Acórdão nº 0584/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A……………… e B……………….

, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [doravante TAF/L] a presente ação administrativa comum contra “ESTADO PORTUGUÊS” peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, que fosse este condenado a pagar-lhes a indemnização de 26.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pelos mesmos sofridos, decorrente do atraso na entrega de imóvel adquirido.

1.2.

O TAF/L, por decisão de 30.04.2013, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido considerando que, no caso, não estavam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos na Lei n.º 67/07, mormente, o do facto ilícito.

1.3.

Os AA., inconformados, recorreram para o TCA Sul [cfr. fls. 260 e segs.

], tendo aquele Tribunal, por acórdão de 23.01.2014, decidido julgar procedente o recurso jurisdicional e, em decorrência, revogou a decisão daquele TAF condenando o R. a “pagar de imediato aos AA., além dos juros moratórios civis peticionados à taxa legal, … 6.000,00 Euros, a título de indemnização por danos morais; 900,00 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais já quantificados e o que se apurar em liquidação de sentença quanto aos prejuízos referidos nos factos sob Y, Z e AA” para o efeito sustentando estarmos no quadro de responsabilidade civil contratual [cfr. fls. 336 e segs.

].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., agora inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 354 e segs.

]: “...

  1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão deste TCAS que, revogando a sentença da primeira instância, condenou o Estado ao pagamento de uma indemnização por danos morais e patrimoniais.

  2. O acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia por ter julgado com base em responsabilidade civil contratual quando a sentença tinha decidido com base em responsabilidade civil extracontratual, decisão que nesta parte transitou em julgado por falta de impugnação dos autores.

  3. A admissão deste recurso de revista reveste-se de importância fundamental para uma melhor aplicação do direito e por as questões suscitadas nos autos serem de especial relevância jurídica e social.

  4. A necessidade de melhor aplicação do direito advém da desconformidade do acórdão com a jurisprudência desse STA, bem como com diversos dispositivos legais dispersos por três Códigos, cuja apreciação por isso é de especial complexidade e que conduziram ao pagamento pelo Estado de um montante lesivo do seu património, o que se reveste de especial relevância social.

  5. Deve, pois, salvo melhor opinião, este recurso ser admitido, por esse Alto Tribunal, nos termos do n.º 1 do art. 150.º do CPTA.

  6. A venda de um imóvel, por meio de proposta em carta fechada, no âmbito do processo de execução tributário, regulada nos termos dos arts. 248.º e segs. do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) não se pode considerar um contrato de compra e venda de imóveis regulado pelo direito civil, dado que não existe qualquer contrato, e muito menos de natureza civil, mas sim atos de autoridade, nomeadamente, de adjudicação do bem vendido e concessão de título de transmissão de propriedade, cujas normas subsidiariamente aplicáveis são as relativas ao processo de execução regulado no Código de Processo Civil.

  7. A não entrega, logo a seguir à venda judicial, do imóvel aos autores, não se deveu à prática de qualquer ato ilícito e culposo por parte dos Serviços de Finanças de Silves ou do Chefe de Serviços.

  8. Deveu-se, sim, ao facto do fiel depositário não ter dado conhecimento ao Chefe de Finanças que o imóvel estava habitado, nem o ter entregue quando para isso foi notificado logo a seguir à venda, bem como à sua ocupante que não tinha qualquer título que tal legitimasse, recusando-se a sair quando foi instada pelas Finanças e pelos autores a fazê-lo.

  9. Era aos autores que competia requerer o prosseguimento da execução para entrega do imóvel, nos termos prescritos no art. 930.º do CPC, conforme determina o art. 901.º do CPC e foi considerado pelo acórdão do STA de 20.11.2002 proferido no processo nº 01217/02 e pela sentença proferida nos autos.

  10. Os próprios autores vieram a reconhecer que o Chefe de Finanças não tinha competência legal para proceder ao despejo da casa, ao citar e transcrever o sumário deste acórdão, no requerimento para prosseguimento da execução.

  11. Se os autores tivessem utilizado, logo a seguir à venda do imóvel e quando souberam da sua ocupação, o meio legal adequado para desocupação da casa, conforme determina o art. 901.º do CPC, teriam evitado que os prejuízos que dizem ter sofrido se produzissem, uma vez que a sentença proferida no processo para prosseguimento da execução foi emitida passados quatro meses depois da respetiva entrada no TAF de Loulé.

  12. Existe, assim, para além de outros eventuais culpados, culpa dos lesados na produção dos danos, suficiente para excluir na totalidade eventual culpa do Estado, nos termos do art. 570.º e 572.º do C.C.

