Acórdão nº 0566/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…………….., S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18 de Junho de 2015, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, julgando ao invés improcedente aquela impugnação, dele veio interpor recurso para o Pleno deste STA, invocando oposição do decidido com o acórdão também do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Março de 2009, proferido no processo n.º 02608/08, já transitado em julgado, na parte relativa à interpretação do art. 23.º do CIRC e conceito de indispensabilidade nele ínsito (junto pela recorrente a fls. 911 a 932) A recorrente apresentou alegação tendente a demonstrar a invocada oposição de julgados – fls. 946 a 958 dos autos -, após o que foi proferido despacho pelo Relator no Tribunal Central Administrativo Sul – fls. 962 a 967 dos autos -, julgando verificada a referida oposição e ordenando a notificação das partes para, querendo, proferirem alegações, nos termos do artigo 282.º, n.º 3, do CPPT, no prazo de 15 dias.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. A Recorrente interpôs recurso do acórdão proferido pelo douto TCAS, 18 de Junho de 2015, no âmbito do processo n.º 07614/14, por manifesta oposição com o Aresto proferido pelo mesmo Tribunal, em 10 de Março de 2009, no processo n.º 02608/08 (cuja cópia se juntou no requerimento inicial de interposição do presente recurso): em causa está a correcta interpretação/aplicação do conceito de “indispensabilidade” dos custos, plasmado no artigo 23.º do Código do IRC.

B. Confrontados os Acórdãos, e como foi reconhecido pelo próprio Relator do Acórdão Recorrido, resulta evidente que, quanto aos pressupostos decisórios comuns, foram proferidas decisões jurídicas díspares e antagónicas.

SENÃO VEJAMOS: C. Quanto à questão em apreço, a solução jurídica do Acórdão Recorrido – em revogação da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no sentido da pretensão da ora Recorrente – assente, resumidamente, na premissa de que a indispensabilidade de determinado custo e, consequentemente, a sua relevância fiscal, só se verifica se for possível «reconstituir o nexo de causalidade entre os custos incorridos e os proveitos da sociedade» (realce nosso).

D. Neste pressuposto, veio então o TCAS, no acórdão Recorrido, considerar, através da realização de um juízo “aposteriorístico” – fundado no objecto social da empresa adquirida, na sua situação de falência técnica e no facto de o projecto imobiliário da recorrente se ter gorado – que a operação que deu origem à menos-valia apurada pela Recorrente não apresentava «racionalidade económica».

E. Ou seja, atentos os aludidos pressupostos e a premissa acima referida, é então patente que a interpretação dada pelo TCAS no acórdão recorrido se baseia no pressuposto de “a racionalidade” das operações, dever ser aferida, a posteriori, não só em função do objecto social, como da própria necessidade de reconstituir um “nexo de causalidade” entre os custos a que deram origem e os proveitos que geraram.

F. Entendimento esse que, inevitavelmente, implica então conceder à AT o direito de, discricionariamente, escrutinar a bondade das operações em função do lucro efectivamente gerado.

G. Em sentido diametralmente oposto, encontra-se o Acórdão Fundamento (proferido pelo TCAS no âmbito do Processo n.º 02608/08), de acordo com o qual, para o preenchimento deste conceito – de indispensabilidade – se encontra vedada, à AT (bem como aos Tribunais), não só a realização de juízos valorativos acerca da bondade da gestão e/ou da racionalidade económica das operações levadas a cabo pelos Contribuintes, bem como a realização de ponderação de “causalidade” entre os custos incorridos e os proveitos auferidos pelos mesmos.

H. De facto, de acordo com a lógica vertida no acórdão Fundamento – e que, considera a recorrente, deve prevalecer – só assiste legitimidade à AT (e, com o devido respeito, ao tribunal) para «emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário», mas apenas quando tal juízo de valor reflicta uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos» (realce nosso).

I. Ou seja: reconhecendo o Acórdão Fundamento que o preenchimento do conceito de “indispensabilidade” necessita, de alguma forma, de uma apreciação «”a posteriori” da gestão empresarial», J. Delimita de forma expressa e inequívoca tal comprovação à «aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa» (sublinhado nosso).

K. Concretizando, o que o Acórdão Fundamento defende, a propósito do modo como deve ser interpretado e aplicado o artigo 23.º do Código do IRC – com a total concordância da aqui Recorrente -, é que o mesmo apenas admite juízos de valor destinados a aferir se a despesa efectuada pela empresa tem ou não ligação com o seu escopo – e não, repare-se, com o seu “objecto social” -; i.e., destinados a aferir se a despesa teve um cariz eminentemente societário, porque se destinou (directa ou indirectamente) ao lucro, ou se teve um fim extra-societário, porque praticada em benefício de outros entes que não a sociedade.

L. Assim, e em concordância com o Acórdão proferido pelo STA, de 23 de Setembro de 1998, bem como a Doutrina mais avisada sobre a matéria (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Lucro tributável das pessoas Colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa), reconhece o Acórdão Fundamento que o conceito de “indispensabilidade” se trata de um «conceito vago necessitado de preenchimento», não se permitindo, contudo, qualquer margem de discricionariedade (mormente técnica), por parte na AT, na sua densificação.

M. Motivo pelo qual, não permite, de forma alguma, aferir – e muito menos a posteriori – da bondade das decisões de gestão levadas a cabo pelo Contribuinte quando as mesmas estão efectiva e comprovadamente relacionadas com a obtenção do lucro abstractamente considerado. Noutras palavras, com o escopo da sociedade.

N. Determinando então, o entendimento sufragado pelo acórdão Fundamento, que o nexo de causalidade destinado a evidenciar a “indispensabilidade” do custo não pode ser aferido entre os custos incorridos e os proveitos da sociedade, mas apenas entre aqueles e a sua capacidade, abstractamente considerados, de gerar proveitos.

O. Atento o exposto, é então manifesta e flagrante a oposição entre os acórdãos – Recorrido e Fundamento.

P. O Aresto de que se recorre, ao estabelecer que a “indispensabilidade” de determinado custo terá necessariamente de ser aferida através da realização de um juízo “a posteriori” que permita, tendo presente o objecto social da empresa, reconstituir o nexo de causalidade entre esse custo e os proveitos da sociedade, faz tudo aquilo que o Acórdão Fundamento – com o devido respeito – considera ilegítimo e ilegal.

Q. Isto porque, como já se referiu, não só concede à AT (e aos Tribunais) a prerrogativa de se imiscuir na gestão levada cabo pelos entes provados, no âmbito da sua autonomia, sindicando a “racionalidade económica” das operações por estes realizadas; R. como impõe a existência de um “nexo de causalidade” entre os custos e os proveitos da empresa.

S. Ao que acresce – embora não seja este o verdadeiro fundamento da presente oposição – o facto de pretender o tribunal recorrido que a verificação destes requisitos seja feito através de um juízo de valor, “aposteriorístico”, no qual podem ser tidos em consideração elementos que, à data da realização das operações relevantes, não eram – nem, de resto, podiam sequer ser – conhecidos pelo sujeito passivo e pelos seus gestores.

T. De facto, de acordo com a interpretação sufragada pelo acórdão recorrido, pouco (ou nada!) importa que a empresa, no momento em que o gasto foi incorrido, estivesse convicta da sua aptidão para gerar proveitos, se o considerava conveniente à prossecução dos negócios da sociedade ou, até mesmo, se este se inseria num projecto com viabilidade económica.

U. Em bom rigor, de acordo com essa tese, um gasto só será indispensável se, anos volvidos, a AT (e os Tribunais) forem capazes de olhar para as circunstâncias de facto que se verificavam e decidirem se os gestores da sociedade tinham razão em praticar a operação, i.e., se num juízo realizado a posteriori – no qual relevarão dados e elementos entretanto revelados pelo decurso do tempo e de que os gestores da Recorrente não dispunham nem podiam, de resto, dispor – a AT (e os Tribunais) ficar convicta da «bondade» da decisão de gestão empresarial que originou o custo em análise, determinada pelo tal nexo causal entre o custo e o proveito gerado.

V. De referir ainda, com o devido respeito, que entende a Recorrente que a interpretação do conceito de “indispensabilidade” plasmado no artigo 23.º do CIRC perfilhada pelo acórdão recorrido – além de, nos termos supra expostos chocar frontalmente com o Acórdão Fundamento – consubstancia uma violação do “princípio da tributação das empresas pelo lucro real” e, ainda (na esteira do Acórdão fundamento), do “direito à livre iniciativa económica privada”, realidades constitucionalmente consagradas e protegidas, a primeira no seu artigo 104.º n.º 2 e, a segunda, nos seus artigos 61.º, 62.º e 86.º, todos conjugados.

W. Aqui chegados...

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