Acórdão nº 0718/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 224/07.0BECBR 1. RELATÓRIO 1.1 A………… e mulher, B………… (adiante Impugnantes ou Recorrentes), recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial que, após o indeferimento das reclamações graciosas, deduziram contra as liquidações de Imposto de Selo (IS) que lhes foram efectuadas, uma a cada um, na sequência da celebração de uma escritura de justificação notarial que efectuaram com referência a um prédio urbano.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e os Recorrentes apresentaram as alegações, que remataram com conclusões do seguinte teor: «A) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, ao considerar os actos impugnados suficientemente fundamentados, errou no julgamento que fez, uma vez que, in casu, se exigiria da Administração Fiscal uma particular fundamentação, de molde a elucidar, devidamente, os impugnantes das razões das liquidações; B) Justificavam-no o facto de os impugnantes não terem tido acréscimo patrimonial, em resultado da aquisição por usucapião e ainda a circunstância de a Administração Fiscal os reconhecer como proprietários do imóvel, para efeito de contribuição predial, não os reconhecendo, contudo, como proprietários para efeitos de tributação de Imposto de Selo; C) Da escritura de justificação notarial não resultou qualquer transmissão de bens, pois o usucapiente não viu acrescido o seu património nem sucedeu nos direitos de um qualquer anterior titular de direitos de propriedade sob o imóvel em causa.

  1. Ao tributar o acto de justificação notarial em causa, a Administração Fiscal busca extrair encargos económicos sobre os impugnantes de forma pouco clara e transparente, o que, no mínimo, levanta dúvidas sobre a existência do facto tributário objecto da presente impugnação, pelo que não pode deixar de constituir fundamento para a sua anulação, atento o disposto no art. 100.º, n.º 1, do CPPT.

  2. O direito de liquidar os tributos objecto da presente impugnação há muito que caducou, atento o disposto na lei (art. 45.º da LGT) e o espaço de tempo decorrido desde a aquisição do prédio por usucapião; F) Impunha-se à Administração Fiscal uma interpretação correctiva da norma do art. 1.º, n.º 3, alínea a) do CIS, no sentido de serem tributadas apenas as aquisições por usucapião, das quais resultasse acréscimo patrimonial efectivo na esfera jurídica do usucapiente, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da boa-fé e da justiça inscritos no art. 266.º, n.º 2, da CRP; G) A norma contida na alínea a) do n.º 3 do art. 1.º, do Código do Imposto de Selo, ao ser interpretada em sentido amplo, como o fizeram os Serviços da Administração Fiscal, in casu, é inconstitucional, na medida em que não pode deixar de ser considerado o elemento económico resultante de acréscimo patrimonial, efectivo, na esfera jurídica dos sujeitos passivos; H) As liquidações objecto da presente impugnação estão gravemente feridas de ilegalidade por ofensa de princípios da ordem jurídico-tributária, designadamente os da legalidade, da boa-fé, da justiça, consagrados no art. 55.º da LGT, da verdade material e da prevalência da substância sobre a forma, estabelecidos no art. 11.º, n.º 3 da LGT; I) Em todo o caso, a manter-se a tributação sub judice, sempre deveria ser concedida ao impugnante, filho dos autores da liberalidade, isenção de Imposto de Selo, nos termos do art. 6.º, alínea e) do CIS; J) Contudo, diferente foi a leitura que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez dos factos submetidos a juízo, incorrendo em erro sobre os pressupostos em que baseou a sua decisão e, consequentemente, em erro de julgamento; Termos em que e nos mais de direito, que V. Exa.s, doutamente, suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] 3.1 Falta de fundamentação do acto tributário Alegam os Recorrentes que o tribunal “a quo” não apreciou correctamente a questão do arguido vício de falta de fundamentação do acto tributário, uma vez que “não obtiveram qualquer acréscimo de rendimento ou de património em resultado da feitura da referida escritura de justificação notarial”, pelo que “são no mínimo insuficientes os fundamentos de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o tributo”.

