Acórdão nº 0991/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE BARCELOS, intentou, no TCA Norte, contra a “A…………. S.A.”, acção de anulação de decisão arbitral, datada de 18/01/2012, que havia decidido o seguinte: “1.º Considerar procedente o pedido de reposição de equilíbrio económico-financeiro, mediante: a) A alteração do «Caso Base» nos termos que constam do documento junto à p.i sob o n.º 25; e b) o pagamento pelo Demandado à Demandante de: O valor necessário para repor posto em causa pelos desvios dos caudais dos anos 2005 a 2009, ou seja, o montante de € 24.602.600, acrescido de juros de mora, à taxa legal, caso o pagamento não seja efectuado até ao trânsito em julgado da presente decisão e - uma compensação financeira anual entre 2010 e o termo do Contrato no valor anual de € 5.897.179, a preços de 2010, sendo cada prestação anual acrescida de juros de mora, à taxa legal, caso o seu pagamento não seja feito até ao fim de cada ano em que se vencer.” Por Acórdão daquele TCA, de 14-03-2014, foi tal acção julgada improcedente.

Desta decisão a A. interpôs recurso para o STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “01 - Não tem aplicação no presente recurso dos autos a limitação constante do n°1 do art° 150° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porquanto este artigo limita excepcionalmente a admissibilidade dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas pelo Tribunal Central Administrativo quando estes últimos decidam em «segunda instância».

02 - Encontrando-se o Tribunal Arbitral fora da Organização Judiciária Estadual não se poderá reconduzir ao conceito da primeira instância, pelo que o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em acção de anulação daquela decisão, não poderá, da mesma forma, ser reconduzido ao conceito de decisão proferida em segunda instância.

03 - Deve pois o presente recurso ser admitido como de revista com o fundamento no disposto dos art° 46° da LAV, 140° e 150° n°1 a contrário Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

04 - Aliás, tendo em conta o que vem de dizer-se - por não se poder reconduzir o presente caso ao conceito de instâncias, já que o tribunal arbitral, não fazendo parte da organização judiciária estadual não poderá ser tido como instância - a interpretação da norma constante do art.° 150º n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos segundo a qual estaria vedado o recurso da decisão do Tribunal Central Administrativo sobre a acção de impugnação de decisão do tribunal arbitral, por ser uma decisão proferida em primeira instância, sempre enfermaria de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.° e 268°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, por não estar garantido o princípio da tutela jurisdicional efectiva e o acesso aos tribunais.

05 - Em complemento do acima exposto, sempre se dirá que em causa no presente recurso, está uma questão de elevada relevância jurídica cuja apreciação por este Supremo Tribunal se impõe nos termos e para os efeitos do art° 150° n°1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

06 - A questão que ora se colocará a este Supremo Tribunal é a de saber se o entendimento segundo qual a restrição a produção de meios de prova resultante da limitação de tempo fixado para a prolação da decisão pelo Tribunal Arbitral salvaguarda o princípio de igualdade e princípio de contraditório constantes das al. b) e c) do art° 30º nº1 da LAV ou se, pelo contrário, como defende o aqui Recorrente, a produção de prova requerida não pode ser restringida desde que necessária para a descoberta da verdade de pontos essenciais para a decisão da causa, devendo antes constituir causa justificativa da prorrogação do prazo fixado ao Tribunal Arbitral para proferir a decisão nos termos da segunda parte do n° 2 do art° 43° da LAV.

07- Aquela é uma questão complexa e difícil, que convoca a determinação do sentido e alcance de princípios que formam o travejamento estrutural do processo, designadamente os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento das partes e sobre a qual não há qualquer jurisprudência superior conhecida, o que permite constatar o requisito da relevância jurídica constante do n.º 1 do art.º 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos susceptível de fundamentar a admissão do presente recurso.

08 - A boa decisão da causa colocada ao tribunal arbitral impunha a realização de diligências de prova que se debruçassem sobre a hipótese do Plano de Investimento previsto no contrato de concessão celebrado entre as partes, não ter sido cumprido em resultado do alegado desvio dos consumos [conforme ali alegado pela aqui Recorrida] ou, se em alternativa, essa diminuição se deveu à forma como as obras foram executadas (conforme ali alegado pelo aqui Recorrente).

09 - Não permitindo a produção de prova neste segmento, o Tribunal prejudicou de forma injustificada a apreciação do mérito de um dos argumentos centrais da defesa do Município, com consequências evidentes na decisão proferida, a qual adoptou como pressuposto a ausência de produção de prova sobre essa linha de argumentação.

