Acórdão nº 2776/10.8TVLSB.L1 -1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – Relatório: ER intentou acção declarativa com processo ordinário contra CI pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 79.999,99 € a título de danos patrimoniais (74.999,99 €) e não patrimoniais (5.000 €) e juros.

Alega para fundamentar o seu pedido que contraiu um financiamento junto do R. associado ao seu cartão de crédito e em simultâneo aderido a um seguro que cobria o risco de desemprego no pagamento do referido financiamento; tendo ficado desempregado comunicou tal facto ao R. que, não obstante, continuou a debitar as prestações do financiamento no extracto do cartão de crédito e comunicou o incumprimento ao Banco de Portugal e a uma empresa de informação de crédito; por via dessa comunicação o A. viu-se impedido de iniciar um contrato de trabalho e foi afectado psicologicamente.

O R. contestou invocando nada haver a censurar na sua conduta, que se pautou pelo cumprimento das condições contratuais e deveres legais e a inexistência de nexo de causalidade. Arguiu a sua ilegitimidade e requereu, subsidiariamente, a intervenção principal da seguradora AL e do BB.

Citados o BB e a AL vieram estes arguir a sua ilegitimidade e propugnar pela improcedência da acção.

No despacho saneador foi decidido pela legitimidade do R. e pela ilegitimidade dos chamados.

Em articulado superveniente veio o R. alegar que no momento da adesão ao seguro já o A. tinha conhecimento de que iria ser despedido, o que constitui uma causa de exclusão prevista nas condições gerais do mesmo seguro.

O A. respondeu negando esse conhecimento e alegando que nunca as condições gerais invocadas lhe foram explicitadas ou, sequer, comunicadas, malgrado as inúmeras solicitações para o efeito.

Veio, ainda, o R. requerer a condenação do A. como litigante de má-fé.

A final foi proferida sentença que, considerando a existência de contrato de ‘cartão de crédito’ e de mútuo autónomos, ter incorrido violação do dever de boa-fé na execução do contrato de mútuo por banda do R. quer ao protelar a comunicação da adesão ao seguro quer ao continuar a debitar as prestações do mútuo em conjunto com as do cartão de crédito impedido o A. de liquidar apenas estas últimas e ao comunicar encontrar-se o A. em situação de incumprimento, verificar-se nexo de causalidade entre esses factos e a perda de oportunidade de empresa e afectação psicológica verificada, não ter sido demonstrada a causa de exclusão da cobertura prejudicando o conhecimento da validade de tal exclusão, julgou a acção parcialmente procedente condenado o R. a pagar ao A a quantia correspondente ao salário de 2.500 € deduzidos de IRS, taxa de solidariedade e contribuições para a segurança social durante o período compreendido entre 1SET2009 e 18DEZ2010, acrescida de juros legais desde a citação, e a quantia de 2.500 € acrescida de juros legais desde o trânsito em julgado e absolvendo o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformado, apelou o R. concluindo, em síntese e tanto quanto depreendemos do arrazoado das 180 páginas das suas alegações e conclusões, pela nulidade da sentença, por erro na selecção da matéria de facto, por erro na decisão de facto, pela invalidade do seguro, por erro na determinação do tipo de responsabilidade em causa, pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade, por erro na determinação dos danos patrimoniais, por abuso de direito e litigância de má-fé.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.

II – Questões a Resolver Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: - da nulidade da sentença; - do erro na selecção da matéria de facto; - do erro na decisão de facto; - da invalidade do seguro; - do tipo de responsabilidade; - dos pressupostos da responsabilidade; - da determinação dos danos patrimoniais; - do abuso de direito; - da litigância de má-fé.

III – Da Nulidade da Sentença Tendo sido expressamente decidido nos autos, sem qualquer impugnação, que a sua tramitação se regularia pela lei processual vigente anteriormente a 1SET2013, será essa a lei a aplicar na apreciação das arguidas nulidades.

Aderindo a um (mau) estilo que por aí anda fazendo o seu caminho, não conseguiu o recorrente evitar encabeçar a impugnação recorrida arguindo nulidades da sentença; conseguindo até o feito de num único acto processual descortinar três nulidades, uma inconstitucionalidade e uma violação de um instrumento de Direito Supranacional.