  13. Não existia, à data da venda judicial, nem até às alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2011), aos n.ºs 2 e 3 do artigo 256.º do CPPT, qualquer norma que atribuísse competência ao Chefe de Serviço de Finanças tendo passado, o órgão de execução fiscal, a poder solicitar, a requerimento do adquirente, o auxilio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado.

  14. A omissão do comportamento devido, ao contrário da atuação indevida, só gera dever de indemnizar quando existe norma que atribua competência aos órgãos do Estado para adotarem determinada conduta, já que vigora no ordenamento jurídico português o princípio da competência, conforme resulta do art. 10.º n.º1 da Lei n.º 67/2007, de 31.12.

  15. O Chefe do Serviço de Finanças de Silves fez, no âmbito do cargo que exercia, todas as diligências possíveis para entregar o imóvel aos autores, como comprova a factualidade assente, tendo, inclusivamente, participado criminalmente do fiel depositário pela não entrega da casa que estava à guarda deste no processo de execução em que era também executado.

  16. Assim, não só não omitiu nenhum comportamento que lhe estava legalmente confiado, como também agiu com toda a diligência devida nos termos do n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 67/2007.

  17. A inexistência de qualquer atuação culposa por parte dos serviços do Estado, isenta-o do dever de indemnizar quer se considere estarmos perante um caso de responsabilidade extracontratual quer se considere, por mera hipótese, que se está perante um caso de responsabilidade contratual.

  18. Os arts. 777.º, n.º 1, 798.º, 799.º, 804.º e 805.º, n.º 2, alínea a), 806.º, 807.º, 879.º, alínea b) e 882.º, todos do CC [não «CPC como por lapso consta das alegações], citados no douto acórdão recorrido para justificar a decisão condenatória, são inaplicáveis ao caso vertente.

  19. Os danos morais invocados, meros incómodos, mal-estar, desgosto e até desânimo, sem qualquer intensidade e gravidade, não merecem a tutela do direito.

  20. A casa vendida não era de habitação permanente, nem ficou demonstrado que se os autores tivessem a casa, iriam nela passar nesses dois anos, férias ou fins de semana, o que constitui um dano meramente hipotético e, como tal, não indemnizável.

  21. A instauração de um processo-crime deveu-se à insistência da autora em desalojar, ela própria, a moradora do imóvel, não sendo imputável ao Estado.

  22. De qualquer maneira, o montante de 6.000 € a título de danos morais sempre seria excessivo, devendo ser, caso se considerasse ser existente e indemnizável - o que não se concede - substancialmente reduzido.

  23. O Estado não tem qualquer responsabilidade pelos alegados danos morais ou materiais pois não decorrem de qualquer ato ilícito culposo praticado pelos seus Serviços.

  24. Os danos referidos em Z. e AA. não podem ser imputáveis ao Estado uma vez que atuação deste, ainda que culposa - o que não se concede - não seria causa adequada a produzir tais danos.

  25. Os juros de mora só seriam devidos quando o Estado soubesse qual o montante exato dos danos (art. 805.º, n.º 3, do C.C.), o que ainda não acontece, como o comprova a remissão para a liquidação em execução da sentença de alguns dos invocados prejuízos.

  26. O acórdão recorrido, ao revogar a sentença, proferida de acordo com a doutrina explanada no douto acórdão do STA de 20.11.2002 já citado, fez incorreta interpretação da lei, mormente dos arts. 777.º, n.º 1, 798.º, 799.º, 804.º e 805.º, n.º 2, alínea a), 806.º, 807.º, 879.º, alínea b), e 882.º, todos do CC [não «CPC como por lapso consta das alegações], bem como dos arts. 840.º, n.º 3 e 4, 874.º, 930.º, n.º 1, 900.º e 901.º também do CPC, além dos arts. 486.º e 570.º e 571.º do C.C. …”.

    Termina pugnando pela procedência do recurso e revogação da decisão judicial recorrida, mantendo a sentença do TAF/L.

    1.5.

    Devidamente notificados os AA., aqui ora recorridos, vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 375 e segs.

    ], nas quais pugna total improcedência do recurso e confirmação do acórdão recorrido, apresentando como síntese conclusiva o seguinte: “...

    i. O recurso de revista tem caráter excecional.

    ii. Excecionalidade que, manifestamente, não se verifica no caso concreto: iii. Seja porque em causa não está a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental iv. Seja porque a admissão do recurso não é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    v. Em causa está, só e apenas, a condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização.

    vi. De contrário, seria validar a desigualdade entre as partes, o que está...

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