10 - Ao Recorrente, sem razão justificativa, e contra o que os próprios Peritos haviam dito relativamente à incapacidade de produzir prova e à entrega de uma nova listagem, o Tribunal constituído indeferiu sucessiva e repetidamente a pretensão do Recorrente, o que, pelo deficit probatório, teve influência decisiva no desfecho da acção, dado que, como literalmente foi referido pelos Peritos, a questão da execução do Plano de Investimentos teria «seguramente» influenciado o quantum da reposição do equilíbrio da concessão.

11 - No caso vertente, ao impedir o exercício de uma diligência de prova - quando os próprios peritos tinham pré anunciado a impossibilidade de a produzir e haviam fixado a solução - o Tribunal não tratou com absoluta igualdade as partes em litígio, com o que violou o disposto no art. 30º b) da LAV.

12 - Em nome da celeridade, o Tribunal decidiu indeferir o pedido da impugnante, mal grado esta ter repetidamente pugnado pela necessidade de ter acesso à listagem «a entregar” e ao relatório final, tendo decidido os árbitros apenas com os elementos disponíveis, excluindo do seu iter cognoscitivo os elementos que os peritos iriam apontar em resultado da análise dos documentos que seriam naquela data solicitados.

13 - A exclusão desses elementos fez o Tribunal incorrer em violação do Princípio do Contraditório, violando o disposto no art. 30° e) da LAV.

14 - Ao contrário do afirmado pelo tribunal recorrido (ponto LI da fundamentação) a diligência de prova em apreço (prova pericial relativa às “questões económico financeiras”), requerida mormente pela aqui A., não viu seu âmbito, regras e prazo de produção serem definidas para ambas as partes pelo Tribunal Arbitral, nas decisões prolatadas deste tribunal de 08.03.2011 e 10.09.2011, já que estas decisões são contraditórias na medida em que a primeira define o objecto da perícia e a segunda exclui daquele objecto algumas das questões importantes da defesa do aqui Recorrente daquele objecto da perícia.

15 - A essencialidade da produção da prova para a decisão justa da causa e a defesa do princípio de igualdade e do contraditório - princípios esses com consagração constitucional - constituem interesses relevantes e superiores ao da celeridade processual, pelo que constituem fundamentos suficientes para a derrogação deste último princípio na medida do necessário.

16 - Dito de outro modo ao que se crê pelas razões expostas estavam reunidas in casu os requisitos que o n° 2 do art° 43 da LAV faz depender a concessão ao tribunal arbitral para a prorrogação do prazo constante do n° 1 daquele artigo.

17 - Se é certo que o disposto no n° 1 do art° 43° do LAV prevê um prazo de 12 meses para o término do processo arbitral, a interpretação que parece ser adoptada pelo tribunal recorrido, segundo a qual tal norma obstaria a produção de prova requerida pela partes e já aceite pelo próprio tribunal arbitral - que havia por despacho determinado a sua realização - sempre faria enfermar aquela norma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade consagrado no art° 13° da Constituição da República Portuguesa e do princípio do contraditório que como acima se disse é uma decorrência do princípio do Estado de Direito consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa.

18 - A violação do disposto nas alíneas b) e c) do art° 30° da LAV implica a anulabilidade da decisão do Tribunal Arbitral, nos termos do n° 3 do art° 46° da mesma lei, o que pior si só justificaria a procedência da presente acção, pelo que ao assim não entender o acórdão recorrido violou o disposto nos art° 30° n° 1 al. b) e c), 43° n° 1 e 2 e 46° n° 3 todos da LAV, pelo que deverá ser revogado e substituído por um outro que determine a procedência da acção.

A recorrida, “A……………, S.A.”, contra-alegou para concluir do seguinte modo: “A) O presente recurso não deve ser admitido, nos termos do disposto no art. 142.° e 150°, n.° 1 do CPTA, por o acórdão recorrido corresponder a uma decisão proferida em segunda instância (ver Ac. do STA de 08.09.2011, proc. 0664/09, Relator Adérito Santos, in www.dgsi.pt ) B) Interpretação do citado preceito legal, conjugada com o art. 27.° da anterior LAV ou com o actual art. 46.° da nova LAV, no sentido de que o acórdão que decide a acção de anulação de sentença arbitral corresponde a uma decisão de primeira instância sendo, por isso, susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), é inconstitucional, por violar o princípio de equiparação das sentenças arbitrais às sentenças judiciais decorrente do disposto no art. 209.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

  1. Independentemente disso, não deve ser admitido por causa do princípio da recorribilidade restrita das decisões arbitrais consagrado nos arts. 27.°...

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