Acórdão nº 01485/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DO C |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO B……… e A…….., menor de idade e representado por sua mãe 1ª autora, intentaram no TAF do Porto, contra o então ICERR, e depois C………, S.A., acção comum, com processo ordinário, para efectivação de responsabilidade civil extra contratual, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização, pela morte do seu companheiro e pai do seu filho menor, indemnização esta, fraccionada da seguinte forma: -17.500.00€ a título de danos não patrimoniais pelo desgosto e angústia da vítima D……... que se apercebeu que ia morrer e que abandonaria para sempre o seu filho; -50.000.00€ a título de danos não patrimoniais pelo dano morte; - 25.000.00€ e 37.500,00€ respectivamente para a 1ª e 2º autores, a título de dano não patrimonial pelo facto de terem ficado privados da companhia da vítima, como companheiro e pai, respectivamente, ficando o 2º autor privado de o conhecer e dos seus carinhos, crescendo sem o seu amparo.
-256.980,67€ a título de danos referentes à contribuição por parte da vítima ao longo dos anos, à 1ª autora, para sustento desta, que nunca teve emprego, com quem projectava casar, atendendo a uma esperança de vida de mais de 46 anos de idade -94.272,00€ a título de danos referentes à prestação de alimentos ao 2º autor, até aos 27 anos de idade deste.
Em suma: I.IURE HERIDITÁRIO: A……….. [17.500,00€+50.000,00€=67.500,00€] II JURE PRÓPRIO B…………. [25.000,00€+174.579,26€=199.579,26€] A…………. [37.500,00+94.272,80€=131.772.80€] Num total de 398.852,06€.
Os autos seguiram os seus termos e o TAF do Porto veio a proferir a sentença recorrida que [na parte que interessa]: (i) absolveu a Ré C………. de todos os pedidos realizados pela autora B……..; (ii) condenou a Ré C……….. a indemnizar o 2º autor, A……., pela privação do direito à vida (dano morte) no montante de 50.000,00€, quantia acrescida de juros de mora, contados desde a citação, à taxa legal que sucessivamente esteve em vigor.
(iii) improcedeu o demais peticionado.
Inconformados com esta decisão, interpuseram os autores e a ré, o respectivo recurso jurisdicional.
O autor/recorrente A…….., representado por sua mãe B………., finalizou o seu recurso, com as seguintes conclusões: «1ª. No presente recurso não está em causa a culpa na produção do acidente de trânsito que está na origem da presente acção.
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De acordo com os factos provados, após a realização da audiência de discussão e julgamento, a culpa na produção do acidente é exclusivamente imputável à Ré/recorrida E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E.
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O presente recurso tem, por essa razão, a ver com os montantes indemnizatórios/compensatórios reclamados e não fixados pela sentença recorrida.
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Aceita-se a quantia de 50.000,00€ fixada pela sentença recorrida a título de indemnização pela perda do direito à vida de D………..
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Bem como se aceita que os juros contados sobre essa quantia sejam incidentes, à taxa legal vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo pagamento.
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A morte não é um fenómeno instantâneo.
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Entre o facto ilícito lesivo e o exacto momento da morte, medeia sempre um espaço de tempo mais ou menos longo.
8º. Durante o qual, a vítima sente dores e tem plena consciência que vai morrer.
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A morte, numa sociedade em que prevalecem os valores judaico-cristãos, é o que de mais terrível pode suceder para um ser humano.
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O autor/recorrente peticionou a este título a compensação de 17.500,00€.
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A sentença recorrida não fixou qualquer quantia a este título.
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Deve, pois, ser fixada, a este título, a compensação de 17.500,00€.
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Acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação, até efectivo pagamento.
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O nascituro não é uma mera massa orgânica.
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Mas, pelo contrário, é um verdadeiro ser humano.
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Com dignidade de pessoa humana.
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Mesmo na fase intra-uterina, os efeitos da supressão da vida paterna, fazem-se sentir no nascituro – ser humano.
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E, no momento do seu nascimento, completo e com vida, as lesões sofridas pelo nascituro tornam-se lesões do próprio ser humano.
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O autor/recorrente A……….. peticionou a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial por ele sofridos a quantia de 17.500,00€.
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A sentença recorrida não fixou, a este título, qualquer quantia compensatória/indemnizatória.
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Deve, pois, ser fixada a este título a quantia de 17.500,00€.
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Acrescida de juros, contados à taxa legal em cada momento vigente, desde a citação até efectivo pagamento.
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O autor/recorrente peticionou, ainda, a indemnização de 94.500,00€ a título de alimentos que lhe eram devidos pelo seu progenitor D………..
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O autor era o único filho da vítima D………...
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O qual, como motorista de veículos automóveis pesados, auferia o ordenado de 798,00€/mês.