Na sentença recorrida considerou-se que «os argumentos expendidos pelos impugnantes evidenciam que compreenderam perfeitamente o sentido e as razões que determinaram o acto impugnado, embora não concordem com o mesmo e o coloquem em crise, pelo que ter-se-á de concluir que a fundamentação dos actos de liquidação em causa cumpriu a sua função instrumental”. E quanto aos elementos que constam do acto é apreensível a forma como foi determinada a matéria tributável tendo por base o valor patrimonial tributário do prédio, e a taxa constar da norma do Código de Imposto de Selo indicada.

E afigura-se-nos correcto tal entendimento, sendo certo que o mesmo não é posto em causa pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso. Ao alegarem que não compreendem a tributação porque “não obtiveram qualquer acréscimo de rendimento ou de património”, os Recorrentes apenas manifestam a sua discordância quanto a essa tributação e não que os termos do acto tributário praticado pela administração tributária seja incoerente ou incompreensível.

Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida fez um correcto enquadramento e apreciação desta questão.

3.2 Inexistência do facto tributário Persistem os Recorrentes em pugnar pela irrelevância económica e jurídica do acto consubstanciado na outorga da escritura pública de justificação notarial, pretendendo que os seus efeitos se circunscrevam a um mero “reatar do trato sucessivo para efeitos de registo predial”, mas carecem de razão.

Com efeito, independentemente da situação de facto de domínio sobre a coisa ter perdurado durante um período de tempo bastante longo, certo é que a formalização jurídica de tal domínio ocorre com a celebração da escritura pública de justificação notarial, a qual constitui o título que confere a titularidade do imóvel motivo pelo qual a lei atribui a esse acto a relevância para efeitos de incidência em imposto de selo. E assim sendo carece de fundamento legal a argumentação dos Recorrentes.

E porque é assim, carece igualmente de relevância para este efeito o momento em que se iniciou a posse que originou a usucapião, como se entendeu no acórdão do STA de 09/07/2014 (recurso n.º 0269/14), no qual se deixou exarado que, «o aumento da capacidade contributiva que o legislador tributário entendeu ser de atender é aquele em que de forma mais segura e com contornos definidos se invoca a usucapião num acto público, como a escritura de justificação notarial» - (no mesmo sentido o acórdão de 26/11/2008, recurso n.º 0376/08).

Igualmente por este motivo carece de fundamento a invocada caducidade do direito de liquidação, já que este tem que se reportar à ocorrência do facto tributário e nos termos da lei - art. 5.º, alínea r), do Código de Imposto de Selo - a obrigação tributária constitui-se na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial.

Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez igualmente nesta parte uma correcta interpretação e aplicação da lei.

3.3 Inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do CIS na interpretação efectuada pelo tribunal “a quo” Alegam os Recorrentes que “impunha-se à Administração Fiscal uma interpretação correctiva da norma do art. 1.º, n.º 3, alínea a) do CIS, no sentido de serem tributadas apenas as aquisições por usucapião, das quais resultasse acréscimo patrimonial efectivo na esfera jurídica do usucapiente, sob pena de inconstitucionalidade, por via interpretativa, do disposto na parte final da referida alínea a) do n.º 3 do art. 1.º do Código de Imposto de Selo, por ofensa dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da boa-fé e da justiça, inscritos no art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.

Conforme se alcança do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, os princípios ali consagrados são dirigidos à actuação da Administração Pública, o que resulta da inserção sistemática do mesmo normativo.

Ora, no caso concreto dos autos estamos perante um acto vinculado, sem margem de qualquer discricionariedade e que se impõe à Administração Fiscal. Por isso não faz sentido a arguição do referido vício de inconstitucionalidade.

Entendemos, assim, que é igualmente de improceder o recurso nesta parte.

3.4 Ilegalidade do acto de liquidação por ofensa dos princípios da legalidade, boa-fé e da justiça consagrados no artigo 55.º da Lei Geral Tributária Assentam os Recorrentes o referido vício no argumento de que “da outorga da referida escritura de justificação notarial não ter resultado qualquer acréscimo patrimonial”.

Dispõe o artigo 55.º da LGT que «A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

Ora, em face dos referidos princípios norteadores da actuação da Administração Fiscal não se alcança em que termos resulta a sua violação na prática do acto de liquidação impugnado, nem os Recorrentes esclarecem tal questão.

E sendo certo que a tributação em imposto de selo no caso concreto visa o acréscimo patrimonial resultante do ingresso do bem no património dos...

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