Acórdão nº 5187/10.1TCLRS.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO: M..., com residência na Ur..., intentou no a presente "ação declarativa de condenação com processo ordinário", indicando como objeto da ação o “reconhecimento do estado de união de facto”, contra, Li....., com última residência conhecida no mesmo domicílio.

Pede, a final, que seja declarada a existência de união de facto e subsequente dissolução da união de facto entre autora e réu; seja declarada a atribuição do locado sito na Ur..., Sacavém, como casa morada de família, a seu favor.

A Autora alega que viveu em união de facto com o Réu, desde 1996, até finais do ano de 2008, altura em que abandonou o locado, onde a Autora ficou com uma filha.

Durante essa comunhão de vida celebraram um contrato de arrendamento com a Câmara Municipal de Loures, ao abrigo do DL nº 166/93, de 7 de Maio.

A CML intimou a Autora a comprovar o seu direito de residência no locado, o que a mesma pretende com a instauração da presente ação.

* Citado o Réu por éditos e o MºPº, em representação deste, nos termos do art.15º do CPC, não houve contestação.

* Foi então proferida a seguinte decisão na 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Loures: A autora M... instaurou a presente ação contra Li.....com a finalidade de lhe ser atribuída a casa de morada de família, através da concentração na sua pessoa do direito ao arrendamento e a subsequente notificação do senhorio nos termos do art.º 1105.º, n.º 3 do Código Civil. Por isso, pede também que seja declarada a existência e a subsequente dissolução da união de facto entre as duas partes nesta ação, pois que, nos termos do art.º 8.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 da Lei de Proteção das Uniões de Facto (LPUF) – Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, com a redação da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto –, a dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros só tem de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependem dela.

É precisamente o caso destes autos, pois em caso de rutura da união de facto, o art.º 4.º da LPUF confere a um dos seus membros a proteção da casa de morada da família, nos mesmos termos, com as necessárias adaptações, que vêm previstos como efeitos do divórcio no art.º1105.º do Código Civil.

Trata-se, por isso, de um direito que encontra a sua previsão adjetiva no art.º 1413.º do Código de Processo Civil, enquanto processo de jurisdição voluntária.

Coloca-se, então, a questão de saber qual o tribunal competente para tramitar e julgar esta ação.

O art.º 81.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, prescreve expressamente que os tribunais de família têm competência para preparar e julgar os processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges.

Nada diz quanto aos processos de jurisdição voluntária relativos às uniões de facto, nem podia dizer, pois em 1999 ainda não existia um regime de proteção das uniões de facto como veio a ser consagrado legalmente no ano de 2001.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, e considerando que a razão de ser de atribuição destes processos a um tribunal de competência especializada é a mesma que vale para a atribuição da casa de morada de família na sequência do divórcio (daí a remissão que é feita pela lei substantiva), não se divisa motivo para que um e outro sejam julgados por tribunais diferentes (de família e cíveis), quando esta é essencialmente uma questão que diz respeito à família fundada numa união de facto.

Neste sentido vai o n.º 1 do art.º 9.º do CC, ao prescrever que «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» [sublinhados nossos].

Impõe-se, portanto, uma interpretação atualista da alínea a) do n.º 1 do art.º 81.º da Lei n.º 3/99, de 13.01, que inclua na competência dos tribunais de família a preparação e julgamento dos processos de jurisdição voluntária relativos às uniões de facto.

A solução que preconizamos tem, aliás, consagração expressa na nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), a qual está a ser aplicada às comarcas piloto. Com efeito, dispõe o art.º 114.º, al. b) desta lei, que compete aos juízos de família e menores preparar e julgar os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum.

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24-01-2012, in www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte: «I – Os elementos teleológico e evolutivo da interpretação induzem a concluir que o disposto no art.º 81.º, al. a) da Lei n.º 3/99, deve ser interpretado extensivamente, por forma a incluir também os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto.

II – Se à proteção da casa de morada de família, em caso de rutura da união de facto, se aplicam regras idênticas às da proteção da mesma casa de morada, dissolvido o casamento por divórcio ou separação judicial, não faz sentido que as...

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