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O autor ia continuar a carecer de alimentos, que o seu pai lhe ia prestar e que incidia sobre o dever legal de lhos prestar, até aos vinte e sete anos de idade.
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À razão de 250.00 por mês.
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É, assim, devida a quantia a este título reclamada de 94.500,00€ - prestação alimentar.
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Sobre essa quantia, são devidos juros de mora, contados à taxa legal em cada momento vigente, desde a data da citação, até efectivo pagamento.
30º. Decidindo de forma diversa, fez a sentença recorrida má aplicação do direito à matéria de facto provada.
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E violou, além de outras, as normas dos artigos 66º, nº 1, 495º, nº 3, 496º, nº 1, 562º, 564º, 805º, 2009º, al. c), 2031º e 2133º do Código Civil e artigo 24º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa».
* A E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E., contra alegou no sentido da improcedência do recurso, formulando a final as seguintes conclusões: 1. «Todas as considerações tecidas nas presentes contra-alegações são independentes e não prejudicam o conteúdo do recurso (fls…) que a R. E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E. interpôs da sentença (ora recorrida também pelo A.) emitida pelo tribunal a quo.
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Um dos motivos que levaram o recorrente a contestar a sentença decretada pelo tribunal a quo foi a circunstância de esta não lhe ter concedido qualquer quantia indemnizatória a título de danos de natureza não patrimonial sofridos pelo seu pai (D……….) no hiato temporal que decorreu desde o acidente até ao momento da sua morte.
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Como fundamento da sua discordância face ao teor da sentença ora recorrida no que a este ponto atine, alega – em termos sintéticos - o ora apelante que “(…) é facto notório que a morte não é um fenómeno instantâneo”, e que “[e]ntre o momento da lesão e o facto morte, medeia sempre um espaço de tempo mais ou menos longo, conforme as circunstâncias”.
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Salvo o devido respeito, tais considerações além de imprecisas, acabam por não ter qualquer fundamento jurídico ou factual.
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Segundo a aflorada lição de Piero Calamandrei um facto é notório quando é do conhecimento comum de um grupo de pessoas pertencentes a uma determinada esfera social. A doutrina processualista tem classificado os factos notórios em duas espécies: Na primeira inserem-se os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento pela sua magnitude e escala (v.g. uma inundação, uma revolução, etc.), enquanto na segunda se inserem factos que adquiriram o carácter de “notórios” por via indireta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.
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Podemos assim afirmar que o conhecimento de determinado facto notório resulta de um processo de apreensão (do referido facto) operado pelo julgador, na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.
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Ora, basta olharmos para as características de consolidação de determinado facto como notório (acabadas de enunciar) para com toda a segurança podermos afirmar que - além de não ser do conhecimento geral da população - nenhum cidadão comum, regularmente informado, pode concluir, sem mais, que toda e qualquer morte adveniente de um acidente de viação não pode ter carácter instantâneo.
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Mais ainda, no seguimento da ideia que acabamos de sublinhar e concretizando o que até aqui viemos referindo, não é também do conhecimento geral da população que a morte do Sr. D…………. não teve carácter instantâneo.
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Ficando assim claro que a asserção que o Recorrente classificou como sendo um “facto notório” não configura mais do que um mero juízo presuntivo.
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Ademais, a matéria que a recorrente classificou como “notória” foi mesmo considerada como não provada pelo Meritíssimo Juiz a quo na resposta aos quesitos 21º a 27º da Base Instrutória (cfr. fls…).
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De modo que não tendo o recorrente conseguido efetuar a prova dos factos constitutivos do direito em que se arroga (cfr. art. 342º CC), nem beneficiando – por tudo quanto já expusemos - do regime estatuído no 412º CPC para os factos notórios, deve manter-se inalterada a este passo a sentença do tribunal a quo.
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A. A………… peticionou (também) à R. E.P., no âmbito da presente lide, uma indemnização: • Pelos danos morais por si próprio sofridos, no valor de 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros).
• Pela privação da prestação alimentar em consequência da morte de seu pai (D………..), no valor de 94.272,80€ (noventa e quatro mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos).
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Não obstante, o tribunal a quo entendeu em não atender a nenhum dos pedidos elencados por não haver qualquer fundamento legal que lhes permitisse dar provimento, em virtude do ora recorrente ser nascituro à data da morte do seu pai.
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Cumpre referir, em primeiro lugar, que o art. 66º do nosso Código Civil nos diz que – limitando-se a reproduzir o art. 1º do Anteprojeto Manuel de Andrade - a personalidade jurídica se adquire no momento do nascimento completo e com vida (nº 1, dependendo os direitos que a lei reconhece aos nascituros do seu nascimento (nº 2).
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O teor do referido preceito não levanta quaisquer dúvidas de que o nascituro (concebido) é afastado, pelo direito constituído, para efeitos de reconhecimento de...
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