Acórdão nº 259/11.8TELSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução11 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. Nos autos com o n.º 259/11.8TELSB, findo o inquérito, que correu termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal na sequência de despacho de Sua Excelência o Procurador-Geral da República no qual se determinou o apuramento de eventuais responsabilidades no que respeita às contas da Região Autónoma da Madeira, o Ministério Público proferiu o despacho de arquivamento de fls. 56-251 destes autos (fls. 2170-2367 dos principais).

  1. Notificados deste despacho, os denunciantes B ... , G ... , H ... requereram a sua constituição como assistentes nos autos e, concomitantemente, a abertura da instrução[1], visando a pronúncia de - A ... , L ... , J ...

    , pela prática, cada um, de dois crimes de prevaricação, p. e p. pelo art. 11.º da Lei n.º 34/87, de 16-07, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada, um por desrespeito das normas que presidem à elaboração da proposta de orçamento e o segundo por incumprimento das obrigações de informação da real situação financeira da RAM após 2007; um crime de violação de normas de execução orçamental, p. e p. pelo art. 14.º, al. a), da Lei n.º 34/87, de 16-07, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada, por violação das disposições constantes dos n.ºs 2 e 3 do art. 18.º da Lei n.º 28/92, de 01-09; e um crime de abuso de poderes, p. e p. pelos arts. 26.º da Lei n.º 34/87, de 16-07, e 382.º do Código Penal, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada; - Am ... , R ... , D ...

    , pela prática, cada um, de dois crimes de prevaricação, p. e p. pelo art. 11.º da Lei n.º 34/87, de 16-07, conjugado com os arts. 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada, um por desrespeito das normas que presidem à elaboração da proposta de orçamento e o segundo por incumprimento das obrigações de informação da real situação financeira da RAM após 2007; um crime de violação de normas de execução orçamental, p. e p. pelo art. 14.º, al. a), da Lei n.º 34/87, de 16-07, conjugado com os arts. 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada, por violação das disposições constantes dos n.ºs 2 e 3 do art. 18.º da Lei n.º 28/92, de 01-09; e um crime de abuso de poderes, p. e p. pelo art. 26.º da Lei n.º 34/87, de 16-07, conjugado com os arts. 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, e pelo art. 382.º do Código Penal, em co-autoria material com os demais arguidos, com dolo e na forma consumada; 3. Por despacho de fls. 513-526 (fls. 2798-2811 dos principais), o Senhor Juiz do TCIC decidiu, para além do mais, declarar que «o TCIC, que foi na fase de inquérito o tribunal competente para intervir, continuará a ser competente para praticar os actos jurisdicionais na fase de instrução, para tramitar os autos até à decisão instrutória.» 4. Os arguidos Am ... , L ..., notificados do pedido de constituição de assistente e do requerimento para abertura da instrução, vieram, através do articulado que constitui fls. 527-537 dos autos (fls. 2839-2849 dos principais), requerer, para além do mais, que seja «declarada a incompetência do TCIC e, em consequência, nulo o despacho na parte em que aceitou essa competência, devendo os autos ser remetidos à Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Funchal.» 5. Na sequência, o Senhor Juiz do TCIC proferiu o despacho de fls. 540-542 (2853- 2855 dos autos principais), no qual, relativamente à questão da competência do TCIC para a realização da instrução, remete para o seu anterior despacho de aceitação de tal competência.

  2. Inconformados, interpuseram os arguidos Am ... , L ...

    o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «• O Tribunal Central de Instrução Criminal dedicou as primeiras seis páginas do despacho ora recorrido, a justificar a sua competência para a fase da instrução, considerando que esta se fixa no momento em que é instaurado o inquérito, isto é, na data da propositura da acção, não lhe podendo ser mais retirada, ainda que ocorram alterações de facto ou de direito (artigos 22.° e 23.° da LOFTJ).

    • Os Arguidos, em resposta a este despacho, pediram a declaração de incompetência do TCIC e a consequente remessa dos autos à Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Funchal.

    • Posteriormente, o TCIC, em despacho de 11 de Fevereiro de 2015 remeteu a questão da competência para o despacho anterior: “apenas se nos oferece dizer que tal competência foi já aceite por despacho proferido no passado dia 20/01/2015, sendo o mesmo sindicável”.

