Acórdão nº 2998.14.2TTLSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelLEOPOLDO SOARES
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO: AA instaurou[1] acção de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento contra BB, SL.

Apresentou o competente formulário.

Realizou-se audiência de partes.

[2][3] A entidade patronal veio motivar o despedimento.

[4] Invocou a excepção de caducidade da acção pelo decurso do prazo de vinte dias para o Autor a instaurar.

Entende que a legislação aplicável ao contrato de trabalho celebrado pelas partes é a lei espanhola, por tal ter sido estabelecido expressamente no contrato.

Assim, deve considerar-se o prazo de caducidade de vinte dias úteis definido no artigo 59.º, n.º 3 Estatuto dos Trabalhadores.

Sustenta , pois, a sua absolvição da instância com base na caducidade ou então que se declare a regularidade e licitude do despedimento.

O Autor contestou.

[5] Pugna pela improcedência da invocada caducidade.

Alega que, por um lado, não negociou qualquer cláusula contratual e, por outro , a aludida cláusula não pode anular a aplicabilidade da lei portuguesa, em virtude de não ter sido reconhecida ou publicada na nossa ordem jurídica interna.

Mais afasta a aplicação, no caso, do artigo 42.º do Código Civil, alegando que o referido preceito legal não dispõe sobre matéria laboral.

Invoca ainda o disposto na Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais.

Mais alega ter sido ilicitamente despedido pela Ré, por não ter existido procedimento disciplinar e por não se verificarem os fundamentos de facto alegados pela Ré na sua comunicação de despedimento.

Finaliza formulando diversas pretensões.

A entidade patronal respondeu.

[6] Sustenta a improcedência das pretensões do Autor.

Em 12 de Maio de 2015, foi lavrado despacho saneador[7] , que na parte que para aqui mais releva , teve o seguinte teor: (…) Inconformado , o Autor recorreu.

[8] Concluiu que: (…) A Ré contra alegou.

[9] Concluiu que: (…) O recurso foi admitido.

[10] O MºPº lavrou parecer no sentido da improcedência do recurso.

[11] Nada obsta ao seu conhecimento.

**** A 1ª instância teve como assentes os seguinte factos ( que não foram impugnados no recurso e aqui se aceitam): 1.A Ré é uma pessoa colectiva de direito espanhol, com a sua sede em Espanha.

  1. Em 1 de Dezembro de 2005, em Madrid, o Autor e a Ré subscreveram um acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho por tempo indefinido”.

    [12] 3.Nos termos do aludido acordo escrito, o Autor passou a prestar serviços como comercial para a Ré, com a categoria profissional de “Vendedor”, o que fez sempre em Portugal.

  2. Consta da cláusula oitava do referido acordo o seguinte teor: “As questões não previstas no presente contrato ficam sujeitas à legislação em vigor aplicável e, nomeadamente, ao disposto no texto consolidado do Estatuto dos Trabalhadores, em especial no artigo 12.º, de acordo com a redacção que lhe foi dada pelo RD 15/98, modificado pela Lei n.º 12/2011, de 9 de Julho (BOE de 10 de Julho) e no Convenio Colectivo de COMERCIO.”.

  3. A Ré comunicou o despedimento ao Autor, por escrito, no dia 30 de Junho de 2014.

  4. O Autor instaurou a presente acção de impugnação do despedimento no dia 14 de Agosto de 2014.

    **** É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do novo CPC [13] ex vi do artigo 87º do CPT aplicável[14])[15].

    E, a nosso ver, nas mesmas suscitam-se duas questões .

    A primeira consiste em saber qual a Lei aplicável ao contrato de trabalho outorgado entre os ora litigantes ( se a Portuguesa se a Espanhola).

    A segunda , cujo conhecimento até pode vir a ficar prejudicado , no caso de procedência do recurso, por via da primeira , consiste em saber se mesmo sendo aplicável, ao caso concreto, a Lei Espanhola a invocada caducidade não se verifica.

    *** E, passando a dilucidar a primeira, cumpre , antes de mais, referir que in casu está provado que : 1. A Ré é uma pessoa colectiva de direito espanhol, com a sua sede em Espanha.

  5. Em 1 de Dezembro de 2005, em Madrid, o Autor e a Ré subscreveram um acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho por tempo indefinido”.

  6. Nos termos do aludido acordo escrito, o Autor passou a prestar serviços como comercial para a Ré, com a categoria profissional de “Vendedor”, o que fez sempre em Portugal.

  7. Consta da cláusula oitava do referido acordo o seguinte teor: “As questões não previstas no presente contrato ficam sujeitas à legislação em vigor aplicável e, nomeadamente, ao disposto no texto consolidado do Estatuto dos Trabalhadores, em especial no artigo 12.º, de acordo com a redacção que lhe foi dada pelo RD 15/98, modificado pela Lei n.º 12/2011, de 9 de Julho (BOE de 10 de Julho) e no Convenio Colectivo de COMERCIO”.

