Acórdão nº 2208/11.4TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSE PIMENTEL MARCOS
Data da Resolução30 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I I.

, residente na …, n.º …, …, … …, …, na Ucrânia, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o E.

, pedindo que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 39.373,00 (sendo € 28.373,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e € 11.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais), sendo aquela quantia acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, desde a data da propositura da acção.

Alegou para o efeito, e em síntese, ter sido constituído arguido, no dia … de … de …, no Processo de Inquérito n.º …, ficando preso preventivamente após o seu primeiro interrogatório judicial, ocorrido então, e até … de … de …, altura em que, já em sede de audiência de julgamento, foi libertado.

Mais alegou ter sido a sua prisão preventiva injustificada, ao longo dos 17 meses e 22 dias em que durou, não só por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, como por se ter provado que não foi agente do crime que a determinou (ao ser absolvido por Acórdão proferido em 06 de Setembro de 2010, depositado em 22 de Setembro de 2010, e transitado em julgado em 22 de Outubro de 2010).

Alegou ainda que, sendo inocente, e estando detido num país estrangeiro, viveu a injustificada privação da sua liberdade em grande solidão, deprimido, com profundas saudades da sua família, envergonhado perante a cidade onde vive (onde é estimado e considerado um cidadão bom, cumpridor, respeitador e responsável), e sem dinheiro para lhes poder telefonar ou comprar para si próprio produtos essenciais.

Por fim, alegou que, mercê da sua injustificada prisão, ficou impedido de exercer as suas actividades profissionais habituais (de exploração de um estabelecimento de café na Ucrânia, e de transporte regular de passageiros de lá para Portugal, e daqui para aquele país), tendo deixado por isso de auferir a quantia de € 28.373,00.

O R foi devidamente citado e contestou, pedindo a sua absolvição do pedido.

Alegou para o efeito, também em síntese, não ter existido qualquer erro grosseiro na apreciação dos pressupostos que determinaram a prisão preventiva do Autor (estando nomeadamente em causa a investigação de uma rede criminosa, em cujas operações se incluía o transporte regular de pessoas e bens entre a Ucrânia e Portugal), tendo a sua absolvição radicado na mera não prova dos factos que lhe eram imputados, com fundamento no princípio in dubio pro reo.

O Réu impugnou ainda a generalidade dos factos alegados pelo Autor, nomeadamente os pertinentes aos alegados danos sofridos com a sua prisão preventiva, defendendo ser ainda excessiva a indemnização pedida a título de danos não patrimoniais (nomeadamente, atentos os critérios jurisprudenciais vigentes relativos à indemnização do dano morte, que tende a variar entre €14.963,94 e € 49.879,79).

0 Autor replicou, reiterando o pedido inicial.

Alegou para o efeito, em síntese, que não resulta do acórdão que o absolveu da prática de todos os crimes de que era acusado que a decisão tomada quanto a si tivesse ficado a dever-se ao princípio in dúbio pro reo.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual o Tribunal declarou quais os factos que julgava provados e os não provados.

O Autor reclamou da resposta dada ao artigo 2° da Base Instrutória, no que foi desatendido.

  1. e R. juntaram alegações sobre a matéria de direito, tendo o autor pedido a condenação do réu no pedido e este peticionado a sua absolvição total do pedido Seguidamente foi proferida sentença, como o dispositivo que segue: Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, Julgo parcialmente procedente a presente acção, proposta por I. contra o E., e, em consequência, decido: A) CONDENAR o Réu a pagar ao Autor - a quantia de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros, e zero cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais; - a quantia correspondente aos Juros de mora, vencidos e vincendos, sobre a importância referida no ponto anterior, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde 26 de Outubro de 2011 até integral e efectivo pagamento; - a quantia de € 11.000,00 (onze mil euros, e zero cêntimos), a título de indemnização por danos não patrimoniais; - a quantia correspondente aos Juros de mora vincendos, sobre a importância referida no ponto anterior, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde o trânsito em Julgado desta decisão até integral e efectivo pagamento.

  2. ABSOLVER o Réu do demais peticionado contra si pelo Autor.

Inconformado, recorreu o M. Público, terminando as alegações em síntese conclusiva: 1. A douta sentença em apreço considerou, e bem, não existir facto ilícito e não merecer censura a aplicação da prisão preventiva in casu, e que não foram ofendidos os comandos constitucionais ou legais nela citados e apenas considerou que se verificavam os requisitos da al. c) do art.° 225.° n.° 1 do CPP, com fundamento na qual condenou o E..

  1. Discorda-se do entendimento de que tem aplicação ao caso sub judice o referido dispositivo legal, sendo de afastar uma interpretação do mesmo que abranja no seu campo de aplicação uma situação como a dos autos, em que na decisão absolutória não se afirma a inocência efectiva do arguido.

