Acórdão nº 658/13.0TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório: O Gabinete Português da Carta Verde instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário em 05/04/2013 contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 113.743,64 € acrescida dos juros legais vencidos e que se vencerem até integral pagamento, a contar da data da citação.

Alegou, em síntese: - em 09/07/2000 ocorreu um acidente de viação em Espanha, em que foi interveniente um veículo de matrícula portuguesa, QH-42-76, com estacionamento habitual em Portugal; - conforme mencionado na DAAA esse veículo estaria seguro na companhia de seguros A...; - decorrente daquele acidente, foi interposta acção judicial pelos lesados ocupantes do veículo QH-42-76 e o proprietário do outro veículo interveniente, este de matrícula espanhola; - confirmada a existência de uma carta verde emitida pela seguradora A..., a seguradora A... espanhola passou a gerir o sinistro, visto representar aquela; - no âmbito daquela gestão, a A... efectuou transação judicial com os lesados ocupantes do veículo de matrícula portuguesa e prosseguiu negociações com o proprietário da viatura espanhola; - entretanto, a A... recebeu informação da sua representada A... da inexistência de seguro para o veículo QH-42-76, alegando carta verde falsa e recusando assumir o sinistro; - perante a recusa da A... em assumir o sinistro e os pagamentos entretanto efectuados, a A... reclamou junto do organismo espanhol congénere, O..., com base na Convenção Multilateral de Garantia; - em Abril de 2003 a O... contactou o Gabinete Português da Carta Verde solicitando informação sobre se o veículo de matrícula portuguesa teria o seu estacionamento habitual em Portugal e se a autorizava a gerir o processo de acordo com a Convenção Multilateral de Garantia; - o Gabinete Português da Carta Verde assumiu o sinistro de acordo com a Convenção Multilateral de Garantia e autorizou a O... a prosseguir com a gestão do processo, do que deu conhecimento ao Réu Fundo de Garantia Automóvel em 12/01/2004; - em 12/03/2008 o Gabinete Português da Carta Verde recebeu o pedido de reembolso por parte da O..., transmitiu esse facto ao Fundo de Garantia Automóvel em 13/03/2008 e reembolsou a O... em 05/05/2008 pelo montante de 113.743,64 €; - o Fundo de Garantia Automóvel recusa reembolsar essa quantia ao Gabinete Português da Carta Verde; - pelo que o Gabinete Português da Carta Verde solicitou à O... a devolução dessa quantia, mas a O... respondeu que quem deve responder é o Autor; - não existindo seguro válido para um veículo com estacionamento habitual num Estado membro da EU, a regularização do sinistro é assegurada pelo serviço nacional de seguros do país do acidente, que tem garantia de reembolso por parte do serviço nacional de seguros do Estado do estacionamento habitual (art. 6º do Regulamento de Serviços Nacionais de Seguros de 30 de Maio de 2002), neste caso o Fundo de Garantia Automóvel; - a lei nacional do seguro obrigatório prevê nesse caso a obrigação de reembolso pelo FGA ao GPCV; - não existindo no caso em apreço, seguro válido para o veículo QH-42-76 que causou o acidente ocorrido em Espanha, aplicam-se as regras comunitárias baseadas na presunção de seguro e assim no estacionamento habitual do veículo.

* O Réu contestou, impugnando parte dos factos alegados na p.i. e invocando, em resumo: - deve ser absolvido da instância por ilegitimidade passiva pois nos termos do nº 1 do art. 62º do DL 291/07 de 21/08 a acção deveria ter sido interposta contra o FGA e o responsável civil, ou seja, o proprietário e/ou condutor do veículo QH-42-76; - nos termos do art. 55º do DL 291/2007 de 21/08 o FGA reembolsa o Gabinete Português da Carta Verde, desde que este demonstre que: o acidente ocorreu em território de outro país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido ao Acordo entre os Serviços Nacionais de Seguros; o acidente ocorreu por responsabilidade do condutor da viatura matriculada ou habitualmente estacionada em Portugal; o veículo matriculado ou habitualmente estacionado em Portugal não beneficie de seguro válido ou eficaz à data do acidente; - as indemnizações tenham sido adequadas e pagas aos lesados segundo a lex loci; - ora, conforme alegado na p.i., a A... começou por confirmar a validade do seguro e perante isso a A..., em representação daquela, transacionou com os lesados, mas quatro meses depois, a A... alegou inexistência do seguro; - a A..., face ao tempo decorrido, já não podia invocar judicialmente a inexistência do seguro e regularizou as indemnizações aos lesados; - nos termos do art. 8º do Regulamento Geral do Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros, a nulidade da carta verde tem de ser invocada no prazo máximo de três meses; - a A... informou a O... da posição assumida pela A..., na qual não a reembolsaria das indemnizações pagas enquanto sua representante; - por seu turno, a O... reembolsou a A... ao abrigo de uma condenação e transacção judicial enquanto representante da A... e no pressuposto da existência de um seguro considerado válido, pelo que a O... pagou mal, pois o pressuposto sine qua non para a intervenção da O... é que o veículo responsável pelo acidente não beneficie de seguro válido ou eficaz, o que não estava demonstrado judicialmente nem sequer alegado, mas sim o contrário; - nesta medida, o Gabinete Português da Carta Verde não deveria ter reembolsado a O..., por não estar demonstrado um dos requisitos principais do Acordo entre Gabinetes Nacionais de Seguros que consiste na prova inequívoca da inexistência de seguro válido ou eficaz para o veículo matriculado em Portugal.

Concluiu pela absolvição da instância e pela improcedência da acção.

* O A. apresentou réplica, sustentando, em suma: - o A. não pretende discutir nestes autos as circunstâncias em que ocorreu o acidente nem o apuramento da responsabilidade civil dele decorrente; - a causa de pedir assenta em factos que enquadram a responsabilidade do FGA no pagamento da quantia peticionada, por força do seu incumprimento das normas aplicáveis do Acordo Multilateral de Garantia, do Acordo entre os Serviços Nacionais dos Estados membros do espaço económico europeu e outros Estados associados de 30/5/2002 (aplicável desde 01/8/2004) e da Secção III do Regulamento Geral, tudo com fundamento nas regras baseadas no estacionamento habitual/presunção de seguro e não nas regras fundadas na existência de Carta Verde previstas na Secção II do Regulamento Geral (regras estas últimas específicas relativas às relações contratuais entre serviços nacionais de seguros baseadas na carta verde); - a invocação do art. 8º do Regulamento Geral não deverá proceder, pois aquela norma refere-se apenas ao prazo para confirmação da validade de uma Carta Verde por um serviço nacional de seguros, fixando na falta de resposta no prazo de três meses, uma mera presunção ilidível, e não a nulidade da carta verde; - a função de garantia do FGA, imposta pelo direito comunitário e legislação nacional que o transpôs para a nossa ordem jurídica não depende nem pode estar dependente, da aparência da existência de seguro, porque o sistema de garantia instituído se baseia na noção de estacionamento habitual e na presunção de seguro.

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