Acórdão nº 708/14.3PLSNT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução11 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório No Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Local, Secção Pequena Criminalidade- J1, por sentença de 20/05/2014, constante de fls. 36 a 46, foi o arguido, JF..., (…) condenado: a) como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.°, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão.

  1. Suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 50.°, do Código Penal.

  2. Condenar ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de quaisquer categorias, pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do disposto no artigo 69.°, nº 1, alínea a), do Código Penal.

    *** Não se conformando, o Ministério Público interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 54 a 57, com as seguintes conclusões: (transcrição) 1. Nos termos do nº 1 alínea b) do artº 170º do Código da Estrada qualquer autoridade no exercício de funções de fiscalização deve levantar auto, o qual deve mencionar o valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico, prevalecendo o valor apurado.

    1. O legislador quis fazer prevalecer na redacção do referido preceito um dos conceitos, o valor apurado em detrimento do valor registado.

    2. Desta forma pôs-se termo a uma larga controvérsia, designadamente jurisprudencial sobre o tema.

    3. Pese embora o preceito se situe no âmbito do Código da Estrada, e se refira às contra-ordenações, não existe fundamento legal que obste à sua aplicabilidade ao artigo 292º do C.P.

    4. Pelo que deveria o tribunal “ a quo “ com base no disposto no artº 170º nº 1 b) do C Estrada ter fixado na matéria probatória o valor apurado.

    5. Ao omitir tal facto na sentença, o tribunal “ a quo “ efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação do preceituado no artº 170º nº 1 b) do C.Estrada.

    6. Deve por isso a douta decisão ser revogada e substituída por outra por violação do disposto no artigo 170º nº 1 b) do C. Estrada.

      No entanto Vxs. Excelências Farão Como for de Lei e Justiça (fim transcrição) *** O arguido respondeu ao recurso nos termos de fls. 64 a 66, manifestando-se pela procedência do mesmo.

      Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 73 e 74, em suma, subscrevendo a aposição assumida pelo MP na 1ª instância e pronunciando-se pela procedência do recurso.

      Foi cumprido o disposto no artº417º, nº2 do C.P.P e respondeu o arguido manifestando-se, uma vez mais, pela procedência do recurso e a redução das penas principais e acessórias aplicadas ao mesmo.

      *** Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

      II Fundamentação 1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.

      Da leitura dessas conclusões o recorrente coloca a este Tribunal a seguinte questão: Violação do disposto no artigo 170º, nº 1 al. b) do Código da Estrada, ao não ter sido fixado na sentença condenatória o valor apurado.

      Para uma correcta análise da questão e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e qual a sua fundamentação.

    7. O Tribunal a quo declarou provados, os seguintes factos: (transcrição) 1. No dia 11/05/2014, pelas 2 horas e 18 minutos, na Avenida das Descobertas, Rio de Mouro, área desta comarca, o arguido efectuava a condução do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matricula xx-xx-xx.

    8. Após ter sido fiscalizado, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,95 g/I.

    9. O arguido foi notificado de que podia requerer a contraprova e prescindiu da mesma.

    10. Bem sabia o arguido que antes dos factos havia ingerido bebidas alcoólicas e que não podia conduzir com a taxa de alcoolemia no sangue que apresentava.

    11. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas lhe eram vedadas por lei.

      Outros factos com possível relevo para a decisão da causa 6. O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas.

    12. Encontra-se desempregado há cerca de 2 anos, realizando trabalhos ocasionais, recebendo cerca de € 40/dia, trabalhando 2 dias/semana.

    13. Vive sozinho, em casa própria, suportando cerca de € 420, de empréstimo, encontrando-se em atraso.

    14. Tem o 12.° ano de escolaridade.

    15. O arguido já sofreu as seguintes condenações: a) Por decisão do 3.° Juízo Criminal de Sintra, de 03/10/2005, transitada em julgado em 02/11/2005, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 01/10/2005, na pena de 90 dias de multa e 3 meses de pena acessória de proibição de conduzir, declarada extinta em 27/03/2007; b) Por decisão do 1.° Juízo Criminal de Cascais, de 06/05/2008, transitada em julgado em 05/06/2008, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 06/04/2008, na pena de 75 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir por 5 meses, declaradas extintas em 08/02/2010 e 28/11/2008, respectivamente; c) Por decisão do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra - Juiz 2, de 18/03/2014, não transitada em julgado, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 08/03/2014, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir por 8 meses e ainda nas custas processuais, reduzidas por confissão, com recurso pendente por parte do Ministério Público. (fim de transcrição) 3.

      Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida: (transcrição) Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127°, do Código de Processo Penal.

      Foram também tidos em conta os documentos juntos aos autos: auto de notícia, talão do alcoolímetro, Certificado de Registo Criminal, notificação para contraprova e certidão de decisão condenatória, não transitada em julgada, proferida pela signatária.

      O arguido confessou os factos, tendo admitido a prática dos mesmos, aludindo ao circunstancialismo em que tais ocorreram, tendo relevado ainda para o apuramento das condições económicas, sociais e familiares, as declarações prestadas pelo mesmo.

      Em relação ao valor apurado, entende-se ser de ponderar o valor resultante do talão, por este constituir um meio de prova, não infirmado por qualquer outro elemento, relevando igualmente, a informação do IPQ, arquivada em pasta própria na secção de processos, do conhecimento do Ministério Público, na qual se afasta a aplicação de margens de erro a aparelhos devidamente aprovados, aferidos e verificados.

      (fim de transcrição) 4. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

      Antes de apreciar a questão constante do recurso e enunciada supra convirá fazer um esclarecimento prévio.

      A Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância, nas suas alegações, como se pode constatar das conclusões supra transcritas, entende ter havido violação do artigo 170º, nº 1 al. b) do Código da Estrada, por não ter o tribunal a quo fixado na decisão o valor apurado, requerendo, em consequência a revogação da respectiva sentença por outra em que se considere assente esse valor.

      Por sua vez o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer, adere às alegações da Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância mas considera que estamos em presença de um vício do artigo 410º, nº 2 al. c) do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova.

      Antes de analisar a questão do ponto de vista da solução a adoptar por parte deste Tribunal, no que respeita ao vício ou enfermidade de que a sentença padece, impõe-se começar por apreciar a questão da aplicabilidade, ou não, da valoração do valor apurado em detrimento do valor registado.

      Esta questão foi ao longo do tempo bastante controversa na jurisprudência.

      Por uma questão de economia e de simplificação permitimo-nos transcrever, com a devida...

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