Acórdão nº 01307/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A…………….. propôs, no TAF de Viseu, contra o Município de Águeda, acção administrativa especial pedindo a anulação do acto praticado pelo Réu, em 2/12/2008, que indeferiu o licenciamento das alterações que pretendia levar a efeito num armazém sito em ……….., ……., Águeda, de que era proprietário.

Acção que foi julgada improcedente.

Decisão que o TCA Norte confirmou.

Inconformado o Autor interpôs o presente recurso de revista que finalizou do seguinte modo: 1) O presente recurso de revista deve ser admitido pelas razões supra aduzidas, sendo que as questões que concretamente se trazem a este Tribunal são: a) No caso de um loteamento clandestino, quando um interessado invoca que, por efeito do decurso do tempo, é originalmente proprietário do solo e construções que resultaram desse loteamento (e tal se prova) tem ou não de legalizar esse mesmo loteamento antes de pedir o licenciamento? b) No caso do mesmo loteamento clandestino, quando um interessado adquire esse solo e construções como constituindo uma propriedade autónoma (devidamente registada) a um Tribunal português, existem razões e princípios jurídicos que façam valer mais um suposto privilégio de que usufruirá por não ter de pedir o loteamento (taxas, despesas, cedências) ou valem mais os efeitos do tempo decorrido, a segurança e a certeza jurídicas a confiança que aquele cidadão legitimamente depositou na legalidade da aquisição, a desproporcionalidade que consiste em negar-lhe o uso do bem assim adquirido fazendo sobre si impender ostensivamente ilegais encargos, que, inclusivamente, vão além do que seria possível pedir num loteamento comum? 2) É assim que o recorrente pede a admissão do presente recurso, ao abrigo do art.150.º, n.º 1 do CPTA, não só porque a questão pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental (de acordo com a densificação jurisprudencial do conceito verifica-se uma séria potencialidade de repetição da questão sub judice) como também porque é claramente necessária uma melhor aplicação do direito.

3) O Recorrente é dono e legitimo possuidor de um prédio, fisicamente e de facto autónomo, que adquiriu de um Juiz de Direito, como diz, em sede executiva, o qual, registado que está em seu exclusivo nome, faz de si (propriedade) uma unidade jurídica autónoma, sendo que, no entanto, veio a verificar-se, de facto, que a construção nele levada a efeito fazia parte de um licenciamento anterior, datado de 1982, maior em área construída e maior em espaço físico ocupado, do qual veio a ser, de acordo com as regras do direito civil, destacado, entendendo o Aresto recorrido que, como não foi feito loteamento ou não estando esse prédio qua tale licenciado (bastava a propriedade horizontal, como é evidente), então, não é possível deferir o pedido de alterações que foi solicitado à autarquia.

4) Por força do principe de l’indépendance des lesgislations, importa harmonizar as legislações civis e urbanísticas, sendo, pois, que uma harmonização entre os dois princípios, com que a dogmática francesa aplica esta questão, atenta a unidade do sistema jurídico (entre o mais, o art. 9.°, n.º 1 do CC), implica que, ao contrário do que sucedeu administrativamente com o aplauso patentemente erróneo do aresto recorrido, possa existir indeferimento, sim … mas apenas e só quando as regras materiais de urbanismo o impuserem, ligadas que estejam, assim, materialmente, à necessidade de loteamento ou ao incumprimento de regras de construção constantes das leis urbanísticas (a afronta ao índice de construção, à inexistência de rede de água, etc.).

5) Tendo-se ignorado o instituto da usucapião e os efeitos a que se refere o art.º 134.º, n.º 3 do CPA, que implicam a admissão de que a propriedade do Recorrente tem a identificação a que se refere aquele registo e a desnecessidade de loteamento, não é lícito indeferir, ao contrário do que em patente erro de julgamento foi decidido, por falta de licenciamento do loteamento, o pedido do Recorrente e, portanto, sem violação ostensiva do art. 9º, n.º 1 do CC (princípio da unidade jurídica do sistema), dos art.ºs 1251.° e ss., 1258.° e ss. e 1287.° e ss. do CC, do então art. 134°, nº 3 do CPA e dos art.ºs 2.°, al.ªs b) e e), 4.°, n.º 2, al.ªs c) e e), 9.° e 24.°, todos do RJUE.

6) Sem prescindir, mesmo que se entendesse estar face a uma aquisição nula (referimo-nos, naturalmente, à aquisição da propriedade licencianda em juízo, na medida em que o solo judicialmente adquirido já está na posse do Recorrente, pública, pacifica, reiterada, de boa fé, tituladamente, há mais de 20 anos), sempre importa conferir-lhe autonomia, permitindo que sobre ela possa recair o juízo urbanístico de conformidade com as regras materiais, gerais e concelhias, que disciplinam a edificação - cfr. matéria de facto provada nos pontos 1. e ss. e 28. do aresto recorrido.

