Acórdão nº 4548-09.3TBALM.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA PARDAL
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: S… intentou contra M… acção declarativa com processo ordinário alegando, em síntese, que, após o divórcio por mútuo consentimento do autor e da ré, correu termos um processo de inventário em que lhe foi adjudicada uma fracção autónoma e outros bens móveis, ficando o autor obrigado a depositar tornas no prazo de dez dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença em 9/10/2006, o que o autor, por erro, só fez em 9/01/2008 depois da notificação do mapa da partilha, acabando por pagar juros que foram reclamados pela ré pelo atraso do depósito; mas esta não entregou a fracção autónoma ao autor na referida data do trânsito em julgado, em 9/10/2006, apesar das interpelações que lhe foram feitas, acabando por só a entregar em 29/01/2009, sem nunca pagar qualquer quantia a título de contrapartida pela ocupação, entregando-a em estado degradado, obrigando o autor a realizar obras e limpezas e sem que no imóvel se encontrassem algumas das verbas móveis também adjudicadas ao autor.

Concluiu pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe: a) 12 600,00 euros a título de contrapartida pela ocupação da fracção, à razão de 450,00 euros vezes 28 meses; b) 10 644,55 euros a título de despesas com obras e limpezas; c) 3 840,00 euros a título de despesas com a reposição da canalização do imóvel; d) 115,00 euros a título de restituição de tornas correspondentes a verbas de bens móveis que lhe foram adjudicados e que a ré não lhe entregou; e) 94,55 euros a título de quota parte da ré no pagamento do IMI de 2006 relativo ao imóvel; f) 10 000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais; g) Juros sobre todas as referidas quantias à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

A ré contestou alegando que, tendo-lhe sido atribuído o direito à casa de morada de família por acordo firmado no processo de divórcio, não tinha obrigação de entregar o imóvel na data invocada pelo autor, mesmo porque nessa data ainda estava pendente uma acção que intentou contra o ora autor para que este reconhecesse que o direito à casa de morada de família não estava condicionado a qualquer prazo ou condição resolutiva; impugnou ainda a existência de qualquer dano que o autor tenha sofrido com a não entrega do imóvel, os danos relativos ao estado da casa, as alegadas obras aí efectuadas, a não entrega de bens que que foram adjudicados ao autor, os invocados danos não patrimoniais e a obrigação de pagar uma quota parte do IMI. Concluiu pedindo improcedência da acção e a absolvição do pedido, bem como a condenação do autor em multa e em indemnização por litigância de má fé.

Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 7 000,00 euros a título de indemnização pela privação da fracção, acrescida de juros às taxas legais desde a citação e até integral pagamento e absolveu-a dos restantes pedidos formulados pelo autor, julgando ainda improcedente o pedido de condenação deste como litigante de má fé.

* Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões: 1ª – Para decidir se a actuação da Ré (ao entregar o imóvel em 29.01.2009) importa a obrigação de indemnizar o Autor, deveria a meritíssima juiz a quo apurar se o Réu sofreu na realidade algum dano, sendo certo que a este competiria, sendo caso disso, fazer prova da existência de danos; 2ª – Porém, embora expressamente conviesse em que “só os danos concretos merecem ser ressarcidos”, a meritíssima juiz a quo considerou que “a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado . . . com recurso às regras da equidade”.

  1. – Sendo este o ponto de partida para fundamentar a condenação em indemnização ao Apelado que acabou por decidir, a meritíssima juiz a quo transgrediu frontalmente a norma do artigo 4º do Código Civil, a qual apenas permite aos tribunais resolverem segundo a equidade nas situações previstas nas suas três alíneas, sendo que a situação sub judice não cabe manifestamente em nenhuma delas.

  2. – Não tendo havido prova da existência do dano não deveria a meritíssima juiz a quo condenar a Ré no pagamento ao Autor de indemnização nenhuma.

  3. – Acresce que a ora Apelante invocou o direito de uso e habitação de que era titular por força do acordo atingido no processo de divórcio por mútuo consentimento, alegando que este não estava sujeito a qualquer condição resolutiva, nomeadamente que não se teria extinguido com a partilha.

