Acórdão nº 0356/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo A.……, magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, identificado nos autos, propôs a presente acção administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), impugnando a deliberação do Plenário do CSMP, datada de 31 de Março de 2010, que deferiu parcialmente a reclamação apresentada relativa ao processo disciplinar, e lhe aplicou uma sanção disciplinar de 8 dias de multa, pedindo a sua anulação.

O Recorrente alega que ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art. 6º, nº 2 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/9, com alterações introduzidas pelo DL nº 47/2013, de 5/4.

Invoca, ainda, erro na qualificação jurídica dos factos e erro na não consideração das circunstâncias atenuantes especiais.

O CSMP contestou, defendendo que não ocorreu a prescrição, não enfermando o acto impugnado de quaisquer ilegalidades, pelo que a acção improcede.

Ambas as partes alegaram, notificadas nos termos e para os efeitos do art. 91, nº 4 do CPTA.

O Autor formulou as seguintes conclusões: A. Na presente acção administrativa especial, o Autor impugna a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 31 de Maio de 2010 (adiante 'Acórdão'), que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada pelo ora Autor da deliberação da respectiva Secção Disciplinar, datada de 24 de Março de 2010, atenuando apenas a medida da sanção, e que aplicou ao Autor uma sanção de 8 dias de multa, pela prática de uma infracção disciplinar correspondente à violação dos deveres funcionais de zelo (dever geral) e prossecução do interesse público inerente à realização da justiça criminal (dever especial).

  1. O Autor não se conformou, nem se pode conformar, com a aplicação da pena disciplinar de 8 dias de multa pela prática de uma suposta infracção disciplinar por alegada violação negligente dos deveres funcionais de zelo e prossecução do interesse público, alegando na sua petição inicial a invalidade do Acórdão, o qual não decidiu correctamente em todas as questões sob apreciação.

  2. Desde logo, entende o Autor que o Acórdão impugnado é inválido, em virtude de no âmbito do procedimento disciplinar que lhe subjaz, se encontrar duplamente prescrito, relativamente aos factos em causa, o poder de aplicar sanções disciplinares pelo Réu.

  3. Nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do EDTFP, aplicável ao presente caso por força do artigo 216.° do EMP, a faculdade de instaurar procedimento disciplinar prescreve quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

  4. Conforme consta da Deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público de 24 de Março de 2010 (ponto 87 da acusação), o Autor declarou a 28 de Dezembro de 2008 as prescrições, dando conhecimento da prescrição no Processo 104/05.3..........

  5. Já no processo n.º 17/06.1………. a extinção prescritiva veio a ser declarada pela Procuradora Adjunta Dra. B…….. em 11 de Maio de 2009.

  6. Contudo, o processo de inquérito disciplinar só veio a ser iniciado em 4 de Julho de 2009, por despacho da Exma. Conselheira Vice-Procurador-Geral da República, pelo que após terem decorrido mais de 30 dias.

  7. Pelo que, por inobservância do prazo estabelecido no número 2 do artigo 6.º do EDTFP, tem de se considerar o procedimento disciplinar prescrito, devendo, em consequência, o acto impugnado ser julgado nulo.

    l. Acontece que o Acórdão impugnado, ao imputar ao Autor a comissão de uma infracção disciplinar que se revela, na prática, inexistente, no que ao Processo n.º 17/06.1………. respeita, procede, igualmente, a uma errada qualificação jurídica dos factos.

  8. As frases proferidas pelo arguido C…….., objecto do processo n.º 17/06.1………, sem prejuízo do seu carácter vulgar, não integravam os tipos objectivo e subjectivo do crime de injúrias.

  9. Não havendo lugar a qualquer responsabilidade criminal, a mesma não é susceptível de prescrição, uma vez que inexistente.

    L O Autor recorda que o mesmo carácter grosseiro presente nas expressões utilizadas pelo arguido C………., relativamente a quem foi declarada a prescrição do procedimento criminal, encontrava-se igualmente nas expressões proferidas pela também arguida D………, sendo que, quanto a esta última, entendeu-se não existir responsabilidade criminal.

  10. Consequentemente, tendo os factos respeitantes a ambos os arguidos ocorrido “...nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar e dentro do mesmo enquadramento de facto quanto aos seus destinatários, que eram os mesmos...”, o tratamento jurídico e valoratívo do comportamento de ambos não pode deixar de ser o mesmo, (sublinhado nosso) N. Pelo que, necessariamente, tal como relativamente à arguida D………, também quanto ao arguido C……… deve entender-se inexistir qualquer responsabilidade criminal.

