Acórdão nº 673/03.2TYLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelANA DE AZEREDO COELHO
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa I) RELATÓRIO B...

instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum ordinário contra A..., invocando que a Ré utiliza marca de que a Autora é titular.

A Autora alegou como fundamento, em resumida síntese, que desde o século XIX produz cerveja em Ceské Budejovice, cidade da Boémia conhecida pela designação germânica de B..., tendo a cerveja dessa região características que a distinguem de qualquer outra e que assentam no saber humano transmitido ao longo das gerações[1] e na qualidade da água utilizada extraída de poços profundos; A expressão B...er adjetiva a qualidade do que pertence a B...s, ou seja, à cidade de Ceské Budejovice; A Autora é titular do registo internacional da marca n.º 614.537 “B...ER BUDBRÄU” e do registo das marcas nacionais n.ºs 323.986 “BUDEJOVICKÝ BUDVAR” 323.987 “BUDEJOVICKÝ BUDVAR”, para a categoria 32, cervejas, reportando-se a prioridade da primeira a 15 de novembro de 1993 data do pedido do registo checo-eslovaco; A Ré pediu e obteve do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por despacho de 4 de dezembro de 1997, o registo da marca nacional n.º 297.665 “COLD FILTERED ICE DRAFT BEER FROM B...ER” (mista), para a categoria 32, cervejas, não reivindicando o uso exclusivo das expressões “COLD”, “FILTERED”, “ICE”, “DRAFT” e “BEER”, cuja anulação a Autora pretende pela prioridade do direito aludida; A Ré utiliza em Portugal a expressão B...ER para comercializar as suas cervejas, o que prejudica a Autora com efeitos patrimoniais que descreve; Invoca o direito em que funda as suas pretensões, sendo este, resumidamente o disposto no artigo 189.º, n.º 1, alínea m), do Código da Propriedade Industrial (CPI), o Acordo sobre Proteção das Indicações de Proveniência, das Denominações de Origem e de outras Denominações Geográficas e Similares celebrado entre Portugal e a República Socialista da Checoslováquia de 10 de janeiro de 1986 (doravante Acordo), tendo sucedido à celebrante a República Checa e o ADPIC no que se reporta ao âmbito da indemnização devida; Concluiu pedindo: 1) Seja anulado o registo da marca nacional n.º 297.665 “COLD FILTERED ICE DRAFT BEER FROM B...ER”; 2) Seja a Ré condenada a abster-se de comercializar cervejas com marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “B...ER”, retirando do mercado todos esses produtos e destruindo os que ainda possa ter em stock; 3) Seja a Ré condenada a abster-se de utilizar marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “B...ER” ou de adotar quaisquer outras marcas suscetíveis de serem confundidas com as marcas da Autora ou de constituírem uma violação das disposições legais atrás mencionadas; 4) Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais já causados, cujo montante deverá ser arbitrado pelo tribunal nos termos dos artigos 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC); 5) Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que vierem a ser apurados e pelas despesas com os serviços a quem tem recorrido para fazer valer os seus direitos e legítimos interesses, de acordo com o artigo 564.º, n.º 2, do CC, e artigo 45.º, n.º 2, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC); 6) A título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida deverá ainda a Ré ser condenada a pagar um montante de € 2.000,00, nos termos do artigo 829.º, n.º 1, 2 e 3, do CC.

A Ré contestou e reconveio.

