Acórdão nº 23/14.2TTVFX.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJERONIMO FREITAS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal do Trabalho de VILA FRANCA de XIRA, AA, representado pelo Ministério Público, deu início à presente acção executiva através da apresentação de requerimento executivo por via electrónica, em 06-02-2014, contra BB, Ld.ª, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 1 150,00.

Como título executivo juntou um documento denominado “Acordo Extra-Judicial”, onde consta um acordo celebrado entre o exequente e a executada, em 20/11/2012, nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, no âmbito do processo administrativo n.º 190/12.0TUVFX, perante o Digno Magistrado do Ministério Público identificado no auto.

O documento mostra-se assinado pelo exequente e por advogada em representação da executada com poderes para esse acto, bem assim pelo Digno Magistrado do Ministério Público que interveio naquele acto e pela Senhora funcionária que procedeu à sua elaboração. Dele consta, para além do mais, o seguinte: -«1. A entidade patronal acorda pagar ao trabalhador a quantia de € 2 300,00 (..) a título de compensação pecuniária global, pela cessação do contrato de trabalho.

  1. A quantia mencionada na cláusula anterior será paga em 10 prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor unitário de € 230,00 (..), vencendo-se a 1.ª até ao dia 25 de Dezembro de 2012 e as restantes 9 (..) até ao dia 25 de cada um dos nove meses seguintes.

(..) 5. A entidade patronal está ciente que esta declaração constitui título executivo bastante, no caso de incumprimento, sendo que o pagamento de uma prestação implica o vencimento das restantes».

I.2 Distribuídos os autos, a secção de processos concluiu o processo à Senhora Juíza com a informação de se colocar a dúvida sobre a validade do título executivo, questão que foi apreciada e decidida por despacho judicial, nos termos seguintes: - «O documento de fls. 2-4 dos autos não constitui título executivo.

Primeiro, porque não se insere em nenhuma das situações elencadas no n.º 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável ex vi dos artigos 6º, ns.º 1 e 3, daquela Lei e 88º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

Segundo, porque igualmente não constitui o auto de conciliação previsto na alínea b) do artigo 88º do Código de Processo do Trabalho, pensado para os autos de conciliação judiciais, conforme disposto nos artigos 51º a 53º do Código de Processo do Trabalho, que dispensam a habitual sentença homologatória de transacção.

Por conseguinte, ao abrigo do que dispõe o artigo 726º, ns.º 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 88º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho e 703º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente o requerimento executivo por manifesta e evidente falta de título executivo.

Sem custas, dada a isenção de goza o Exequente».

I.3 Inconformado com esta decisão, o exequente, sempre com o patrocínio do Ministério Público, apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes: (…) I.4 A Recorrida não apresentou contra alegações.

I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão que se coloca é a se saber se documento dado à execução reveste os requisitos necessários para ser considerado como título executivo, face ao disposto no n.º 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável à presente execução, por força do disposto nos artigos 6º, ns.º 1 e 3, daquela Lei e 88º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os constantes do relatório, para os quais se remete, por se mostrar desnecessária a sua repetição.

    II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO No essencial, defende o recorrente que à data em que foi celebrado o acordo consubstanciado nos termos do documento dado à execução, este constituía título executivo válido face ao art.º 46.º n.º 1 al. c), do CPC então vigente, por isso devendo considerar-se inconstitucional a interpretação do art.º 6.º n.º3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o actual Código de Processo Civil, seguida pelo Tribunal a quo, ao entender ser-lhe aplicável o art.º 703.º n.º 1 deste diploma, que elimina do elenco dos títulos executivos os documentos particulares, em consequência retirando-lhe a característica de título executivo que antes detinha. Na sua perspectiva, a interpretação seguida pelo Tribunal a quo, viola o princípio da segurança e protecção da confiança ínsito no art.º da CRP.

    II.2.1 Vejamos então, remontando à data em que o acordo foi celebrado, isto é, a 20/11/2012.

    Sobre a matéria atinente a títulos executivos, o Código de Processo do Trabalho, no seu art.º 88.º, dispunha, como continua a dispor por a norma não ter sido objecto de qualquer alteração, o seguinte: -«Podem servir de base à execução: a) Todos os títulos a que o Código de Processo Civil ou lei especial atribuam força executiva; b) Os autos de conciliação».

    Embora a questão não tenha sequer sido suscitada no recurso, afigura-se-nos pertinente começar por esta última disposição [al.b)].

    Os autos de conciliação são aqueles que resultam das tentativas judiciais de conciliação previstas no art.º 51.º e seguintes. Nesses actos são lavrados autos, os quais consubstanciam título executivo, por força desta norma especial contida na alínea b), do CPT.

    Não é esse o caso dos autos, pois estamos perante um documento que, embora formalizado por funcionário dos serviços do Ministério Público e perante Magistrado do Ministério Público, caí no âmbito dos actos praticados nos denominados processos administrativos, organizado em consequência da representação do trabalhador pelo Ministério Público, nos termos previstos no art.º 7.º do CPT. Portanto, a elaboração do documento não se insere numa tentativa de conciliação de um processo previsto no CPT e, logo, aquele documento não se reconduz a um auto de conciliação.

    Por conseguinte, releva apenas o disposto na alínea a), ao proceder ao reenvio, ou caso se prefira, à remissão para os títulos executivos previstos no CPC.

    Desde a reforma do Código de Processo Civil introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o artigo 46.º, com a epígrafe “Títulos executivos”, considerava ser título executivo, susceptível de “servir de base” à execução “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável, nos termos do art.º 805.º (..)”.

    A norma em causa foi entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Nov., passando a ter a redação que vigorava à data em que aquele acordo foi celebrado, em concreto a seguinte: “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes (..)”».

    Como era entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, à luz dessa disposição consideravam-se títulos executivos os acordos extrajudiciais celebrados no âmbito de processo administrativo a correr pelos serviços do Ministério Público, naturalmente desde que satisfizessem os requisitos apontados na norma. Consequentemente, em caso de incumprimento pelo devedor, o trabalhador credor dispunha de título idóneo e suficiente para recorrer de imediato à acção executiva com vista à obtenção do pagamento coercivo da quantia em divida.

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