Acórdão nº 2482/10.3YXLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelEZAGUY MARTINS
Data da Resolução02 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam neste Tribunal da Relação I - O A intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra o “B”, pedindo: 1. Sejam declaradas nulas as cláusulas constantes dos artigos do contrato de crédito à habitação, junto com a p.i, que referencia, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição.

  1. A condenação da Ré a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que tal seja efetuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos.

  2. Seja remetida certidão da sentença ao Gabinete de Direito Europeu, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093, de 6 de Setembro.

    Alegando, para tanto e em suma, que a Ré utiliza na sua atividade bancária, com celebração de contratos de crédito à habitação, impressos, previamente elaborados pela Ré, com o título “Documento complementar”, em que se mostram inseridas cláusulas gerais, sujeitas ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as sucessivas alterações nele introduzidas, cujo uso nesse tipo de contratos é proibido por lei.

    Nessa situação se encontrando as cláusulas constantes do art.º 1º, n.º 3; 4º, n.º 2; 10º, n.º 1, alíneas a), b), c), e n.º 3; 12º, n.º 1, alíneas a) e b), e art.º 14º.

    Contestou a Ré, requerendo a apensação dos autos ao processo que identifica, sustentando a plena validade das questionadas cláusulas, e alegando que, em qualquer caso, as “minutas” das Condições Gerais de Abertura de Conta e nos contratos de crédito ao consumo utilizados pelo Réu, foram objeto de revisão e alteração, anteriores à propositura da ação, impostas pelas alterações legislativas entretanto introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2-6 e pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 31.

    Não podendo “o Contrato de Crédito à Habitação em análise nos presentes autos (…) ser visto isoladamente, porque se lhe aplicam as cláusulas constantes da Secção H das referidas Condições Gerais de Abertura de Conta, (…) sendo que este clausulado foi completamente ignorado pelo A(…)”.

    Rematando com a total improcedência da acção.

    Houve resposta do A. pronunciando-se contra a requerida apensação, e pela improcedência da “exceção invocada pela Ré”, qual será a de inutilidade superveniente da lide, na circunstância das alegas alterações de minutas.

    Indeferida a requerida apensação, foi proferido despacho saneador – relegando para final “a apreciação de todas as questões suscitadas pela Ré” – e operou-se a condensação.

    Sendo apresentada reclamação pela Ré, parcialmente deferida.

    Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença de que – depois de considerar que o facto de a Ré, antes da entrada da acção em juízo, ter passado a aplicar ao contrato de crédito à habitação as “novas” cláusulas do contrato de abertura de conta respeitantes à prestação e utilização de serviços de pagamento, tal em nada configura uma situação de inutilidade superveniente da lide – promanou o seguinte teor decisório: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção instaurada pelo A contra B, parcialmente procedente e, consequentemente declaro nulas, com o âmbito abaixo referido, as seguintes cláusulas inseridas pela Ré nos seus contratos de crédito à habitação, com a obrigação de se abster de as utilizar em contratos que venha a celebrar no futuro: I. Cláusula de compensação de créditos: - cláusula 4.ª, n.º 2 do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo: «O DB PORTUGAL fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e bem assim a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que o(s) MUTUÁRIO(S) seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores do(s) MUTUÁRIO(S) e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal», na medida em que autorizam a Ré a proceder à compensação de créditos mediante o débito de outras contas do aderente de que este seja co-titular, em qualquer regime de movimentação, para além da respectiva proporção na titularidade do respectivo saldo.

    1. Cláusulas de vencimento e exigibilidade imediata: - cláusula 10.ª, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 3, sob a epígrafe “Vencimento Antecipado” do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo: «Um. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei e pelo presente contrato, o DB PORTUGAL poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelo(s) MUTUÁRIO(S), e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:

    1. Se o(s) MUTUÁRIO(S) não cumprir(em) atempada e integralmente qualquer obrigação para [si/eles] decorrente do presente contrato, nomeadamente se não proceder(em) ao pagamento de quaisquer quantias devidas ao DB PORTUGAL; b) Se as declarações e garantias prestadas nos termos dos artigos sétimo e oitavo supra se revelarem ou tornarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte; c) Se a hipoteca constituída ao abrigo do presente contrato não chegar a ou deixar de constituir garantia válida e eficaz para o DB PORTUGAL, ou se o respectivo valor deixar de cobrir de forma adequada as obrigações pecuniárias ora assumidas pelo(s) MUTUÁRIOS(S); Três. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais do(s) MUTUÁRIO(S) confere ao DB PORTUGAL a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações do(s) MUTUÁRIO(S), resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o DB PORTUGAL, ainda que não vencidas.» na medida em que permitem à Ré considerar vencidas e imediatamente exigíveis todas as obrigações decorrentes do contrato, para além do incumprimento da obrigação de pagamento das prestações acordadas, em situações de incumprimento de obrigações acessórias ou de importância diminuta relacionadas com o mútuo ou com base na possibilidade da hipoteca deixar de constituir garantia válida e eficaz ou do seu valor deixar de cobrir de forma adequada as obrigações assumidas.

    III. Cláusula de competência territorial: - a cláusula 14.ª, sob a epígrafe “Lei Aplicável e Jurisdição”, do Documento Complementar que integra as Cláusulas dos contrato de mútuo: «O presente contrato está sujeito à lei portuguesa, e para todas as questões dele emergentes as partes elegem, ressalvadas as limitações previstas na lei, o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa», na medida em que estabelece um foro convencional obrigatório no que se refere a acções em que sejam partes pessoas singulares, para além daquelas abrangidas pela redacção do artigo 74.º, n.º 1 do anterior Código de Processo Civil, actual artigo 71.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

    * Mais condeno a Ré a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, no prazo de 15 dias, a contar do trânsito em julgado da mesma, através de anúncio de dimensão não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, durante 3 dias consecutivos, comprovando o respectivo cumprimento até 10 dias após a última publicação, nos termos do artigo 30.º, n.º 2 do RCCG.”.

    Inconformados, recorreram o A e a Ré.

    Formulando o primeiro, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1 - O presente recurso cinge-se apenas ao segmento da decisão que absolveu o Réu, na parte em que se peticionava a declaração de nulidade das cláusulas 1ª, n.º 3, e 12ª, n.º 1, alíneas a) e b), constantes do clausulado por aquele utilizado nos contratos de crédito à habitação.

    2 – A cláusula 1ª, n.º 3, determina que o aderente/consumidor desde logo e ab initio se confessa devedor, não só da quantia mutuada e respectivos juros, como também dos demais encargos resultantes do presente contrato.

    3 – É certo que, ao celebrar o contrato em análise nos autos, o aderente já está a reconhecer a sua obrigação de restituir ao Réu, a quantia mutuada e respectivos juros (conforme decorre do disposto nos arts. 1142º e 1145º, ambos do Código Civil), não resultando, deste concreto segmento da cláusula sindicada, qualquer violação do RCCG.

    4 - Porém, a cláusula sindicada contém ainda o seguinte segmento - “demais encargos resultantes do presente contrato” -, o que, face à sua indeterminação, confere ao réu a possibilidade de cobrar ao aderente, quantias sem que sejam indicados os respectivos montantes ou os critérios para a sua determinação.

    5 – Com efeito, na parte em que prevê que o aderente se confessa devedor ao réu dos demais encargos resultantes do contrato, a cláusula sindicada impõe a confissão ao mutuário e aderente, nos termos dos arts. 352º e 358º, n.º 2, ambos do Código Civil, de quantias que vão além do que consta do clausulado do contrato, de forma genérica e ampla.

    6 – De facto, a cláusula sindicada permite ao réu, a cobrança de todos e quaisquer encargos que entenda decorrentes do contrato celebrado, sem que ao aderente seja dada a possibilidade de reagir a tal cobrança, pelo menos antecipadamente, uma vez que o mesmo já se confessou, ab initio, devedor de tais quantias.

    7 - O segmento final da cláusula em análise – “demais encargos resultantes do contrato” – torna o conteúdo da mesma indeterminável, não permitindo ao aderente avaliar o conteúdo da sua obrigação no futuro nem conhecer os seus limites ou, pelo menos, conhecer os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.

    8 - O que tem obviamente repercussões ao nível da prova e às regras legais referentes ao ónus da prova, verificando-se uma situação de inversão do ónus da prova, 9 - Uma vez que não é o réu quem tem de...

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