    • Ora, os Arguidos não concordam com este entendimento perfilhado pelo Tribunal, no despacho ora recorrido.

    • No processo penal, diferentemente do que acontece no processo civil, há uma competência para cada uma das fases do processo: a competência do MP no inquérito; a competência do TIC na instrução e a competência do Tribunal no julgamento.

    • A competência do Ministério Público na fase do inquérito pode se ir modificando em face dos resultados da investigação, conforme o disposto no artigo 266.° do CPP, uma vez que a realidade dos factos pode divergir da constante na notícia do crime.

    • Por outro lado, a competência do JIC para intervir no inquérito só está definida em termos de reserva de jurisdição, não existindo nenhuma normal legal que defina a sua competência no inquérito.

    • Assim, o objecto do processo penal encontra-se em aberto, sendo irrelevantes para a sua determinação os elementos constantes da notícia do crime, só se fixando com a acusação ou, no caso de arquivamento pelo Ministério Público, com o RAI.

    • Neste sentido o Tribunal da Relação de Lisboa a 10 de Abril de 2014 afirma: “A competência do tribunal para proceder à instrução tem que ser aferida em face da acusação ou do requerimento para a abertura da instrução, conforme os casos, porque são estes que fixam o objecto do processo”.

    • No processo penal a determinação da competência dos tribunais criminais é sempre feita por referência a factos e não, como no cível, onde pode ser feita pela residência das partes, pela situação ou pelo valor dos bens.

    • E, ainda que, se entendesse que a instauração do inquérito equivalia à propositura da acção, o que havia que levar em conta eram os factos existentes a essa data e não as noticias deles ou os seus indícios, pois importa distinguir os factos, dos seus indícios e da sua notícia.

    • Acresce que, os Assistentes apresentaram denúncia criminal nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca do Funchal, só depois tendo sido, o processo, remetido para o DCIAP.

    • O que significa que ainda que acompanhássemos a tese do Tribunal recorrido de fixação da competência no momento da instauração do inquérito, seria competente o Tribunal da Comarca do Funchal e não o TCIC.

    • O artigo 116.º da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.° 42/2013, de 24 de Outubro dispõe: “O tribunal central de instrução criminal tem competência definida nos termos do n.º1 do artigo 120.º”.

    • Por sua vez, o artigo 120.° da mesma Lei define quais as matérias em que tem competência o TCIC: “A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação, cabe a um tribunal central de instrução criminal, quanto aos seguintes crimes: a) Contra a paz e a humanidade; b) Organização terrorista e terrorismo; c) Contra a segurança do Estado, com exceção dos crimes eleitorais; d) Tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição direta ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; e) Branqueamento de capitais; f) Corrupção, peculato e participação económica em negócio; g) Insolvência dolosa; h) Administração danosa em unidade económica do sector público; i) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; j) Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática, k) Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.

    2 - A competência das secções de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o número anterior quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação.

    • Igualmente o artigo 47.° da Lei da Organização do Ministério Público (Lei n.° 9/2011, de 12 de Abril) define a competência do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), na fase do inquérito.

    • A competência do TCIC depende, assim, da verificação cumulativa de dois requisitos: primeiro, que os crimes em causa pertençam ao elenco taxativo do n.° 1 do artigo 47.° da LOMP; segundo, que os crimes — ao menos indiciariamente- hajam sido praticados em comarcas pertencentes a diferentes tribunais judiciais.

    • No caso em análise não existe dispersão territorial dos factos, isto é, a actividade pretensamente criminosa não ocorreu em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais, mas antes, foram todos, os factos praticados no distrito judicial de Lisboa, mais especificamente, na RAM.

    • Acresce que, os Assistentes, requereram a abertura da instrução imputando aos Arguidos a prática dos crimes de prevaricação, violação de normas de execução orçamental e abuso de poder.

    • Ora, nenhum destes crimes vem previsto no catálogo do artigo 47.° n.°1 da LOMP.

    • Posto isto, no momento em que foi instaurado o inquérito, não era competente o TCIC, pois não estavam preenchidos nenhum dos requisitos exigidos pelo artigo 47.° n.°2 da LOMP.

    • Mas ainda que, na fase do inquérito fosse competente o TCIC, o que não se concede, a fase da instrução importa, como...

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