Acórdão nº 0800/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

MUNICÍPIO DE CONDEIXA-A-NOVA, devidamente identificado nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial contra o CONSELHO DE MINISTROS [doravante «CM»] e os contrainteressados “MINISTÉRIO DO AMBIENTE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E ENERGIA” [doravante «MAOTE»], “ERSAR - ENTIDADE REGULADORA DOS SERVIÇOS DE ÁGUAS E RESÍDUOS” [doravante «ERSAR»], “C………… (SGPS), SA” [doravante «C………….

»], “D…………., SA” [doravante «D……..

»], “A……….

, SA” [doravante « A……….

»] e “B…………., SA” [doravante «B………..

»], impugnando e pedindo, pelos fundamentos aduzidos na petição inicial [cfr. fls. 02/36 dos autos] que fossem anulados “o ato administrativo consubstanciado pela publicação do Decreto-lei n.º 45/2014 …” e o “ato administrativo consubstanciado pela publicação da Resolução de Conselho de Ministros n.º 30/2014”.

1.2.

Citados R. e contrainteressados devida e regularmente pelos mesmos vieram, com exceção da «ERSAR», a ser apresentadas contestações [cfr., respetivamente, fls. 125/181, 335/336, 295/323], contestações essas nas quais se defenderam por exceção [incompetência do tribunal e ilegitimidade passiva por parte do «MAOTE»] e por impugnação, pugnando pela procedência da exceções e improcedência do pedido, com consequente absolvição.

1.3.

Notificado o Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal para efeitos do disposto no art. 85.º do CPTA pelo mesmo foi apresentada pronúncia na qual sustenta a improcedência da ação [cfr. fls. 341/342].

1.4.

Notificado o A. para se pronunciar sobre as exceções invocadas nos articulados pelos Demandados veio o mesmo sustentar a sua improcedência [cfr. fls. 347/354].

1.5.

Foi proferido despacho saneador, sem qualquer impugnação, no qual se julgou procedente, em parte, a exceção de incompetência material e totalmente procedente a exceção de ilegitimidade passiva do «MAOTE», determinando-se, em conformidade, a prossecução dos autos contra os demandados com exceção do «MAOTE» e “apenas para a apreciação e julgamento … no segmento que tem como o objeto/pretensão a anulação dos atos consubstanciados/contidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014” [cfr. fls. 382 e segs.

].

1.6.

Notificadas as partes para produzirem alegações escritas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 91.º, n.º 4, do CPTA, vieram fazê-lo: - o A. [cfr. fls. 410/416 v.

], culminando-as com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz: “… a) Em resultado do saneamento já, oportunamente, efetuado constitui objeto da presente ação a anulação dos atos consubstanciados/contidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, referente ao início do processo de reprivatização da A……….

, S.A. (A……….

) no âmbito do processo de privatizações promovido pelo Conselho de Ministros, uma vez que tais atos violam preceitos constitucionais e outras normas legais; b) O autor mantém tudo quanto alegou na sua p.i. quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, no que concerne à impugnação de tais atos; c) salvo o devido respeito, deve considerar-se assente a matéria de facto consignada no ponto 5. do corpo destas alegações.

d) Como resulta das alegações de direito vertidas no corpo destas alegações, os atos impugnados contidos/consubstanciados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 abril, alteram a natureza jurídica das sociedades dominadas pela sub holding do Estado, pois deixam de ser empresas públicas as sociedades concessionárias do serviço de tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU), in casu, a B……..; e) em violação do que se estabelece na lei comercial que é aplicável e, em particular, do regime previsto nos arts. 386.º, n.º 3 e 383.º, n.º 2, ambos do CSC, ao exigir uma maioria qualificada para assegurar as alterações estatutárias; f) o que não pode deixar de ter as seguintes consequências: em primeiro lugar, a ineficácia, senão mesmo a inexistência da alteração estatutária preconizada através do ato legislativo; em segundo lugar, a nulidade da transmissão das ações na operação de reprivatização objeto da presente ação administrativa; em terceiro lugar, a possibilidade de realização de um aumento de capital que assegure a manutenção de pelo menos 51% do capital das sociedades concessionárias na titularidade de entes públicos (Autarquias); por último, a amortização das ações que, em consequência da reprivatização, tenham tornado a percentagem de ações da classe A, inferior a 51% do capital social das sociedades concessionárias.

g) Assim, com os atos contidos/consubstanciados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014 de 08 de abril, violou o Governo o dever de lealdade estabelecido entre os acionistas, no quadro das relações estatutárias, porquanto, os detentores das ações da classe A - Estado e Municípios - estão em posição de igualdade na relação societária existente; h) Sendo os mesmos ilegais por violação das supra citas normas do CSC (386.º, n.º 3 e 383.º, n.º 2); i) Com aqueles atos o Governo violou, igualmente, as bases jurídico-legais em que se fundou a adesão dos Municípios às entidades concessionárias, pois são estas um instrumento essencial no exercício das suas competências que impendem sobre os mesmos e da satisfação de necessidades dos munícipes, competências estas plasmadas na nossa lei fundamental, designadamente nos arts. 241.º e 235.º da CRP.

j) Pelo que, devem tais atos ser anulados com as legais consequências …”.

