Acórdão nº 381/11.0TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | ONDINA CARMO ALVES |
Data da Resolução | 11 de Setembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes neste Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO LAVANDARIA -----, SA, com sede na Rua ---- intentou, em 23.02.2011, contra IMOBILIÁRIA, LDª, com sede na Rua ---, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede o reconhecimento da validade da resolução do contrato por ela efectuada e pela consequente condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 393.084,13, a título de indemnização por todos os prejuízos que lhe causou e, ainda, a restituir-lhe por inteiro as rendas que lhe pagou, no valor global de € 198.000 ou, caso assim se não entenda, a redução da renda e condenação da ré a restituir-lhe a quantia de € 77.000, sendo todas as quantias acrescidas de juros desde a citação.
Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de, para prossecução do seu objecto social – lavandaria industrial, de roupa hospitalar – ter celebrado com a ré, em 16.10.2008, um contrato de arrendamento comercial de instalações industriais para nelas implementar a sua unidade de laboração, tendo-lhe a ré/senhoria garantido que as mesmas dispunham das infra-estruturas de electricidade, gás e água adequadas à actividade da autora que se vieram a revelar não existir, e por conseguinte viu-se esta na necessidade de suportar ela própria as obras necessárias a dotar o local dessas infra-estruturas.
Alegou ainda que, em harmonia com o acordado entre as partes, ali realizou as obras necessárias à adaptação do local à sua actividade e que as mesmas são insusceptíveis de levantamento ou de aproveitamento, sendo certo que as realizadas para adaptação do local à actividade tinham como pressuposto a sua amortização a cinco anos, prazo de duração do contrato.
Invocou ainda que, decorridos dois anos sobre o início do contrato sem que o imóvel tivesse licença de utilização, a autora resolveu o contrato por carta registada com A/R, pois a ré garantira-lhe que tal licença seria emitida até ao fim do ano 2008, garantia essa que foi determinante para a celebração do contrato pela autora e esta, pese embora as diversas diligências que fez, não conseguiu licenciar a sua actividade por as instalações não terem a licença de utilização, o que se deveu apenas a razões imputáveis à ré, que a autora identificou, e que, resolvido o contrato e apesar da ré ter dito que não dificultaria a remoção dos bens da autora, o certo é que antes de tal remoção estar concluída a ré mudou as fechaduras do local sem nada dizer à autora.
Alegou ainda a autora que tendo a renda acordada - € 9.000/mês – como pressuposto a legalidade e validade do contrato, deve ser-lhe restituído o valor total que a esse título pagou à ré, ou caso assim se não entenda, deve então ser reduzida a renda e ser-lhe restituída a diferença entre o total que lhe pagou e o valor justo da renda pelo local não licenciado, em valor não superior a € 3.500 mensais.
Citada, a ré apresentou contestação, impugnando a versão dos factos alegada pela autora, invocando, no essencial, que o contrato celebrado foi um contrato-promessa de arrendamento não habitacional, cujo contrato definitivo seria celebrado no prazo máximo de 30 dias após a emissão da licença de utilização do prédio, e que, não só a autora foi responsável pelo atraso no pedido da licença de utilização, por ter levado a atrasos na execução do projecto de segurança, como também fez, a autora, no local, obras, que a ré identificou, que foram determinantes da não emissão da licença de utilização.
Concluindo a ré não ser lícita a resolução por parte da autora e não ter ocorrido causa de força maior que permitisse nos termos contratuais tal resolução, pelo que entendeu a ré ser-lhe devido pela autora o valor correspondente às rendas até ao final previsto do contrato, no montante de € 333.000.
Mais invocou a ré que as obras realizadas pela autora excederam em muito as obras de adaptação que estava autorizada a realizar, tendo as mesmas alterado a estética do edifício e são irreparáveis por o terem desfigurado.
Formulou a ré pedido reconvencional com fundamento, quer no valor correspondente às rendas até ao termo fixado do contrato, quer nas obras não autorizadas levadas a cabo pela autora, que obrigaram a ré à realização de trabalhos na tentativa de repor o edifício, na medida do possível, no estado em que o havia entregue à autora, neles tendo despendido a quantia total de € 419.571,45, concluindo desse modo pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 752.571,45.
Invocou, por fim, a ré, que a autora litiga de má-fé, pedindo a correspondente condenação daquela, em multa e em indemnização de valor não inferior a € 30.000.
Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, no qual respondeu quer ao pedido reconvencional, quer ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé, pugnando pela improcedência de ambos.
Pediu, por sua vez, a autora, a condenação da ré, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a liquidar oportunamente.
Treplicou ainda a ré, para concluir de novo pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.
Proferido o despacho saneador, elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito a audiência de julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência: - julga válida, por lícita, a resolução contratual efectuada pela A.; - absolve a R. dos pedidos pecuniários contra ela formulados; - absolve a A. do pedido reconvencional contra ela formulado; - absolve ambas as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má.
Inconformadas com o assim decidido, quer a autora, quer a ré, interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da autora/recorrente: i.
Entendeu o Tribunal a quo considerar válida a resolução do contrato de arrendamento operada pela Recorrente. Contudo, decidiu absolver a Recorrida das quantias peticionadas a título de indemnização.
ii.
Contudo, o Tribunal a quo decidiu não ser devido o pagamento de qualquer quantia a título de rendas pagas pela Recorrente no decurso do contrato de arrendamento. Assim decidiu por entender estarmos na presença de um contrato de execução continuada, com a inerente exceção ao regime da retroatividade da resolução.
iii.
Determinou também não serem devidas as despesas decorrentes das obras realizadas no locado e as que resultaram da devolução do imóvel ao seu estado inicial, por estar definido no contrato de arrendamento que findo o mesmo a Recorrente não teria direito a qualquer indemnização, tendo aliás a obrigação de entregar o imóvel no exato estado de construção em que o encontrou.
iv.
No que concerne à matéria de facto, e apesar da quase totalidade da prova da matéria carreada para os autos pela Recorrente, entendeu o Tribunal a quo dar como não como provadas algumas das despesas em que a Recorrente incorreu.
v.
A Recorrente considera que não assiste razão ao Tribunal a quo quando decide não lhe atribuir nenhuma quantia a título de indemnização, bem como não concorda com a decisão da matéria de facto por considerar que existem nos autos meios probatórios concretos que impunham decisão diversa.
vi.
As partes celebraram um contrato mediante o qual a Recorrida arrendou à Recorrente um imóvel para o desempenho da atividade profissional desta. À data da outorga, o imóvel não dispunha − como aliás nunca veio a dispor − de licença de utilização. Porém, a Recorrida fez crer à Recorrente que a sua obtenção estava somente pendente de emissão.
vii.
Por confiar que a Recorrida agia de acordo com as regras da boa fé − Art. 227.º, n.º 1 do Código Civil − a Recorrente assinou o contrato de arrendamento, aceitando pagar uma renda no valor mensal de € 9.000,00 (nove mil euros).
viii.
O Art. 1070.º do Código Civil estatui que o senhorio só pode outorgar o contrato de arrendamento urbano se detiver uma licença de utilização para o fim pretendido com o arrendamento.
ix.
À data da outorga do contrato, tal artigo era regulado pelo DL n.º 160/2006, de 08/08. O Art. 5.º do DL n.º 160/2006 estatui que só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização. A inobservância de tal requisito causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda − que constitui receita do município − e atribui ao arrendatário a possibilidade de resolver o contrato, com direito a ser indemnizado nos termos gerais.
x.
Como já se disse, o Tribunal a quo ao concluiu pela legitimidade e validade da resolução contratual, dando como provado que a falta de licença decorreu de causa imputável à Recorrida e afirmando ainda que tinha a Recorrente direito à indemnização nos termos gerais.
xi.
Contudo, entendeu não ser de atribuir à Recorrente o pagamento de qualquer quantia a título de indemnização, decidindo “absolver a R. dos pedidos pecuniários contra ela formulados.” xii.
Salvo o devido respeito, não basta a argumentação de estarmos perante um contrato de execução continuada para que se negue o caráter retroativo da resolução.
xiii.
Por norma, no contrato de locação o senhorio obriga-se apenas a facultar o gozo da coisa. Nos presentes autos, a Recorrida comprometeu-se também a obter a licença de utilização. Foi por causa imputável à Recorrida que tal não ocorreu, daí advindo o direito da Recorrente a resolver o contrato.
xiv.
Entende a Recorrente que deve ser aplicada a exceção prevista no n.º 2 do Art. 343.º do Código Civil e consequentemente ser indemnizada pelo interesse contratual negativo.
xv.
Visando o interesse contratual negativo colocar o credor...
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