  4. - A este respeito a meritíssima juiz a quo afirmou que o direito de uso “cessa com a partilha do bem comum. É essa a essência do instituto. Atribuir o uso a um dos cônjuges, ou ex-cônjuges, até que se determine, por partilha, o destino ou a propriedade do mesmo ” o que constituiu um erro na interpretação do direito.

  5. – Na verdade aquele direito de uso e habitação tem por fonte um contrato cujo conteúdo tanto poderá ser o de atribuir o direito de uso e habitação a um dos cônjuges, com ou sem limitação de tempo e com ou sem condição resolutiva (v.g. a partilha), como pode ser o de não atribuir tal direito a nenhum dos cônjuges porque, por exemplo acordem em pôr o imóvel à venda, como pode inclusivamente ser o de que os cônjuges continuem a coabitar o imóvel nas condições que entendam definir.

  6. – Está-se, de pleno, no âmbito da liberdade negocial, só podendo determinar-se os contornos e eventuais limites daquele direito da Apelante com recurso às regras da interpretação da vontade negocial das partes dentro dos limites da legalidade (artº 405º nº1 do C.Civil).

  7. – Errou pois a meritíssima juiz a quo ao referir um inexistente instituto cuja essência invoca.

  8. – Igualmente errado foi ter sido considerado não haver causa de justificação para a Ré se ter mantido na posse do imóvel.

  9. – Tal causa de justificação sempre haveria visto que o Autor, que tinha obrigação de efectuar o pagamento das tornas até 9.10.2006, apenas fez o respectivo depósito em 9.01.2008 (457 dias mais tarde), como se vê do douto despacho de 11.09.2008 proferido nos autos de inventário ( Cf. fls. 48 e 49 dos autos).

  10. – De tal modo que a Apelante só em 22.07.2008 recebeu o valor simples das tornas (€ 30.116,75) através de cheque emitido pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, E, como se vê da carta do Apelado de 4.08.2008 - Cf. fls. 53 dos autos e doc.1 (que se junta ao abrigo dos artigos 425º e 651º nº1 do C.Pr.Civil, porquanto não teria havido qualquer razão para a sua junção aos autos antes do julgamento, sendo a decisão proferida que determina a sua necessidade).

  11. – Mantendo-se a Apelante credora da quantia de € 1.548,85 de juros de mora que o Autor, pelo despacho de fls. 50 dos autos, foi condenado a pagar-lhe e que ele só veio a depositar em 18.09.2008, à ordem do tribunal (Cf. fls.. 51 e 52 dos autos).

  12. – Parece incontestável que, independentemente de quaisquer outras razões, a Apelante não teria obrigação de entregar o imóvel ao Autor, enquanto este se mantivesse em falta relativamente ao pagamento das tornas e respectivos juros de mora.

    QUANTO AO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO: 15ª – Resulta do que antecede que errou a meritíssima juiz a quo errou ao considerar, para cálculo da indemnização a fixar, o período de 28 meses que mediou entre a adjudicação do imóvel em sede de partilhas e as entrega do imóvel pela Ré ao Autor.

  13. - Disso mesmo estava consciente o Apelado, o qual só após o pagamento das tornas começou a instar a Apelante, directamente e através do advogado desta, para que o imóvel lhe fosse entregue – Cf. fls..53 a 60 dos autos.

  14. – E o Apelado através da notificação judicial avulsa de fls.. 61 e 62 dos autos deu à Apelante um prazo de 10 dias para ela desocupar o imóvel e lhe entregar as respectivas chave, prazo esse que terminava em 5.10.2008, 18ª - O que torna injusta e infundamentada a condenação da Recorrente a indemnizar o Recorrido pela ocupação do andar desde a data da sentença de partilha.

  15. – Tanto mais que a Apelante tinha necessidade de receber as quantias que o Recorrido estava obrigado a prestar-lhe, para poder comprar uma casa onde morar, para o que necessitou ainda dum financiamento que lhe foi concedido pelo Montepio Geral –Cf. doc. 2 (que se junta ao abrigo dos artigos 425º e 651º nº1 do C.Pr.Civil, porquanto não teria havido qualquer razão para a sua...

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