Acórdão nº 2000/12.9TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO: MC intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra NM e IM pedindo a condenação das rés a entregar à herança de VC a quantia de €2.611.811,66, acrescida dos juros legais, contados desde a data da transferência do referido valor até à efetiva entrega.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que é a única herdeira do referido VC, falecido no dia 13/03/2012, o qual era titular da conta bancária da (…) que identifica.

No dia 01/02/2012, a 1.ª ré, que vivia maritalmente com o referido VC, munida de uma procuração, emitida depois do dia 31/07/2011, deu instruções à (...) para transferir a referida quantia de €2.611.881,66 da conta mencionada para uma conta de que é titular a 2.ª ré.

Desde, pelo menos, Julho de 2011, o referido VC esteve sempre afásico e desprovido de capacidade para querer e entender o sentido das suas declarações, na sequência de um AVC, o que era notório para todas as pessoas.

A quantia mencionada constitui um bem da herança de VC, quer porque a procuração emitida pelo mesmo, depois de 31/07/2011, é anulável nos termos dos artigos 257.° e 287.° do Código Civil, o que tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, quer porque a 2.ª ré não realizou nenhuma prestação correspondente ao valor recebido ou a um qualquer interesse do credor VC, quer, finalmente e quanto muito, porque a 1.ª ré entregou a quantia em causa à 2.ª ré, sem poderes para tal, como gestora de negócios, o que constitui uma prestação ineficaz em relação a VC e à herança do mesmo, já que não foi ratificada, de acordo com o disposto nos artigos 268.° e 471.° do Código Civil.

Contestaram as rés, pronunciando-se pela total improcedência da ação, porquanto e em suma, o estado de VC evoluiu favoravelmente, sendo que o mesmo percebia perfeitamente o que lhe diziam e falava, mostrando vontades e apresentando queixas diversas verbalmente.

Devido às suas limitações físicas, VC quis elaborar uma procuração para a 1.ª ré, sua companheira, tratar de todas as economias do casal e, como estavam no Algarve, transferiram o dinheiro para uma conta da 1.ª ré, onde também consta a 2.ª ré, sua neta.

O dinheiro existente na conta, antes da morte de VC, não é um bem da herança.

A autora replicou, arguindo a falsidade da procuração e termo de autenticação juntos pelas rés, porquanto não se mostra assinada pelo autor, nem por alguém a seu rogo, desconhecendo a autora se a impressão digital aposta na mesma é verdadeira, sendo certo, também, que não se mostra autenticada em conformidade com o Código do Notariado.

As rés apresentaram tréplica concluindo pela inadmissibilidade da apresentação da réplica, pedindo o seu desentranhamento.

Aquando do saneamento do processo, em 16/05/3013, foi proferido despacho a admitir a réplica (fls. 103 a 106).

Foi fixada a matéria de facto provada e elaborada a base instrutória.

Apresentada reclamação pelas rés, foi a mesma parcialmente atendida (quanto à redação da alínea K) da matéria assente) - fls. 172.

Na apreciação dos requerimentos probatórios, foi proferido, em 17/09/2013, o despacho de fls. 173, que indeferiu o depoimento de parte da autora, requerido pelas compartes rés.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos: “a) julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno as RR. a restituir à herança de VC a quantia de €2.611.881,66 (dois milhões seiscentos e onze mil oitocentos e oitenta e um euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (29.10.2012) e até à efectiva restituição, absolvendo-as do mais peticionado; b) julgar verificada a litigância de má fé por parte das RR. e, em consequência, condeno-as na multa de dez UC.” Inconformadas, apelaram as rés, apresentando recursos distintos.

A ré NM apresentou as conclusões recursórias que constam de fls. 352 a 373.

[1] O recurso da ré NM foi admitido (fls. 484) e o da ré IM foi rejeitado por extemporâneo (fls. 467).

A 2.ª ré veio aderir ao recurso interposto da ré NM, tendo a adesão sido admitida (fls. 480-483 e 493).

No recurso interposto pela ré NM foi impugnada a sentença e os seguintes despachos interlocutórios: - Despacho que admitiu a réplica; - Despacho que indeferiu o depoimento de parte.

Não foram apresentadas contra-alegações pela autora.

Já nesta Relação, foi proferido o despacho de fls. 500 e 500v, ordenando o cumprimento do artigo 655.º, n.º 1 do CPC por se entender que não se podia conhecer do objeto da apelação no que concerne à impugnação das decisões interlocutórias.

Pronunciou-se a ré NM pugnando pelo conhecimento da impugnação dos referidos despachos interlocutórios (cfr. fls. 509 e 510).

Após se ter validado a renúncia ao mandato forense por parte da Ilustre Mandatária da ré NM (fls. 544), foram colhidos os vistos.

II- FUNDAMENTAÇÃO: A- Objeto do Recurso: Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso em apreciação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, se as houver (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), as questões a decidir são: 1. Impugnação das decisões interlocutórias.

