Acórdão nº 01153/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Município do Porto recorreu, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte proferido em 19 de Junho de 2015 que manteve a decisão proferida pelo TAF do Porto e julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual instaurado contra si por a A………… SA., que decidiu: “1º Anula-se a deliberação camarária de 21/1/2014, na parte em que decidiu extinguir o procedimento concursal ADAQ/3/2013 e lançar novo procedimento; 2º Condena-se o R. a prosseguir com o procedimento concursal ADAQ/3/2013, elaborando o relatório final e adjudicando à proposta da A. a prestação de serviços de vigilância e segurança; 3º E convida-se a A. e o R. a acordarem, no prazo de 20 (vinte) dias, no montante de indemnização a que a impetrante tem direito por todo o período de não prestação dos serviços, nos termos do art. 102º, n.º 5, do CPTA.” Em alegações formula as seguintes conclusões: 1. A presente revista é admissível, nos termos do artigo 150.° do CPTA, por estar em causa uma questão cuja relevância jurídica se assume de importância fundamental e, por outro lado, por se afigurar indubitavelmente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. São duas as questões que exigem uma apreciação por parte desse Tribunal no âmbito do presente recurso de revista e que ditam a respetiva admissibilidade.

  2. A primeira questão - atinente à invocada nulidade por omissão de pronúncia - que se coloca, em abstrato, e cuja análise se impõe, é a de saber se a emissão de pronúncia, pelo tribunal a quo, em despacho saneador, sobre uma determinada exceção invocada pelo Réu, no sentido da não verificação dessa exceção, impede esse tribunal, no caso de não ter havido recurso desse despacho, de apreciar a matéria factual subjacente a tal exceção.

  3. Descendo, concretamente, ao caso sub judice, está, pois, em causa saber se a circunstância de o tribunal a quo ter considerado não se verificar a exceção de caso resolvido administrativo quanto ao fundamento de extinção do primeiro procedimento de ajuste direto - falta de extensão do convite a todas as entidades que a entidade adjudicante estava, legalmente, obrigada a convidar - e, bem assim, de ter entendido não ser de aplicar o princípio do aproveitamento do ato administrativo, vedava a esse tribunal e, posteriormente, ao tribunal ad quem, a análise e ponderação desse facto - o do não convite - como um dos fundamentos do ato impugnado, enquanto tal.

  4. Pese embora se concorde inteiramente, porque inequivocamente resultante da lei, que a não interposição de recurso de um despacho saneador tem como consequência que as decisões aí ínsitas se consideram definitivamente resolvidas, com a solução jurídica que, nesse momento lhes foi dada, não nos parece que daí resulte um impedimento, proibição ou obstáculo, como se queira, à apreciação de uma questão factual relacionada com a matéria que tenha sido objeto de decisão no saneador mas que com ela não se confunda ou não coincida totalmente.

  5. Concluir nesse sentido, equivale, no caso específico do contencioso administrativo, a uma completa denegação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucional consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e concretizado, nomeadamente, na norma constante do n.º 2 do artigo 95.º do CPTA, pela não apreciação do ato impugnado como um todo, na globalidade dos fundamentos que o sustentam, e das suas possíveis causas de (in)validade.

  6. E daí, impor-se uma decisão desse Tribunal sobre esta questão, de inegável importância jurídico-processual, de definição e conformação dos limites decisórios do tribunal, no âmbito do contencioso administrativo, em face do binómio exceção - factualidade, com vastíssimo leque de aplicação a outras situações.

  7. A segunda questão cuja apreciação por esse Tribunal se entende ser imperiosa, prende-se com a interpretação e aplicação do regime relativo às causas de não adjudicação constantes do artigo 79.°, n.º 1 Código dos Contratos Públicos (CCP), maxime se esse preceito contém um elenco taxativo ou meramente exemplifícativo das causas que podem determinar a não adjudicação pela entidade adjudicante.

  8. Trata-se, na vedade, de uma questão que se reveste de primordial importância, por contender com a definição dos limites do poder da entidade adjudicante nos procedimentos pré-contratuais, em que se contrapõem interesses públicos (da Administração Pública e do interesse público que norteia a sua situação e que lhe está, em permanência, subjacente) e privados (dos sujeitos privados com expectativa de estabelecimento de uma relação contratual tendente, designadamente, à prestação de serviços e/ou fornecimento de bens), mormente com a decisão de “voltar atrás” na intenção de contratar e de adjudicar; 10. Esta questão tem merecido das instâncias judiciais decisões díspares, atentatórias da segurança e certeza jurídicas que ordenamento jurídico deve acautelar, facto de que o presente processo é, aliás, um bom exemplo.

  9. Sendo que "a oposição ou a mera divergência de decisões poderá constituir indício da complexidade jurídica da questão ou do caracter insólito da solução encontrada pela decisão recorrida.", como considerado no Acórdão desse STA de 9.1.2014, no Proc. 0188/13.