- o R. «CM» [cfr. fls. 426/432], pugnando pela total improcedência do pedido, sem que, todavia, haja efetuado qualquer síntese conclusiva; - as Contrainteressadas intervenientes «C…………», «D……….», « A………. » e «B………» [cfr. fls. 436/445], concluindo-as através da seguinte síntese: “… 1.ª Os vícios invocados pelo Autor - isto é, a inconstitucionalidade e ilegalidade da alteração estatutária da B……., a violação do dever de lealdade entre os acionistas e das bases jurídico-legais em que se fundou a adesão dos municípios às entidades concessionárias - têm de ser assacados à alteração estatutária da B………..e não à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014.

  1. Com efeito, é manifesto que o ato recorrido não operou qualquer alteração estatutária da B………….

  2. Nesta conformidade, podendo o Autor ter invocado novos fundamentos do pedido, ou mesmo ampliá-lo, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 5 e 6, do CPTA, e não o tendo feito, não pode agora obviar ao insucesso da presente ação.

  3. A operação de reprivatização da A……….

    , para a qual contribui o Decreto-Lei n.º 102/2014, de 2 de junho, é realizada ao abrigo do regime previsto na Lei Quadro das Privatizações, a Lei n.º 11/90, de 5 de abril, alterada pela Lei n.º 102/2003, de 15 de novembro, e pela Lei n.º 50/2011, de 13 de setembro, pelo que a alteração estatutária da B……… não poderia deixar de ter sido realizada através de decreto-lei, nos termos previstos no artigo 4.º daquela Lei Quadro.

  4. O artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, prevê que as empresas criadas por decreto-lei - como sucedeu com a B……… - possam ser também extintas por decreto-lei, pelo que é claramente incorreto o alegado pelo Autor, no sentido de que a alteração de natureza da B……… através de diploma aprovado pelo Governo seria manifestamente ilegal …”.

    1.7.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. DAS QUESTÕES A DECIDIR Considerando os termos da pretensão deduzida pelo A. e aquilo que foi decidido com trânsito no despacho saneador de fls. 382/391 dos autos constitui objeto de pronúncia nesta sede o aferir da legalidade do ato impugnado quanto à violação pelo mesmo do dever de lealdade entre acionistas e da bases jurídico-legais em que se funda a adesão/participação dos Municípios nas entidades concessionárias [infração aos arts.

      24.º, n.º 4, 383.º e 386.º do Código das Sociedades Comerciais («CSC»), 01.º e 06.º do DL n.º 166/96, de 05.09, 05.º e 09.º do DL n.º 133/2013, de 03.10], bem como dos comandos e princípios constitucionais relativos à autonomia do poder local e poder regulamentar autárquico [infração aos arts.

      235.º e 241.º da CRP].

    2. FUNDAMENTAÇÃO 3.1.

      DE FACTO Presentes o alegado pelas partes e a suficiência dos elementos probatórios que se mostram já produzidos nos autos julga-se como assente o seguinte quadro factual necessário à apreciação da pretensão: I) O Município de Condeixa-a-Nova é acionista da “B………, SA” [doravante «B…………»], entidade gestora do sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Litoral Centro, criada pelo Decreto-Lei (DL) n.º 166/96, de 5 de setembro, e cujos Estatutos estão em anexo [diploma este cujo teor aqui se tem por reproduzido], e da qual fazem parte, atualmente, 36 Municípios.

      II) A participação acionista destes Municípios, detendo ações tipo «A», representa 42,539% do capital social da «B…………» [cfr. doc. fls. 59 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido].

      III) Detendo a “A……….

      , SA” [doravante « A………. »] 51,46% [cfr. doc. fls. 59 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido].

      IV) O contrato de concessão entre o Estado e a «B………..» foi celebrado em 14.03.1997.

      1. Nessa mesma data entre o A. e a «B…………..» foi celebrado o “Contrato de Entrega e Receção de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) e de Recolha Seletiva para a Valorização, Tratamento e Destino Final”, contrato este outorgado ao abrigo do contrato de concessão referido em IV) [cfr. n.º 1 da cláusula 11.ª do mesmo] [cfr. fls. 61 a 69 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido].

        VI) As bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas municipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos constam do anexo ao DL n.º 294/94, de 16 de novembro, que consagra o regime jurídico da concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos, diploma que aqui se dá por integralmente reproduzido.

        VII) A...

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