7) Assim, não tendo sido retiradas as consequências que referimos no corpo das alegações relativamente à aplicação do estatuído no art. 134.°, n.º 3 do CPA e, por outro lado, devendo encarar-se a propriedade do Recorrente como está descrita, devendo as leis urbanísticas tomar em devida linha de consideração o direito civil, o Recorrente tinha, ao contrário do que em ostensivo erro de julgamento foi decidido, direito a que a administração autárquica aferisse da legalidade material da sua pretensão.

8) No que concerne à questão da legalização, o notório erro do Tribunal a quo reside, salvo o devido respeito, na circunstância de não perceber que a sua argumentação tem valia, princípio lógico, quando a pessoa do infractor e a pessoa de quem beneficia da ilegalidade são as mesmas, o que não sucede in casu.

9) No caso vertente, uma vez que o Recorrente adquiriu o prédio, devidamente registado como unidade jurídica autónoma e com as construções nele descritas, no Tribunal e em hasta pública, importa concatenar este princípio jurídico com outros, mormente com os princípios da segurança, da confiança e da boa fé, que são corolários do estruturante princípio constitucional do Estado de direito democrático (cfr. art. 2.° CRP).

10) Não sendo possível em sã consciência fazer impender uma espécie de um ónus sobre o Recorrente de verificação da existência de uma propriedade, que adquire em Tribunal, fazendo impender sobre ele a necessidade de se assegurar que o prédio que adquire não resulta de um loteamento nulo, que as construções que adquire, constantes da certidão da Conservatória, são, todas elas, legais - aliás, qualquer cidadão médio que estivesse na mesma situação teria actuado como actuou o recorrente, acreditando, em plena segurança, confiança e em boa fé, que em Tribunal, num acto supervisionado por um M.mo Juiz, se não está a vender coisa inexistente ou ilegal.

11) O acórdão recorrido ao não ter esta percepção, tendo antes outra, quanto a nós e com o devido respeito, distorcida, viola flagrantemente os princípios da segurança, confiança e boa fé, constantes que são, entre outros, dos art.ºs 2° e 266.°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e dos art.ºs 6.°-A e 134°, n.º 3 do CPA.

12) Relativamente à legalidade material do pedido, temos que quanto à hipotética necessidade de construção da praceta, a entender este acto como recolhendo suficiente fundamentação (vício que, não obstante, se invoca), o mesmo não assenta na certeza de que os outros pavilhões existentes na zona ficam sem acesso.

13) Assim, porque a administração não pode indeferir na dúvida, mas sim e apenas na certeza de que os pressupostos de que parte são verídicos, sendo, aliás, seu o ónus de prova (entre o mais, cfr. princípio do inquisitório), o acto padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, pelo que ao não ter assim decidido o acórdão padece de patente e notório erro de julgamento - cfr. art. 88° CPA, doutrina e jurisprudência supra citadas.

14) Esta razão de ilegalidade pretensa e a exigência construtiva que o acto de indeferimento evidência é ostensivamente ilegal, do princípio da taxatividade constante do art. 24.° do RJUE, na medida em que a rotunda teria de ser construída em solo de terceiros e implicava a concertação do Recorrente com terceiros para a realizar - cfr. doutrina comparada supra referenciada.

15) Aliás, se margem de discricionariedade se pudesse antever nesta matéria, pelas razões adiantadas no número 16.° da pi., o acto impugnado (e assim o acórdão recorrido, que não o anulou), na medida em que exige ao Recorrente a construção de uma obra que, servindo o campo de futebol e terceiros, importa o dispêndio de 100.000 Euros, é ostensiva e claramente desrazoável e desproporcionado (art. 5.° do CPA e 266.°, nº 2 da CRP), devendo pois tal exigência ser desconsiderada, sendo que também se poderia dizer verificar-se ostensiva violação do princípio da acopulação.

16) Contrariamente ao que se refere na contestação quanto aos acessos, os mesmos são suficientes para permitir o uso lícito do armazém do Recorrente, existindo estes efectivamente a Poente, no topo Norte da propriedade do Recorrente e a Norte, quer quanto ao pavilhão em causa (quer ainda mesmo quanto aos restantes pavilhões que, aliás, sempre se serviram do acesso de 5,80 m), sendo finalmente que na propriedade do Recorrente, como os desenhos evidenciam à saciedade, existe espaço suficiente para se poder fazer inversão de marcha.

17) A propósito da Portaria que determinaria a construção da praceta, temos que a autarquia carece de atribuições para indeferir o pedido quanto a esta matéria (quem tem competência - os Bombeiros - deu parecer positivo ao licenciamento - cfr. pa a fl.s) acrescendo que o acto impugnado é de 02/12/2008 e a Portaria supostamente violada é de 29/12/2008, não sendo assim patentemente aplicável ao caso dos autos e, por último, se se ler o art.º 4.° da Portaria, vê-se patentemente que não se verificam os pressupostos da sua aplicação, nem se verifica o impasse, nem os 30 metros que podem subir para 50 nem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT