Acórdão nº 604/12.9TCFUN.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução19 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO: 1.

O A instaurou contra a R.

a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário[1] pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 45 000,00, acrescida de juros, à taxa legal dos juros comerciais, calculados sobre o valor de cada uma das duas prestações já vencidas, a contar da data do respectivo vencimento e, sobre o remanescente, a contar da citação.

Alega, em resumo, que celebrou com a R um contrato que intitularam de “mandato de gestão”, através do qual encarregou a R. de arrendar um apartamento situado em Montecarlo (Mónaco), pelo período de seis anos, podendo a R dispor do período de utilização do apartamento como entendesse, sem obrigação de prestar contas ao A., o que a R aceitou e, em contrapartida, obrigou-se a garantir ao A a retribuição de € 45 000,00 por todo o tempo do contrato, a pagar em seis prestações anuais de € 7 500,00 cada. Porém, a R incumpriu este contrato não pagando as duas primeiras prestações já vencidas. Mais alega que a R se obrigou, verificada determinada condição, a prestar uma garantia bancária, para assegurar o pagamento daquelas prestações anuais e, não obstante o A ter cumprido aquela condição e solicitado a emissão da garantia bancária a R não a prestou.

Conclui assim, invocando os art.ºs 780º e 781º, ambos do Código Civil[2], que tem direito a exigir da R o pagamento da totalidade da retribuição acordada, acrescida de juros, à taxa dos juros comerciais. Contestou a R. pedindo, além do mais[3], a improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.

Admitindo ter celebrado o contrato em causa e não ter pago as prestações vencidas, estriba a sua defesa, por excepção, invocando, em súmula, que enviou ao A uma carta em que lhe comunicava a resolução do contrato. Fundava tal resolução no facto de o A ter perdido o direito de gozo do apartamento em causa (vulgarmente designado por time-sharing) em consequência de não ter pago à sociedade que procede à gestão imobiliária dos apartamentos do empreendimento imobiliário em que aquele está integrado - sociedade de que o A é sócio e por virtude disso tem direito ao gozo daquela apartamento no período designado por “C4”, correspondente à semana 16 de cada ano, no referido empreendimento imobiliário - as despesas de gestão extraordinária, em consequência do que a R se viu impedida de pôr no mercado de arrendamento o apartamento em questão.

Mais alega, para a hipótese de o tribunal se declarar competente, que não resulta do contrato assinado em França pelas partes (A., italiano e R. sociedade comercial com sede na zona franca da Madeira) qual a lei aplicável, sendo certo que, considerando o facto de o contrato ter por objecto o gozo de um apartamento localizado no Mónaco e atento o disposto no art.º 4º nºs 1 e 3 da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais assinada em Roma no dia 19 de Junho de 1980 (80/934/CEE), presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde o imóvel se situa, pelo que é forçoso concluir no sentido de que este contrato está sujeito à lei aplicável no Principado do Mónaco.

Conclui que, de qualquer forma, o contrato foi resolvido, pelo que não assiste ao A qualquer direito de exigir à R. o pagamento dos valores que reclama.

Na réplica o A pugna pela improcedência das excepções deduzidas e, tecendo considerações sobre a competência internacional do tribunal, impugna que o contrato previsse “a transmissão” para a R. do direito de gozo do apartamento em questão, como pretexta a R., qualificando o contrato celebrado entre as partes como um contrato de mandato.

Naquela peça processual impugna ainda os fundamentos da invocada resolução do contrato, concluindo que a R não tem direito a tal resolução e, mesmo que tivesse, o seu exercício seria ilegítimo por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito.

Foi elaborado o despacho saneador, julgando-se improcedente a excepção de incompetência internacional do tribunal em razão da nacionalidade, aí se concluindo pela demais competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, assim como se concluiu pela inexistência de nulidades, outras excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso.

Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, com reclamação por parte do A, a qual foi deferida.

2.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 45 000,00 acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos (desde a data do vencimento quanto às prestações que se venceram em 9 de Junho de 2011 e em 9 de Junho de 2012 e desde a data da citação quanto às restantes), calculados com base nas taxas que foram sendo mensalmente fixadas por aviso da DGT, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19.07, e até integral pagamento.

3.

É desta decisão que, inconformada, a R. vem apelar, pretendendo a revogação da decisão recorrida e terminando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª. O objecto do recurso é delimitado pelas alegações do recorrente e, em especial, pelas conclusões dessas alegações, sendo que as questões fundamentais que se colocam dizem respeito à qualificação do contrato celebrado entre as partes e à lei aplicável.

  1. Da análise do contrato celebrado denominado "Mandato de Gestione" é forçoso concluir que o Recorrido é titular de um direito real de habitação periódica, também conhecido por time-sharing, tendo por objecto o gozo do apartamento identificado nos autos no período em causa.

  2. Através desse "Mandato de Gestione" o Recorrido cedeu o direito real de habitação periódica de que é titular à Recorrente mediante uma determinada remuneração anual, deforma a que esta pudesse alugar o apartamento em causa da forma como entendesse, fazendo seus os lucros resultantes desse aluguer.

  3. O contrato de prestação de serviços é definido, nos termos da lei, como aquele uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho físico ou manual, com ou sem retribuição.

  4. Contrariamente ao que é defendido na sentença recorrida não estamos perante um contrato de prestação de serviços inominado mas tão somente perante a cedência à Recorrente do direito real de habitação periódica de que é titular o Recorrido.

  5. Está em causa a celebração de um contrato de cedência de um direito real de habitação periódica celebrado entre uma sociedade com sede na -- Zona Franca da Madeira - sendo que a única ligação da Recorrente é essa mesma - e um cidadão italiano que tem por objecto a cedência do gozo de um apartamento localizado no Principado do Mónaco.

  6. Não estando prevista no contrato qual a lei aplicável, importa em consideração o disposto na Convenção sobre a lei aplicável às obrigações assinada em Roma no dia 19.06.1980 que estabelece, na falta de escolha da lei aplicável pelas partes contratantes, o princípio segundo o qual o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita.

  7. Resulta do nº 3 do artigo 4° da mesma Convenção que, quando o contrato tiver por objecto um direito de uso de um bem imóvel - como é o caso dos autos - presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais...

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