  1. Admissibilidade da réplica.

  2. Impugnação da sentença.

    a. Erro material b. Nulidades c. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto d. Junção de documentos em sede de recurso e. Mérito da sentença B- De Facto: A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto: 1.

    No dia 21.03.2012, no Cartório Notarial de (...), foi lavrada escritura pública, a fls. 68 a 69 do Livro n.° 210-A, na qual a ora A. MC declarou que, no dia 13.03.2012 faleceu VC, que o falecido não deixou descendentes nem ascendentes vivos, não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como sua única herdeira, sua irmã germana, MC, não havendo quem lhe prefira na sucessão, nem quem com ela concorra à herança do falecido, conforme certidão de fls. 13 a 16, que se dá por reproduzida; 2.

    VC era titular da conta de depósitos à ordem, aberta na (...), Agência da (...), em Lisboa, com o número 0035 0063027016200; 3.

    No dia 01.02.2012, por instrução da ora 1.ª R., na qualidade de procuradora, a (...), Agência da (...), transferiu a quantia de € 2.611.881,66 da referida conta n.° 0035 0063027016200 para a conta n.° 0035 0303101722900, aberta na (...), Agência de (...), titulada em nome da ora 2.ª R.; 4.

    VC esteve internado no Hospital (...), de 23/07/2011 a 28/07/2011 e de 31/07/2011 a 12/10/2011, por Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico; 5.

    VC tinha antecedentes pessoais de hipertensão arterial essencial, Diabetes mellius tipo II, Febrilhação auricular crónica e Fibrose pulmonar; 6.

    Durante o último internamento, VC esteve sempre afásico, com hemiparesia direita e dependente dos cuidados de terceiros; 7.

    VC faleceu no dia 13/03/2012, sendo a causa da morte Síndrome Demencial Aterosclerótico consecutivo de Acidente Vascular Cerebral devido a Hipertensão arterial e Diabetes Mellius tipo II; 8.

    A 1.ª R. vivia maritalmente com VC e foi ela que o internou e que o acompanhou durante o dito internamento, pelo que conhecia o estado de afasia do mesmo; 9.

    A 1.ª R. procedeu conforme consta do n° 3, munida da procuração cuja cópia certificada consta de fls. 58 a 60 dos autos, datada de 13.12.2011, cujo teor se dá por reproduzido, mas da qual consta, nomeadamente, «VC (...) constitui sua bastante procuradora, a Sr. ª NM (...), a quem confere poderes necessários e convenientes, para, em seu nome, com a faculdade de substabelecer, todos os necessários poderes para o representar junto de (...) Bancos (...). Movimentar toda as contas bancárias abertas em seu nome, à ordem ou a prazo designadamente fazer levantamentos e transferências, sem limite de valor, assinar cheques, consultar extractos de contas, bem como abrir e encerrar contas, assinando tudo o que para esses fins seja necessário, em quaisquer Bancos, nomeadamente (...), Instituições de Crédito e/ou estabelecimentos especiais de crédito»; 10.

    A procuração referida no n° 9 não se mostra assinada por VC, nem por ninguém a seu rogo, tendo aposta uma impressão digital; 11.

    No dia 13.12.2011, no Cartório Notarial de Lisboa de (...) foi lavrado o “termo de autenticação” cuja cópia foi junta a fls. 61, do qual consta que compareceu como outorgante, na Rua (...), em Lisboa, VC, que disse «que leu o documento que antecede, que é uma procuração e que a mesma, tal como está redigida, exprime a sua vontade», sendo que «este termo de autenticação foi lido ao outorgante e ao mesmo explicado quanto ao seu conteúdo, tudo em voz alta e na sua presença, não assinando o outorgante por me haver declarado não puder fazer»; 12.

    O termo de autenticação referido no n° 11 não se mostra assinado por VC nem por ninguém a seu rogo, tendo aposta uma impressão digital; 13.

    Mostra-se junta aos autos, a fls. 62, cópia de um registo online de actos dos advogados, nomeadamente, de um acto de autenticação de documento particular, do qual consta que «no dia 9 de Dezembro de 2011 (...) compareceram perante mim, (...), advogada (...) pessoas cujas identidades verifiquei por exibição dos respectivos documentos de identificação, e que para autenticação, me apresentaram a presente procuração, de cujo conteúdo está perfeitamente inteirado, o Sr. VC e que este exprime a sua vontade, mas que não assina porque não pode fazê-lo, estando, como tal a seu rogo assinado por (...) (...). Este termo foi lido e explicado ao signatário, em voz alta. EXECUTADO A: 2011-12-09 14:24; REGISTADO A: 2011-12-09 14:26»; 14.

    O documento referido no n° 13 contém uma assinatura de (...), com a menção, em escrita manual, «a rogo de VC por não saber assinar»; 15.

    Desde 31.07.2011, VC estava desprovido de capacidade para entender o sentido...

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