    Estamos, pois, perante um contrato de trabalho plurilocalizado .

    Segundo o acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2000, documento RL200007050079374, JTRL00027954, Relator Desembargador Ferreira Marques, acessível em www.dgsi,pt, que logrou o seguinte sumário): “I- Respeitando a questão suscitada na acção a um contrato de trabalho plurilocalizado, isto é, conexionado com mais de uma ordem estadual, a sua apreciação é susceptível de se desenvolver em dois planos: no plano relativo à invocação de normas de direito material interno, pertencentes à "lex fori", de aplicação necessária e imediata, e no plano das regras de conflitos próprios e do Direito Internacional Privado.

    II- No que respeita ao primeiro plano, tem sido reconhecida a existência de normas jurídicas que, pela essencialidade dos seus comandos, como que transbordam a competência espacial do próprio sistema em que se integram, e se aplicam directamente a uma situação jurídica plurilocalizada, assimilando-a a uma situação interna - subtraindo assim ao direito conflitual próprio do Direito Internacional Privado, qualquer influência na determinação da norma jurídica competente para a solução do caso concreto.

    III- São as chamadas normas de aplicação necessária e imediata. Trata-se de normas de especial ordem pública, não no sentido de "ordem pública internacional", mas antes no sentido de as razões injuntivas dos seus comandos, assentes na salvaguarda da organização política, social e económica do Estado, tornarem obrigatória, duma forma directa, e imediata, a sua aplicação.

    IV- A Convenção de Roma contém normas de conflito específicas sobre o contrato individual de trabalho, nos termos dos quais o contrato deverá reger-se pela Lei escolhida pelas partes, escolha essa que deverá ser expressa ou pelo menos resultar inequivocamente do contrato, ou das circunstâncias da causa.

    Na falta de escolha feita dentro destes parâmetros, o contrato deve ser regulado pela Lei do país em que o trabalhador, no cumprimento desse contrato, presta habitualmente o seu trabalho, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro, sendo em tal caso a Lei aplicável desse outro país.

    V- Contudo, o art. 16º da Convenção permite que seja afastada a aplicação de disposições legais nela contidas se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro.

    VI- O regime laboral Alemão colide com o regime imperativo consagrado nos arts. 2º nº 1, 9º , 10º, 11º, 12º e 13º da nossa Lei dos despedimentos, não só quanto às condições de legalidade do despedimento promovido pela entidade patronal com invocação de justa causa, como também quanto às consequências da ilicitude desse despedimento” – fim de transcrição.

    In casu, à primeira vista afigura-se que devia lograr aplicação à situação em exame o ordenamento jurídico substantivo Espanhol[16].

    Efectivamente , até resulta do artigo 3º da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (1980)[17] , tal como se refere em acórdão da Relação de Lisboa[18], de 15.12.2011, proferido no processo nº 149/04.0TTCSC.L1-4, Relatora Desembargadora Albertina Pereira acessível em www.dgsi.pt , que aqui se passa a citar de forma alongada: “ - Para o caso tem aplicação a Convenção de Roma de 1980,….

    Nos termos do art.º 2.º da referida Convenção a mesma tem carácter universal, como resulta da sua própria epígrafe, pelo que a lei pela mesma designada é aplicável ainda que seja de um Estado não Contratante.

    No tocante à determinação da lei aplicável consagra-se no art.º 3.º [19]um dos princípios vigentes do âmbito do Direito Internacional Privado, que é o da “autonomia privada”, por via do qual podem as partes optar pela lei que irá regular o contrato; ou seja, o contrato rege-se “pela lei escolhida pelas partes”; devendo a escolha ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias em causa, podendo através dela designar-se a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato (n.º 1).

    Todavia, na linha do que vem sendo entendido, a disciplina do Direito Internacional Privado não ignora a posição da parte mais fraca na relação contratual. Cfr. Marques dos Santos “Alguns Princípios de Direito Internacional Privado e de Direito Internacional Público do Trabalho”, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 13 a 47.

    Assim, porque o exercício da autonomia da vontade pode originar abusos e ser mesmo objecto de perversão ou manipulação da escolha por parte da entidade mais forte, consagrou-se naquela convenção um estatuto protector (inigual) para o contraente débil, assim se compensando «a desigualdade de facto com uma desigualdade de direito, com vista ao equilíbrio» - Rui Moura Ramos, “Das Relações Privadas Internacionais”,Coimbra Editora, pág. 200.

    Nesse sentido se compreende existência de regras especiais para o contrato de trabalho (que pressupõe essa desigualdade), como são as decorrentes do art.º 6.º da Convenção de Roma[20], onde se determina o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no art.º 3.º, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho não pode ter como consequência privar o trabalhador da...

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