Acórdão nº 01074/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP [ISS], interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], datado de 22.05.2015, que negou provimento ao «recurso de apelação» que interpôs do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF/P], que decidiu anular os despachos impugnados na acção administrativa especial [AAE] intentada por A………., e decidiu, ainda, condená-lo a pagar à autora as prestações de subsídio de desemprego em falta.

    Conclui assim as suas alegações de recurso: 1- A AAE em causa, o recurso de apelação e a presente revista tem como objecto a apreciação de uma única questão, que é absolutamente inédita no panorama jurídico português, a de saber se a procedência de um vício formal dum acto de cessação de um direito, numa acção anulatória poderá levar à condenação à prática do acto peticionado, sem que haja oportunidade de conhecer sobre a validade substancial do acto de cessação desse acto peticionado, bem como de saber se nesse caso a sentença, uma vez transitada, regula definitivamente a questão; 2- Trata-se de questão essencial no panorama jurídico português e absolutamente necessária para uma correcta aplicação do Direito, pelo que o recurso deverá ser admitido; 3- Ao condenar a Administração, como fez, no pagamento do subsídio de desemprego à autora sem se preocupar em averiguar dos pressupostos de facto desse acto, que o réu defende não existirem, o acórdão violou de forma flagrante o artigo 95º do CPTA, o qual só permite a condenação à prática do acto quando essa for a única acção possível após analisada a situação; 4- E, neste caso, como não se tomou conhecimento dos pressupostos do acto, o tribunal nem sequer sabia se a condenação era possível e muito menos que era a única decisão possível; 5- Ao condenar a Administração, como o fez, no pagamento do subsídio, o acórdão violou de forma grosseira o princípio da separação de poderes, já que se imiscuiu numa actividade puramente executiva e administrativa, sem qualquer legitimação e sem qualquer justificação para tal, já que nem sequer apurou os pressupostos de facto do acto e, portanto, não respeitou os limites da vinculação que podia dar ao acórdão, violando assim o artigo 2º da CRP.

    Termina pedindo a admissão e provimento do recurso de revista «no tocante ao seu objecto», isto é, revogando-se o acórdão do TCAN apenas na parte em que manteve a decisão condenatória da 1ª instância.

    1. A recorrida – A……… - não contra-alegou.

    2. O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [Formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], nos seguintes termos: […] «4. Está apenas em causa no presente recurso a condenação ao pagamento das prestações de desemprego, não a apreciação dos vícios formais que levaram à procedência do pedido anulatório.

      O acórdão recorrido considerou que a condenação da Administração no pagamento das prestações em causa é consequência directa da decisão de anulação dos actos impugnados, pois consubstancia a execução do efeito repristinatório emergente dessa anulação, ou seja, a determinação dos actos e operações necessários à reposição do status quo ante, pronúncia que deixou de estar reservada à fase de anulação da sentença anulatória, podendo ser peticionada e decidida logo na acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos. E que a decisão do processo à luz dos princípios jurídico-administrativos aplicáveis não pode ser confundida com as consequências de uma eventual investigação criminal sobre os mesmos factos. Por seu turno, a sentença de 1ª instância desenvolvera esta mesma ideia, afirmando que caso venha a demonstrar-se, tendo em consideração os resultados do processo-crime, que a atribuição das prestações sociais em causa tiveram na origem falsas declarações dolosas, assistirá à Administração, à luz do artigo 78º da Lei nº4/2007, de 16 de Janeiro, a faculdade de declarar a nulidade desse acto da atribuição com a obrigação de a autora restituir tudo o que lhe tiver sido prestado, sem limite temporal.

      Se bem que, num plano geral, a decisão das instâncias aparente corresponder ao estrito funcionamento dos princípios de direito administrativo, a especialidade do caso justifica que se admita o recurso. Efectivamente, concorrendo a alegação consistente da Administração de que esteve inibida, em observância das limitações inerentes ao segredo de justiça que lhe foi imposto pelas autoridades judiciárias, de provar os pressupostos de facto do acto administrativo nos termos normalmente exigidos, com a duvidosa justiça da imposição ao ente público que pague uma prestação que pode materializar o benefício visado com uma conduta criminosa, importa que o órgão supremo da jurisdição esclareça o que deve prevalecer em tais circunstâncias. Designadamente, se a compatibilização harmónica de interesses e, porventura, valores ou princípios conflituantes de um ordenamento que tutele os direitos e interesses legítimos dos administrados sem desprezar o interesse público, justifica algum desvio à regra do efeito repristinatório da anulação e da determinação dos termos da reposição da situação logo na sentença em que se verificam ilegalidades procedimentais e por efeito automático da repristinação. E se, para tanto, pode devolver-se à administração a faculdade da prática do acto sem os vícios julgados procedentes, ou mesmo, tratando-se de acto inteiramente vinculado, adquirir-se essa certeza no próprio processo, concedendo à Administração a faculdade de demonstrar que o acto de atribuição repristinado enfermaria de nulidade.

    3. Decisão Pelo exposto, decide-se admitir o recurso.» […] 4. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso de revista [artigo 146º, nº1, do CPTA].

    4. Colhidos que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

  2. De Facto Das instâncias, chega-nos a seguinte matéria de facto provada: A- Por despacho de 05.05.2009 foi deferido o requerimento de prestações de desemprego apresentado pela autora, tendo-lhe sido atribuído o Subsídio de Desemprego no montante mensal de 1.148,70€, por um período de 630 dias - ver folha 3 do PA; B- Em 30.07.2010, o Director do Centro Distrital do Porto do ISS, IP, proferiu despacho no qual refere que «considerando que existem fortes indícios da inexistência de actividade das entidades empregadoras que identifica… determino a imediata cessação do direito às prestações até à conclusão dos processos de averiguação, uma vez que a existência de fortes indícios de fraude é suficiente para que a segurança social obste ao enquadramento e registo de remunerações 28.03.2011 [...] face à ocorrência de fortes indícios da inexistência da relação laboral dos trabalhadores identificados pelas Entidades Empregadoras acima referidas, que determinará a anulação das Declarações de Remunerações apresentadas por aquelas e a correspondente inutilização do período de garantia necessário à atribuição das prestações de desemprego àqueles trabalhadores, a imediata cessação do direito às prestações até à conclusão do processo de averiguação, uma vez que a existência de fortes indícios de fraude é suficiente para que a Segurança Social obste ao enquadramento e/ou registo de remunerações.

    Concluído o processo de averiguações, proceder-se-á de acordo com o que for apurado. Notifique-se o meu Despacho à Unidade de Prestações para cumprimento»; C- Em 12.02.2011 foi atribuído à autora o subsídio social de desemprego subsequente, por um período de 315 dias - ver documento de folha 3 do PA; D- Até ao mês de Setembro de 2010, a autora recebeu mensalmente a quantia de 1.148,70€, a título de subsídio de desemprego; E- A partir do mês de Setembro de 2010, a autora deixou de receber qualquer quantia monetária relativa ao subsídio de desemprego que fora atribuído nos termos referidos em A); F- A autora não foi notificada pelo ISS, IP da existência de nenhum procedimento aberto, nem de nenhum acto administrativo do qual resultasse a cessação do pagamento do subsídio de desemprego que vinha a auferir; G- A autora remeteu para os competentes serviços do ISS, IP, o pedido de...

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