenando que não fossem praticados quaisquer actos de alienação ou oneração do terreno. O mecanismo legal do registo colocado pelo Estado, ora Recorrido, à disposição dos...

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