  2. No Acórdão proferido pela ….Vara Criminal … citado, apenas se consigna que a respectiva absolvição, se deveu à insuficiência da prova produzida contra o ora recorrido e com fundamento no princípio in dubio pro reo e dele apenas se evidencia que não ficaram demonstrados em julgamento, com o necessário grau de certeza, os factos indiciados.

  3. A responsabilização do Estado não pode ser levada a cabo por acto lícito, pois que a lei exige a ilicitude e a culpa no acto lesivo para que se possa aplicar o comando do referido preceito, o qual claramente não se aplica aos factos provados.

  4. A entender-se de modo diverso, tratar-se-ia da aceitação de uma responsabilidade objectiva geral do Estado por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, isentos de culpa e não censuráveis, e em termos de abranger a prisão preventiva legal e considerada justificada, como exposto.

  5. Sem nada conceder, a indemnização arbitrada ao Autor por danos não patrimoniais, para além de excessiva, vem ressarcir danos não tutelados pela lei, pois que os danos provados são comuns à generalidade dos cidadãos que foram sujeitos a prisão preventiva, encontrando-se o mesmo já parcialmente privado do convívio com a família, conforme factos provados e enunciados sob os pontos n.°s 45, 46, 48 e 52 da mesma decisão.

  6. Para além disso, é notório que os danos patrimoniais a que se referem os n.°s 50 a 55, inclusive, da fundamentação de facto da douta sentença em apreço também se teriam verificado, caso o ora Autor tivesse simplesmente sido sujeito a mero termo de identidade e residência, pois que, enquanto durasse a investigação, seguramente não seria autorizado a sair de Portugal e a poder continuar a sua actividade de transporte de cidadãos estrangeiros para o nosso país.

  7. Os n.°s 50 e 51 da mesma peça processual são ainda pouco relevantes, uma vez que a sua presença na Ucrânia não era imprescindível, sendo notório que a sua esposa manifestamente supria, de outra forma e sem prejuízo para o negócio, as suas ausências regulares para Portugal no serviço de transporte de passageiros estrangeiros.

  8. Pelo que, conforme exposto, não se verificando uma ofensa chocante e desrazoável dos direitos liberdades e garantias do Autor, a globalidade dos danos provados nem sequer são indemnizáveis e merecedores da tutela do direito, nos termos previstos nos art.°s 496.° n.° 1 e 483.° a contrario, ambos do C. Civil.

  9. Assim, não se mostrando reunidos os pressupostos do direito de indemnização que conduziram à condenação do E., não podia manifestamente proceder a ação, devendo a mesma ter sido julgada improcedente e não provada e o Réu ter sido absolvido da totalidade do pedido.

    11- A douta sentença recorrida retirou conclusões incorrectas dos factos provados, ofendeu por erro de interpretação e aplicou indevidamente a al. c) do n.° 1, do art.° 225.° do CPP aos factos provados e violou também as normas e princípios contidos nos art.°s 9.°, 342.° n.° 1, 483.°, 487.° e 496.° n.° 1, todos do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva o E. em conformidade com o exposto e ser reformada quanto a custas como requerido.

  10. Apenas por mera cautela e subsidiariamente se entende dever ser decidido que a indemnização arbitrada no douto acórdão recorrido é excessiva, no que respeita aos danos não patrimoniais provados, devendo considerar-se o Autor suficientemente ressarcido por um valor não superior a 3.000 euros, atendendo à prática jurisprudencial no nosso país em casos de consequências bem mais gravosas do que as apresentadas pelo recorrido.

    Não foram juntas contra-alegações.

    II Cumpre apreciar e decidir.

    Vêm dados como provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1 – O Processo n° …, que, em fase de inquérito correu termos na …Secção do DIAP, iniciou-se com uma investigação levada a cabo pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (S.E.F.) de…, prendia-se com o Auxílio à Emigração Ilegal e com a Associação de Auxílio à Emigração Ilegal, tendo-se concretamente iniciado com a detenção, em 22 de Junho de 2007, no S.E.F., de Y., de nacionalidade ucraniana, por uso de documento viciado.

    (conforme fls. 02 a 04 da certidão do Processo Crime referido, que são fls. 2332 a 236 destes autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas) (alínea B) da Matéria de Facto Assente).

    2 – Y., ao ser interrogado sobre a aposição de um visto Schengen no seu documento de viagem, supostamente emitido em Kiev, com indícios de não ser genuíno, assinalou um anúncio no jornal «M.», de 24 de Agosto de 2007, onde estava identificada a agência de viagens que lhe tratou do assunto, e...

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