Acórdão nº 0400/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 13 de Dezembro de 2013 pelo Tribunal Central Administrativo Norte que deu parcial provimento ao recurso que a sociedade denominada “A…………, Lda.” (adiante Recorrida) interpusera da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, por sua vez, julgara improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 2002 e 2003, invocando oposição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Central em 26 de Abril de 2012, no processo n.º 964/06.0BEPRT, quanto à questão das regras do ónus da prova do art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).

1.2 Admitido o recurso, o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. A Recorrente não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo à margem identificado, interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por o mesmo estar em oposição com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.04.2012, referente ao processo 964/06.0BEPRT.

  1. O acto recorrido consubstancia-se no douto acórdão de 13.12.2013, do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 2616/08.8BEPRT, que revogou a sentença recorrida na parte que julgou improcedente a impugnação judicial no tocante às correcções da matéria tributável por desconsideração das facturas emitidas por B…………, Lda., C…………, Lda., D…………, Lda., E…………, Lda. e F………… e que julgou nesta parte procedente a impugnação judicial e mandou anular as liquidações impugnadas.

  2. O acórdão invocado para fundamento da oposição foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 26.04.2012 no Processo n.º 964/06.0BEPRT.

  3. Estão integralmente verificados os pressupostos constantes do art. 284.º do CPPT e do art. 152.º do CPTA, relativos à verificação da oposição entre Acórdãos: i. identidade substancial da questão de facto, ii. mesma questão fundamental de direito, iii. existência de duas decisões expressas e contraditórias.

  4. Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento se debruçaram sobre o ónus que impende sobre a Autoridade Tributária e sujeito passivo, ou seja, sobre as regras do ónus da prova do art. 74.º da LGT, considerando-se que compete à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação e que, feita esta prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

  5. A similitude dos elementos de facto e das questões de direito nos dois arestos é acusada pela identidade do utilizador das facturas e de [quase todos] os emitentes das facturas falsas.

  6. O acórdão recorrido, face aos mesmos elementos de facto relevantes e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário ao acórdão fundamento, porquanto entendeu que apesar de ser certo que os indícios referentes aos emitentes das facturas vão no sentido da falsidade das mesmas (de que aqueles sujeitos não foram quem forneceu a mercadoria), contudo não são suficientes fortes, por si só, para permitir que se desconsiderem os custos contabilizados suportados nas facturas e que para ser legítima essa presunção seria necessário que a AT tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude.

  7. Enquanto o aresto fundamento entendeu que os “factos-índice”, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à Administração Tributária desconsiderar os custos que têm as facturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessa facturas são simuladas.” I. Por seu turno, o acórdão recorrido entende que a AT só pode desconsiderar o custo contabilizado quando tenha “reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema da fraude”, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da sucata.

    Com efeito, J. No acórdão recorrido, entendeu que a AT deveria ter reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da sucata, ou seja, que se impunha que a AT indagasse da participação da recorrente no acordo simulatório, concluindo que a AT não cumpriu o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as correcções à matéria tributável que levaram às liquidações impugnadas e que por tal deverão ser anuladas.

    Considerando as duas decisões opostas, K. A razão tem de estar com a primeira tese e, portanto, com o Acórdão Fundamento e, por conseguinte, o Acórdão Recorrido andou mal e violou o artigo 74.º da LGT e art. 23.º do CIRC (na numeração e redacção à data dos factos em causa), com efeito, a Fazenda Pública não pode concordar com o desenho decisório do acórdão recorrido, sendo que, apenas impende sobre a AT a prova da existência de factos que valorados à luz das regras da experiência comum, permitam ajuizar que não se esteja perante transacções reais, prova essa que poderá ser recolhida, apenas na esfera dos alegados fornecedores, não tendo de fazer a prova dos requisitos da simulação tal como se encontra consagrado no direito civil (mormente no artigo 240.º do CC).

    L. Aliás, parece que o acórdão recorrido pretende sustentar uma transposição cega do regime jurídico da simulação para o plano fiscal e, mais concretamente, para o campo da denominada facturação falsa.

  8. A figura da simulação, tal como se encontra recortada no plano civil, não tem pleno cabimento quando se trata de abordar a questão das facturas simuladas, pois a previsão do legislador civil não pretenderia abranger a factualidade que se verifica no plano tributário.

  9. O conceito e o regime jurídico da simulação, tal como se encontram consagrados, designadamente, no artigo 240.º do Código Civil não foram pensados para aqueles casos em que operadores económicos pretendem reduzir ou mesmo eliminar pagamento de imposto suportado em documentos que não representam transacções reais, ou através do mecanismo da dedução do IVA, furtar-se a entregar este imposto ao Estado ou a peticionar reembolsos indevidos.

  10. Sustenta PISÃO PEDREIRO (“Algumas reflexões sobre regimes especiais de simulação em Direito Fiscal: IVA, IMT e CIS”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano V, número 2, Verão, pág. 143 a 147) que “a simulação fiscal, assentando embora em boa parte na formulação conceptual do direito civil, é necessariamente uma figura com traços específicos” tanto mais que “o conteúdo da simulação fiscal é, a nosso ver, determinado pela função do conceito neste ramo do direito. Visa prosseguir a verdade fiscal e a tributação segundo a capacidade contributiva. A área de protecção da norma (diversamente do que acontece na simulação civil) é uma relação jurídica concreta: a relação jurídico-fiscal”.

  11. É que, como bem enfatiza PISÃO PEDREIRO (op. cit.

    , pág. 146, nota 6), diferentemente do regime da simulação fiscal, em que se visa prosseguir a verdade fiscal e a tributação segundo a capacidade contributiva, “a teleologia da simulação civil é dominada, por um lado, pela finalidade de protecção da vontade real dos declarantes (...) e, por outro, pela protecção de terceiros de boa-fé, alicerçada na tutela da confiança”.

  12. Quanto ao ónus da prova e ao seu cumprimento pela AT, andou bem o acórdão recorrido ao considerar que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito de contabilização do custo, R. começando a divergência quando é entendido no acórdão recorrido que cabe à AT reunir indicadores objectivos da existência de acordo simulatório entre os intervenientes na operação económica, indícios esses que devem ser recolhidos quer na esfera do emitente das facturas falsas – diga-se a talhe de foice que para o acórdão recorrido é seguro que os indícios referentes aos emitentes das facturas vão no sentido da falsidade das facturas: de aqueles sujeitos não foram os fornecedores da mercadoria –, quer na utilizadora das ditas facturas falsas, de forma a provar a participação destes no esquema fraudulento.

  13. Na perspectiva do acórdão recorrido a AT tinha de efectuar uma prova directa da simulação, não bastando a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis na esfera dos emitentes para concluir que as facturas em causa são falsas, logo que não poderão documentar os custos fiscais.

  14. Não é imperioso que a AT efectue uma prova directa da simulação, bastando-se com a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis de que não existiu qualquer transmissão (de bens) pelo fornecedor identificado nas facturas para aquele que utiliza o documento na sua contabilidade. A AT não tem de invocar factos que indiquem a existência de acordo simulatório entre os intervenientes na operação – emitente e utilizador – e muito menos entre todos os intervenientes que possam existir naquela operação (real fornecedor, interposto e utilizador).

  15. Não pode, pois, a Fazenda Pública manifestar concordância com o acórdão sob recurso quando, partindo da regra – do ónus da prova do art. 74.º da LGT – que...

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