Acórdão nº 0542/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Vem a Fazenda Pública recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela sociedade A………….. – Imobiliários, S.A., melhor identificada nos autos, contra o despacho do chefe do Serviço de Finanças da Maia que indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução fiscal por falta de idoneidade da garantia (fiança) apresentada.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta nos termos do disposto no art.° 276° do CPPT, do despacho, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças da Maia, de 11-09-2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201301294024 (adiante designado PEF), contra si instaurado, que indeferiu o pedido de suspensão da execução, por falta de idoneidade da garantia apresentada.

  1. Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela procedência da reclamação com fundamento na inaplicabilidade da metodologia do art. 15° do Código de Imposto de Selo (CIS) para aferir da idoneidade da garantia apresentada para suspensão da execução fiscal.

  2. Não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de direito, porquanto, é manifestamente apropriado recurso às regras fixadas no art. 15° do CIS para avaliar da idoneidade da garantia.

  3. A fiança como modo de garantia das obrigações tem subjacente, pela sua natureza intrínseca, um conjunto de fragilidades, comparativamente com o cômputo dos meios de garantia das obrigações que a lei põe à disposição. Conjunto de fragilidades que impõem à AT um especial dever de cuidado na análise, no caso concreto, da sua idoneidade para garantir o crédito tributário.

  4. Na ausência de norma específica que fixe o modo de avaliação da suficiência e idoneidade da fiança para garantir o crédito tributário, o princípio da unidade do sistema jurídico que se impõe à atividade interpretativa e integrativa do aplicador do Direito impõe que se procure na globalidade deste ordenamento jurídico normas que permitam atingir o fim visado - que é, tão só, a avaliação patrimonial da sociedade fiadora.

  5. É em obediência a esse princípio da unidade do sistema jurídico que, por exemplo, quando é indicado um imóvel como garantia num determinado processo de execução fiscal (sob a forma de hipoteca ou penhora), na avaliação da sua suficiência e idoneidade é utilizado o respetivo Valor Patrimonial Tributário (VPT) — com as regras específicas de determinação que constam no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) —, apesar de não existir qualquer norma que especialmente o preveja.

  6. A avaliação da idoneidade de garantia prestada sob a forma de fiança afere-se pela suficiência do património do fiador. Sendo o fiador uma sociedade, a avaliação da idoneidade da fiança afere-se pela suficiência do património societário.

  7. É o valor do património transmitido gratuitamente o quantum da capacidade contributiva tributada em sede de IS, que corresponde ao valor do acréscimo patrimonial ocorrido na esfera dos beneficiários da transmissão gratuita. As regras dos arts. 13° a 21° do CIS determinam o valor de um património — o valor do acréscimo de património.

    I. As regras de determinação do valor tributável do IS, no caso de transmissões gratuitas, previstas nos arts. 13° a 21° do CIS, tratam exatamente da avaliação do património que é transmitido gratuitamente.

  8. Se o património for um imóvel, o seu valor é fixado por remissão para o Valor Patrimonial Tributário constante da matriz nos termos do CIMI (art. 13º CIS). Se o património for uma participação social, o seu valor resultará das regras do art. 15° do CIS.

  9. Uma participação social, representativa de uma fração do capital social da sociedade, representa uma fração do património da sociedade.

    L. No ato de constituição da sociedade o valor da participação social é uma fração do valor do Capital Social da sociedade, que corresponde, exatamente, à contribuição patrimonial, em dinheiro ou espécie, efetuada pelo sócio para a sociedade. Após o ato de constituição da sociedade o valor do património que essa participação social representa, em cada momento, é dado por essa fração no Capital Próprio da sociedade, em face das variações verificadas nesse património inicial em resultado da obtenção de lucros ou da acumulação de prejuízos.

  10. É o valor do Capital Próprio (património líquido) o valor do acréscimo patrimonial verificado na esfera do beneficiário de uma transmissão gratuita em IS e o valor de referência para aferir da suficiência de património da sociedade fiadora para garantir a dívida em execução fiscal.

  11. Da mesma forma que é o valor líquido do imóvel — após deduzir ao Valor Patrimonial Tributário os ónus e encargos a que se refere o art. 20° do CIS — o valor do acréscimo patrimonial tributado em sede de IS e o valor da dívida em execução fiscal que esse imóvel é idóneo a garantir.

