Acórdão nº 0626/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução16 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A………… deduziu contra a liquidação de direitos aduaneiros de importação apurada no processo de cobrança a posteriori DCA/CA/1-85/2006, realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira por alegada irregularidade de reexpedição de produtos transformados contendo matérias-primas que beneficiaram de isenção de direitos aduaneiros de importação ao abrigo do regime específico de abastecimento POSEIMA.

1.1.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida não interpretou corretamente o disposto no segundo parágrafo do nº 2, do art.º 17º, conjugado com o art.º 26º do Regulamento (CE) nº 20/2002, da Comissão, de 28 de dezembro de 2001, que determina que a recuperação do benefício concedido nos termos do regime POSEIMA é exigida ao titular do certificado de importação, neste caso a Recorrida.

  1. A Meritíssima Juíza, apoiando-se no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-02-2013, proferido no processo com o nº 05387/12, que também teve origem no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, transcreve parte do Acórdão "(...) com as necessárias adaptações (...)" e conclui "(...) aplicando jurisprudência de tribunal superior empregue em caso semelhante aos presentes autos, no sentido da procedência dos presentes autos. (...)".

  2. Sucede que o douto Acórdão em que se apoia a Meritíssima Juíza ainda não transitou em julgado, conforme se pode provar da consulta do referido processo.

  3. No período de 01-03-2003 a 15-03-2006, a Recorrida importou 5.612.165 quilogramas de açúcar branco, com isenção de direitos aduaneiros, ao abrigo do regime específico de abastecimento POSEIMA, sendo que vendeu à sociedade comercial B…………, S.A., 843.520 quilogramas desse açúcar. Desta quantidade de açúcar, a B…………, S.A. utilizou 594.112 quilogramas na produção de sumos concentrados que foram reexpedidos da Região Autónoma da Madeira (RAM) para Carnaxide, em Portugal Continental.

  4. Atendendo a que o açúcar tinha beneficiado de isenção de direitos de importação, nos termos do regime POSEIMA, teria de ser consumido na RAM, pelo que foi liquidada dívida no montante de € 356.377,30, referentes a € 311.600,00 de direitos aduaneiros, € 41 818,17 de IVA, acrescida de € 2.957,59 de juros compensatórios e € 1,50 de impresso de liquidação, para efeitos de recuperação do benefício concedido (a liquidação foi rectificada para € 318.563,41, referentes a € 278.598,44 de direitos aduaneiros, € 37.527,96 de IVA, acrescida de € 2.435,51 de juros compensatórios e € 1,50 de impresso de liquidação).

  5. Do Regulamento (CE) nºs 1453/2001 do Conselho de 28 de junho e suas alterações e do Regulamento (CE) nº 20/2002 da Comissão de 28 de Dezembro e respetivas alterações, resulta que os produtos abrangidos pelo regime POSEIMA não podem ser reexportados para países terceiros nem reexpedidos para o resto da comunidade, salvo as exceções aí consagradas (nº 5 do art.º 3º do Regulamento nº 1453/2001 e nº 2 do art.º 17º do Regulamento nº 20/2002).

  6. A aplicação do POSEIMA pressupõe que a vantagem económica resultante da isenção de direitos de importação tenha repercussão efetiva até ao utilizador final [nº 4º do art.º 3º do Regulamento (CE) 1453/2001 e subalínea v) da alínea c) do nº 2 do art.º 9º do Regulamento (CE) 20/2002].

  7. Quando na casa 20 dos certificados de importação consta a menção ''produtos destinados ao consumo direto" [al. b) do nº 3 do art.º 4º do Regulamento (CE) nº 20/2002], como sucede com os certificados da Recorrida, deverá ser considerado "utilizador final" o consumidor, conforme resulta da conjugação da subalínea ii) da al. b) do nº 3 do art.º 4º com a al. a) do nº 3 do art.º 8º do Regulamento (CE) nº 20/2002.

  8. Consoante o destino dos produtos declarado no certificado o benefício do regime terá de ser sentido efetivamente por aqueles a quem se destinam de acordo com o que foi declarado no certificado de importação, ajuda ou isenção, nos termos dos arts 4º e 5º do Regulamento (CE) nº 20/2002.

  9. Ao não assegurar a repercussão efetiva do benefício até ao estádio do "utilizador final" em conformidade com o declarado na casa 20 dos certificados, a Recorrida não cumpriu os compromissos assumidos enquanto operador, conforme previsto no art.º 9º, nº 2, do Regulamento nº 20/2002, designadamente a aI. c), subalínea v).

  10. A liquidação tem como fundamento legal o segundo parágrafo do nº 2 do art.º 17º, conjugado com o art.º 26º do Regulamento (CE) nº 20/2002, que determina que as autoridades competentes recuperarão o benefício concedido.