  11. Não acarretando o comportamento em causa qualquer relevância do ponto de vista da responsabilidade criminal, não poderá a alegada prescrição, forçosamente, ser valorada em sede de processo disciplinar.

  12. Donde só se pode concluir que o Autor não praticou qualquer ilícito disciplinar no que ao processo n.° 17/06.1……… concerne, não devendo, dessa forma, ser sancionado.

  13. Por este motivo, deve a deliberação impugnada ser anulada, na medida em que padece de vício de erro na qualificação jurídica dos factos, ao imputar ao Autor a prática de uma infracção disciplinar que se revela inexistente.

  14. Acresce que, no respeitante à segunda infracção disciplinar cuja prática é imputada ao Autor, referente à prescrição no âmbito do inquérito n.° 104/05.3………, o Acórdão impugnado incorre igualmente em erro, na medida em que não procede a uma efectiva ponderação e valoração das circunstâncias atenuantes especiais que envolveram a ocorrência da prescrição em causa.

  15. O Autor não coloca em causa a ocorrência da prescrição.

  16. Contudo, contrariamente ao entendimento pugnado no Acórdão que ora se impugna de que o autor “...uma vez não provado que fora do período em que esteve ausente do serviço por doença (...) tivesse estado absolutamente incapacitado de entender que devia actuar de maneira correcta assim como de se determinar em função dessa avaliação, isto é absolutamente incapacitado para trabalhar, ...”.

  17. O Autor possuía, efectivamente, a sua capacidade para o trabalho diminuída, por força da doença coronária de que padecia e dos tratamentos a que estava, à data, a ser sujeito.

    V. Dos factos considerados provados, consta o facto do Autor ter sido submetido a uma cirurgia coronária determinou a acentuada diminuição da sua capacidade de trabalho, tendo passado a evidenciar fadiga e apatia, quer no período agudo da doença, quer no período posterior.

  18. As circunstâncias de diminuição de capacidade de trabalho em que se encontrava afastaram a consciência do Autor de que existia o risco de prescrição no âmbito do processo n.º 104/05.3.............

    X. Nenhum outro procedimento prescreveu e os restantes processos com atraso superior a dez dias nunca correram o risco de virem a prescrever.

  19. O Autor sempre pautou a sua conduta profissional pela estrita observância dos deveres que se lhe impõem por força do seu estatuto profissional.

  20. Dos factos considerados provados resulta que: “Enquanto em ………., o Dr. A……….

    praticou, em regra, horário excedente ao da secretaria judicial, trabalhando, durante a semana, após o encerramento dela - por vezes mesmo depois do jantar -, bem como na maior parte dos fíns-de-semana e durante as férias judiciais (pontos 25 a 27).

    Não obstante a situação de doença e a perda de capacidade de trabalho referenciadas, o Dr. A…………. não recebeu coadjuvação de outros colegas, da comarca ou do círculo judicial, do procurador da República coordenador ou de procuradores adjuntos, (ponto 36).

    A coadjuvação prestada pelos funcionários E………, F………. e G……… ao Dr. A……….

    quedou-se, por vezes, aquém do necessário, mormente em termos de prontidão, por sempre terem dado prioridade à execução as tarefas relativas aos outros magistrados com quem trabalhavam, semanas, inclusivamente, tendo havido em que aquelas técnicas de justiça nenhuma tarefa cumpriram nos processos do arguido, (pontos 135 e 136) Mesmo após os episódios mais agudos da doença que o acometeu em 2007 e 2008, o Pr. A…….. continuou a praticar o horário de trabalho referenciado nos n.°s 25 a 27.” (ponto 138). (sublinhado nosso) AA. É manifesto, perante a factualidade dada como provada, que ao Autor não pode ser imputada falta de zelo ou desinteresse.

    BB. Mesmo nos momentos mais agudos da doença, o Autor sempre procurou cumprir com as suas funções.

    CC. Se, neste único caso, ao Autor foi de todo impossível observar os patamares de prestação de serviço genericamente considerados, tal não lhe pode ser imputado a si directamente, mas à doença que o atormentava.

    DD. Mesmo tratando-se de uma conduta do Autor objectivamente negligente, tal negligência assenta em fundamentos que não podem deixar de ser atendidos.

    EE. Estes fundamentos determinam o afastamento da relevância da negligência por não ser possível ao Autor, nas circunstâncias concretas, ter adoptado as acções que evitariam o resultado, em consequência da sua momentânea insuficiência física e psíquica, e pelo facto de não...

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