  10. O Supremo Tribunal Administrativo, de resto, foi já confrontado com esta mesma questão, no âmbito designadamente do processo 01898/13, não tendo, no entanto, chegado, na verdade, a pronunciar-se sobre a taxatividade ou mera tipicidade do artigo 79.º, n.º 1 do CCP, por ter considerado que a situação desses autos era subsumível a uma das alíneas previstas nesse preceito e, nessa medida, a análise da taxatividade resultou prejudicada (data do Acórdão: 20-03-2014).

  11. Não existe, portanto, tanto quanto se pôde apurar, qualquer pronúncia desse Tribunal quanto à referida taxatividade ou mera tipicidade do artigo 79.º, n.º 1 do CCP. E é certo que esta se mostra necessária para uma melhor aplicação do Direito, quer de uma perspetiva generalizada quer da perspetiva do caso concreto que o presente processo encerra.

  12. É que, inusitadamente, nos presentes autos, o TCAN, pese embora tenha expressamente assumido seguir a linha de pensamento do Acórdão do TCAS de 10-10-2013, proc. 10138/13, no qual se concluiu que o artigo 79.º do CCP “não é taxativo, mas meramente exemplificativo”, veio, a final concluir que o fundamento do Recorrente para extinção do primeiro procedimento de ajuste direto relativo à recomendação da ACT, não era subsumível às alíneas c) e d) do artigo 79.º do CCP e, consequentemente, - pasme-se - que, sem boa causa para a não adjudicação, esta tinha sido ilegal.

  13. Justifica-se, assim, como se retira, a contrario sensu, do mencionado Acórdão desse STA de 9.1.2014, no Proc. 0188/13, admitir a revista quando os termos da discussão "permitam vislumbrar potencialidade de expansão da controvérsia a um número indeterminado de casos futuros, de tal modo que, do ponto de vista jurídico ou social, a questão possa ser qualificada de importância fundamental" e, por outro lado, o acórdão recorrido apresente "raciocínios lógicos ou jurídicos insólitos ou manifestamente contrários aos critérios hermenêuticos estabelecidos ou a entendimentos jurisprudenciais.", tal como sucede in casu.

  14. A solução adotada pelo tribunal recorrido não é, de todo, coerente e comporta raciocínios lógicos e jurídicos que, na interpretação e aplicação do regime legal, se apresentam "manifestamente contrários aos critérios hermenêuticos estabelecidos", "a entendimentos jurisprudenciais correntes" e que constituem "ponderações ostensivamente inadmissíveis dos princípios gerais da contratação pública convocados.", desconformes com as soluções que têm vindo a ser adotadas em outros sistemas jurídicos igualmente sujeitos ao direito comunitário, como em Espanha França ou Itália .

  15. Ademais, estamos perante questões da maior relevância jurídica e até social, quer da perspetiva das entidades públicas quer da perspetivas dos fornecedores privados, inerentes a procedimentos adjudicatórios adotados pela Administração, no âmbito dos quais, não raro, esta é confrontada com a necessidade de revogação de decisões de contratar/não adjudicação e que reclamam uma melhor definição jurídica do que a que, salvo o devido respeito, lhes foi conferida pelo tribunal recorrido.

  16. Para além das justificadas relevância jurídica e social, está ainda em causa uma situação que exige uma melhor aplicação do Direito, no sentido de garantir uma maior certeza jurídica na aplicação do direito da contratação pública.

  17. Destarte, porque está em tempo, tem legitimidade e - como se demonstrou - reúne, s.m.o, os pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, deverá o recurso de revista ser admitido.

  18. A questão colocada pelo Réu, na sua contestação, a título de exceção, foi a de saber se, por força de a Autora não ter impugnado um dos fundamentos de extinção do primeiro procedimento de ajuste direto - a aludida falta de convite - o mesmo havia formado caso resolvido administrativo e se, por aplicação do princípio do aproveitamento do ato, tal sempre acarretaria a manutenção do mesmo na ordem jurídica.

  19. Precisamente por ter sido essa, e apenas essa, a questão colocada ao tribunal a quo, a título de exceção, é que àquele não estava vedada, antes se impunha, a apreciação de um dos fundamentos do ato de extinção do procedimento - a deteção do não convite de uma entidade.

  20. Tanto mais que essa questão não só foi abordada pelo Recorrente a título excetivo, na perspetiva supra expendida, mas também, e subsidiariamente, a título impugnatório, sustentando a legalidade do ato de extinção com tal fundamento.

  21. Foi sobre esta questão que o TAF do Porto, a nosso ver, mal, não se pronunciou, solução que o TCAN, também ele, mal, confirmou.

  22. Na prolação da decisão do TAF do Porto foi desconsiderado, pura e simplesmente, um dos...

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