  11. Sendo a isenção de direitos concedida ao titular do certificado e os compromissos assumidos por este, é sobre ele que recai a obrigação de restituir o benefício (arts. 26º nº 1, e 9º nºs 1 e 2 al. c) e v) do Regulamento CE nº 20/2002).

  12. Da legislação aplicável, que não foi corretamente interpretada pelo Tribunal, resulta que a Recorrida é devedora das importâncias liquidadas, não se verificando qualquer violação dos princípios por si invocados: justiça e equidade, proporcionalidade, segurança e certeza jurídica.

  13. A questão controvertida nos presentes autos é uma questão de direito relativa à interpretação de normas em vigor à data dos factos e relativas à aplicação do regime específico de abastecimento POSEIMA, o que significa que está em causa a interpretação de normas de Direito Comunitário, mais concretamente do art.º 17º, nº 2, 2º § e art.º 26º do Regulamento (CE) nº 20/2002 da Comissão, de 28 de dezembro de 2001, com as condicionantes previstas no art.º 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

    Para efeitos do disposto no nº 7 do art.º 6º do Regulamento de Custas Processuais, salvo melhor opinião e com o devido respeito, se considera que o presente recurso reúne os pressupostos para que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

    1.2.

    A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: 1. A recuperação do benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda) em caso de incumprimento por parte do operador/registado dos compromissos assumidos nos termos do artigo 9º do Regulamento nº 20/2002, descritos na respectiva alínea c) [artigo 9º al. c) do Regulamento nº 793/2006] recai sobre o próprio operador titular de um dos certificados que lhe permitem aceder àquele benefício, nos termos do nº 1 do artigo 26º do mesmo Regulamento [artigo 20º nº 1 al. a) do Regulamento (CE) nº 793/2006 da Comissão], o qual expressamente dispõe que as autoridades competentes «recuperarão do titular do...».

  14. A recuperação do benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda) prevista no § 2º do nº 2 do artigo 17º do Regulamento nº 20/2002 (Parágrafo 3º do nº 6 do artigo 16º do Regulamento nº 793/2006) recai sobre o exportador ou expedidor, quer seja ou não operador, ou transformador registado, que, através de falsas declarações, ou através da prática de outra irregularidade ou fraude, obtenha a necessária autorização das autoridades competentes para a exportação ou expedição ou proceda às mesmas sem essa autorização. Aquela previsão legal estipula que a recuperação é do «benefício concedido a título do Regime Específico de Abastecimento», sem qualquer referência ao titular dos certificados, contrariamente ao estipulado no artigo 26º.

  15. O compromisso assumido pelo operador nos termos do artigo 9º, nº 2, alínea c), Parágrafo V é única e exclusivamente aplicável quando o escoamento dos produtos agrícolas se efectua na Região. Se há expedição ou exportação para fora da RAM desses produtos não há «utilizador final» para efeitos de Poseima, mas sim obrigação de devolução do benefício por parte do transformador ou do expedidor, excepto se essa expedição ou exportação for abrangida pelo nº 1 do artigo 17º do Regulamento nº 20/2002.

  16. Se a A. não tivesse repercutido o benefício no transformador, como repercutiu, ou tivesse sido a expedidora das mercadorias, quando temporalmente isso era proibido, ou após ser permitido, sem autorização das entidades competentes e sem reembolso do benefício, é óbvio que seria a infractora e, então, nesse caso, nada teria a opor às conclusões dos relatórios de inspecção. Mas não é essa a situação, conforme já largamente exposto! 5. A douta sentença recorrida fez correcta aplicação do direito à factualidade dada como provada, com o qual a Recorrente se conformou pelo que deve ser mantida e julgado improcedente o presente recurso. Como é de justiça! 1.3.

    O Exm.º Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer para evidenciar a correcção do julgado, tendo concluído que «(...) como resulta do probatório e dos autos a recorrente repercutiu o benefício da isenção dos direitos de importação na transformadora B............, sendo certo que não resulta provado que tenha qualquer ligação à expedição da mercadoria para o Continente por parte daquela empresa. // Assim sendo, a nosso ver, a recorrente não é responsável pelo pagamento dos direitos aduaneiros liquidados a posteriori mas sim a sociedade B…………, SA, que expediu a mercadoria para o Continente sem reembolso do benefício e que não foi tida nem achada no procedimento. (Neste sentido, numa situação idêntica, acórdão do TCAS, de 19 de Dezembro de 2013, proferido no recurso nº 05387/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt. // De facto, o que está na génese do procedimento de liquidação a posteriori é a reexpedição da mercadoria para o Continente por parte da B…………, através de sumos concentrados, sem que a recorrente tenha qualquer ligação a essa actividade».

    Razão por que, na sua óptica, a sentença recorrida não merece censura.

    1.4.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

  17. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto: 1. A...

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