Em contestação alegou, em resumida síntese: A Ré impugna que a expressão B...er tenha o sentido de proveniente de Ceské Budejovice uma vez que a expressão alemã B... não é usada há décadas, conforme resulta de parecer que junta e, bem assim, de decisões do Supremo Tribunal Federal da Alemanha, do Tribunal de Recursos de Milão e do tribunal Marítimo de Copenhaga, tendo a Autora defendido o mesmo em processos anteriores na Alemanha e na Suécia; O Instituto para a Harmonização do Mercado Interno vem aliás entendendo que uma marca comunitária não pode ser registada se for constituída exclusivamente por indicação de proveniência geográfica pelo que a publicitação do pedido de registo da Autora de marca com essa denominação indica que a consideram como não indicando proveniência geográfica; Os registos de marcas nacionais que a Autora obteve pela decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro 2001 foram-no em razão de argumentos relativos à vigência e aplicação do Acordo que não têm autoridade de caso julgado nestes autos, estando em curso queixa da Ré contra o Estado Português no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (à data da contestação, hoje da União e doravante TJUE); A cerveja produzida em Ceské Budejovice não tem qualquer distinção resultante do local, dos produtos ou do saber humano, como resulta de parecer que junta e do facto de a Autora estar em negociações para a sua produção em outros locais; Em reconvenção, alegou: A Ré produz cerveja sob a marca B...ER desde 1876 sendo esta uma marca conhecida internacionalmente, nomeadamente em Portugal, de prestígio e notória, associada à Ré e não à Autora, o que em muito resulta da promoção que ao longo de mais de um século a Ré efetuou e suportou, nomeadamente em eventos de cariz mundial e em diversos filmes mundialmente conhecidos, notoriedade que foi já reconhecida em tribunais italianos e dinamarqueses; O Acordo invocado caducou com a dissolução da Checoslováquia e a troca de notas de confirmação torna-o organicamente inconstitucional, como se defende em parecer que junta, sendo que o mesmo Acordo contraria o Regulamento 2081/92 (CEE), de 14 de julho de 1992 (doravante Regulamento), não tendo Portugal ressalvado a denominação em causa nos seis meses a que o Regulamento o obrigava, o que resulta exposto em parecer que junta e tem sido defendido pelo TJUE, situação que sairá reforçada com a adesão da República Checa à União a partir de 1 de maio de 2004, nos termos do artigo 5.º, n.º 5, do Regulamento; A disputa entre a Ré e a Autora tem vindo a ser expressa em diversas ações em Portugal e em vários outros países europeus; A Ré divulgou junto dos distribuidores portugueses que a Autora não tem direito ao uso da marca B...ER e vem ela própria procedendo à comercialização de cerveja com essa marca, o que causou à Autora prejuízos diversos, beneficiando a Ré da promoção da marca exclusivamente suportada pela Autora, com perda de mercado e de poder distintivo da marca.

Conclui pedindo: 1) Seja anulado o registo da marca internacional n.º 614.537 “B...ER BUDBRAU”; 2) Sejam anulados os registos da marca nacional n.ºs 323.986 e 323.987 “BUDEJOVICKÝ BUDVAR”; 3) Seja a Autora condenada a abster-se de comercializar cervejas com marcas que incluam a palavra “B...ER”, retirando do mercado todos esses produtos e destruindo os que ainda possa ter em stock; 4) Seja a Autora condenada a abster-se de utilizar marcas que incluam a palavra “B...ER”; 5) Seja a Autora condenada a pagar à Ré uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais já causados; 6) Seja a Autora condenada a pagar à Ré uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que vierem a ser apurados e pelas despesas com os serviços a que tem recorrido para fazer valer os seus direitos e legítimos interesses; 7) A título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida, deve a Autora ser condenada a pagar um montante de € 20.000,00.

A Autora replicou pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé por não ter junto os documentos que anunciou, assim condicionando a defesa da Autora, impugnando o que em contrário da petição a Ré alegou, salientando que a Ré nunca conseguiu registar uma marca comunitária com a expressão “B...ER”, que a referida marca que usa não tem qualquer notoriedade na Europa, nomeadamente em Portugal, que alguns dos registos cuja anulação a Ré pede foram concedidos à Autora por decisões transitadas, que o Acordo se mantém vigente como se defende em parecer que junta, que o regulamento não estabelece um sistema universal e exaustivo de proteção e ressalva acordos internacionais como o próprio TJUE defende, que a adesão da República Checa à União é posterior à propositura da ação, em nada podendo influir nesta e que o pedido de indemnização carece de fundamento. Ampliou o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória para a quantia diária de € 20.000,00.

Foi designada audiência preliminar, a qual não chegou a realizar-se.

A Autora apresentou articulado superveniente no qual alegou, em síntese: Vários anos após a entrada da ação, o INPI concedeu à Autora os registos das indicações geográficas 96 “B...ER BUDVAR”, 97 “BEER FROM B...” e 98 “BUDEJOVICKY BUDVAR” cuja prioridade remonta a 6 de outubro de 1997, sendo que dos mesmos, não impugnados pela Ré, resulta que as expressões BUDEJOVICkYE e B...ER têm um conteúdo geográfico preciso em conexão com a cerveja.

O articulado foi admitido e a Ré notificada para contestar, nada tendo dito.

Estão juntos aos autos os seguintes pareceres: - Da Professora Gabriela Basarová sobre o fabrico de cerveja e sua ligação a locais geográficos ou características humanas; - Do Professor Otto Teplitzky sobre o carácter de indicação geográfica da expressão “B...ER”; - Do professor Leos Jelecek sobre o carácter de indicação geográfica da expressão “B...ER” e da sua ligação à cidade de Ceské Budejovice; - Do professor Gideon Biger sobre o carácter de indicação geográfica da expressão “B...ER” e da sua ligação à cidade de Ceské Budejovice; - Do Professor György Béndek sobre o fabrico de cerveja e sua ligação a locais geográficos ou características humanas; - Do Professor Eberhard Geiger sobre o fabrico de cerveja...

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