Com efeito da circunstância de na decisão de facto o Mmº Juiz a quo ter corrigido o ano da celebração do invocado contrato de trabalho (de 2008 para 2009) o recorrente extrai que se conheceu de questão que se não podia conhecer, porque tal ano não houvera sido alegado por qualquer das partes nem foi pedida qualquer correcção, condenou em objecto diverso do pedido, pois que a acção se baseava num contrato de 2008 (anterior à conduta alegadamente lesiva do recorrente) e acabou por ser considerado um contrato de 2009, a violação do princípio do dispositivo, porque se veio a considerar factos não alegados, e, qual cereja no topo do bolo, violação do processo equitativo, pois que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a alteração.

Argui, ainda, a condenação em quantidade superior ao pedido na medida em que o A. pediu uma indemnização pelos danos decorrentes do período de 29NOV2009 a 17DEZ2010 e na sentença se atendeu ao período de 1SET2009 a 18DEZ2010.

Desde já importa realçar, para ser tido em conta na apreciação subsequente, que os articulados das partes, enquanto contenham declarações juridicamente relevantes são susceptíveis de interpretação[1].

As nulidades do artigo 668º do CPC são nulidades formais, resultantes de afectação da forma ou da estrutura da lógica discursiva da sentença, que não abrangem a substância da mesma; os vícios substanciais relevam, não como nulidade, mas como erro de julgamento.

Sendo o julgamento da matéria de facto exterior à sentença (cf artº 653º CPC) é desde logo manifesto que o seu conteúdo é insusceptível de constituir fundamento de nulidade da sentença.

Mas mesmo sendo tal julgamento integrado na sentença (como actualmente prescreve o artº 607º do vigente CPC) a sua incorrecção é insusceptível de ser considerada como vício formal da sentença, constituindo antes erro de julgamento a ser arguido em sede de impugnação da decisão de facto (como o recorrente efectivamente arguiu).

Donde se conclui pela inexistência das invocadas nulidades de conhecer de questão que não podia conhecer e condenação em objecto diverso do pedido (artº 668º, nº 1, als. d) e e) CPC) relativas à correcção do ano.

Ainda que se entenda que a violação do princípio do dispositivo possa ser alegada de forma autónoma no recurso (ao invés de ter de ser arguida segundo o regime geral das nulidades ou em sede de impugnação da matéria de facto) o certo é que não pode ter-se por ocorrida tal violação.

Desde logo haverá de ter em conta que o princípio do dispositivo não é um princípio absoluto, estando o direito processual civil cada vez mais preocupado em fazer coincidir a verdade formal do processo com a verdade real; daí que se permita ao juiz lançar mão de factos que, embora não alegados, resultem da instrução da causa (cf. Artº 264º, nºs 2 e 3 CPC).

Por outro lado é indiscutível que o facto em causa – a celebração de um concreto contrato de trabalho – foi alegado, estando apenas em causa a alteração de uma circunstância – localização temporal – desse facto, cuja concretização pode resultar da discussão da causa não dependendo de expressa alegação[2].

Por último, e fundamentalmente, a alteração foi feita a título de correcção de um lapso de escrita, o que significa que não se invoca um facto/circunstância novo porque não alegado, mas sim que se considera ter sido aquele o teor da alegação; ou seja, verifica-se a identidade do alegado com o considerado provado. Se essa alteração foi legítima é outra questão a analisar em sede própria, mas seguramente, não ocorre violação do princípio do dispositivo.

Quanto à violação do princípio do processo equitativo apenas se dirá que desde a contestação que a questão da data do contrato havia sido referenciada como uma questão problemática, dado que a data indicada era incompatível com a imputada conduta causadora de dano; a celebração desse contrato e a respectiva data era matéria de facto controvertida a ser objecto de prova; essa prova foi produzida na audiência de discussão e julgamento, na qual esteve presente o representante da recorrente[3]. É, pois, patente não só que a problemática da data do contrato era conhecida das partes como que estas tiveram oportunidade de participar e se pronunciar na produção de prova relativamente à mesma.

Mostra-se integralmente respeitado o princípio do julgamento equitativo.

No que concerne à arguida...

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