  12. Mas, a avaliação do património representado por uma participação social de entidades com natureza comercial ou industrial não se basta por uma perspetiva estática — o que aconteceria caso apenas atendêssemos ao Capital Próprio de um determinado ano.

  13. Uma correta avaliação desse património não pode deixar de incorporar uma perspetiva dinâmica, acerca da capacidade dessa massa de bens e direitos em multiplicar-se, em gerar lucro. As oscilações do património de uma sociedade comercial são reveladas pela sucessão, ao longo dos anos, dos resultados contabilísticos atingidos.

  14. Daí a pertinência da consideração dos resultados obtidos pela sociedade nos dois últimos exercícios na fórmula do art. 15° do CIS, de modo a incorporar no valor final de avaliação as expectativas de aumento de património (no caso de lucros), ou de diminuição de património (no caso de prejuízos), que resultam desse histórico mais recente.

  15. Em face do que ficou dito, revela-se adequada a utilização da metodologia do art. 15° do CIS para avaliação da suficiência do património de uma sociedade fiadora, para, desse modo, em face dessa suficiência ou insuficiência, aferir da idoneidade da fiança prestada.

    Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento de direito.» 2 - A recorrida não apresentou contra alegações.

    3 - O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu fundamentado parecer a fls. 319 e seguintes, que, na parte relevante, se transcreve: (….) Como se depreende da fundamentação do despacho que concluiu pela falta de idoneidade da fiadora para prestar a garantia, a AT considerou que o património corrigido da fiadora é negativo e não consegue libertar os meios financeiros líquidos suficientes e não tem capacidade de cumprir com as obrigações que lhe são impostas.

    A jurisprudência do STA tem acentuado que a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. acórdãos de 14/03/2012, proc. n°0208/12, e de 12/09/2012, proc. n°0866/12) No caso da fiança, a idoneidade da garantia depende da capacidade do fiador para se obrigar ou da titularidade de bens suficientes para garantir a obrigação — artigo 633°, n°1, do Código Civil. E sendo esse fiador uma sociedade, no caso concreto uma SGPS, essa idoneidade tem que ser aferida em função da sua capacidade económico-financeira para responder pelo pagamento da dívida garantida. Claro está e de acordo com diversos autores, um património pode e deve ser avaliado diferentemente conforme a finalidade da avaliação. E sendo a finalidade a de garantir o pagamento de uma dívida, essa avaliação deve ter em consideração um método dualista, ou seja, que tenha em consideração critérios de rendimento e critérios patrimoniais, já que em princípio não está em causa a liquidação de um património, mas a continuidade da atividade da empresa.

    Por outro lado as demonstrações financeiras não são concebidas para calcular o valor de uma empresa, mas a informação que fornecem pode ser útil para estimar esse valor, sendo certo que estaremos sempre perante estimativas e não valores reais. De todas as formas, essa informação não deixa de ser uma fotografia da situação económico-financeira da empresa numa determinada data e que pode revelar a sua capacidade para responder pelo cumprimento de uma obrigação pecuniária.

    No caso das empresas cotadas na bolsa o valor da sua cotação corresponde ao seu valor de mercado, ou seja, o valor que alguém estaria disposto a pagar pela empresa. No caso concreto a fiadora não está cotada na bolsa, sendo pois necessário utilizar um método de avaliação das ações, o que a AT fez com base no método previsto no artigo 15° do CIS, do qual resultou a atribuição do valor de € 11.388.302,50 euros. E analisando a petição inicial, este valor não é minimamente posto em causa pela recorrida.

    Afigura-se-nos, contudo, que não tem qualquer suporte técnico a asserção veiculada na informação que suportou a decisão da AT de que o património corrigido da garante é negativo uma vez que a operação realizada na correção que suporta essa asserção não faz efetivamente sentido. Na verdade, ainda que se pretendesse desconsiderar o valor das participações que a garante tem na executada e que não resulta fundamentado, sempre essa operação consistiria na correção daquele valor pela sua subtração ao valor dos ativos não correntes e nunca ao valor das ações da empresa, já que as duas variáveis não têm qualquer correlação entre si.

    Assim sendo e considerando que a decisão da AT assenta em asserções incorretas, afigura-se-nos que não foram invocados motivos bastantes para indeferir o pedido de prestação de garantia mediante fiança. Importa-se, assim, tal como se decidiu...

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