Acórdão nº 2808/12.5TJLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução12 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: I... instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário em 25/05/2012 contra B... e M... pedindo que os réus sejam condenados solidária ou isoladamente a pagar-lhe a quantia de 7.455,84 € acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese: -em 19/04/2010, a A. enviou através de correio azul um cheque no referido montante emitido sobre o B..., cruzado e emitido «não à ordem» ao seu fornecedor “E...”; -o cheque emitido só poderia ser pago ao seu destinatário mediante depósito na conta deste; -mas o cheque foi rasurado e adulterado, pois foi apagada a palavra «não» manuscrita sobre a expressão «à ordem»; -e a quantia inscrita nele inscrita foi indevidamente paga pelo M... e retirada da conta da A., sem que o destinatário do cheque o tivesse recebido e apresentado a pagamento; -foram violados os deveres de cuidado e de verificação da bondade do cheque apresentado a pagamento; -a A. está desembolsada do montante de 7.455,84 € e teve de efectuar depois o pagamento à sua credora “E...”.

O 1º R., B..., contestou pugnando pela sua absolvição do pedido, invocando, em resumo: -o escrutínio da regularidade do cheque foi levado a cabo por um sujeito tecnicamente qualificado, ou, pelo menos, acostumado a lidar com este tipo de títulos de crédito, um funcionário bancário; -fazendo fé na petição, a aceitação por um bancário de um cheque como o dos autos, cuja irregularidade é evidente e notória, não pode senão qualificar-se como uma conduta grosseiramente negligente e incauta e, portanto, violadora dos princípios e deveres que enformam a prestação de serviços bancários; -todavia, o R. B... não teve qualquer contacto com o cheque ou imagem deste antes ou aquando do respectivo pagamento, pois, situando-se seu valor abaixo do valor de truncagem acordado pelo sistema bancário (10.000 €), o 2º R., banco participante, estava dispensado de enviar ao banco sacado, 1º R,. as imagens do cheque (cfr ponto 2.1 – al a) dos procedimentos relativos à compensação de cheques constantes do Anexo III da Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal); -resulta da al b) do ponto 6.3 do mesmo Anexo, que o 2º R, participante tomador, era o responsável pela verificação da regularidade do cheque, pelo que, ao dar início ao processo de cobrança de um cheque aparentemente viciado, foi o único responsável pelo prejuízo da A.; -a A. violou deveres de cuidado ao enviar o cheque através de correio simples.

O 2º R., M... contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, invocando, em resumo: -é verdade que o cheque lhe foi apresentado a desconto e foi depositado numa conta do B...; - mas o cheque não se encontrava endossado a “E...” mas sim a “E...”, que o endossou a terceiros; -conferido o endosso do cheque, não foi detectada nenhuma rasura, imprecisão ou indício de falsificação que levasse à sua devolução; -conforme se prova por cópia disponibilizada pelos serviços de digitalização do banco, o cheque não exibe a indicação “Não à ordem”, pelo que o seu endosso foi regular; -para que o cheque não fosse pago, teria de conter a inscrição “Não à ordem”; -o cheque foi regularmente pago, apesar da divergência agora verificada pela comparação com o “canhoto” do cheque constante do livro de cheques apresentado pelo A. em anexo à p.i.; -pelo que não tem qualquer responsabilidade no prejuízo sofrido pelo A..

* Realizada audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo do pedido ambos os Réus.

* Inconformada, apelou a A., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

  1. De acordo com a douta sentença proferida foi julgada improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência absolvidos os RR. B... e M....

  2. Baseia o Tribunal “A quo” a sua decisão no facto de, alegadamente a ora Recorrente não ter logrado provar que por as RR. não terem procedido com o cuidado e diligência devida viu-se a ora Recorrente despojada do montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), dado que teve que depois efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E...”.

  3. Não se tendo assim provado quaisquer factos susceptíveis de integrar a existência dos danos alegados pela ora Recorrente, em consequência do desconto do cheque, objecto da presente acção.

  4. Ora, salvo o devido respeito não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento.

  5. De acordo com a douta sentença proferida pelo Tribunal “A quo” foi dado como não provado no ponto 1 da matéria de facto não provada que o gerente da ora Recorrente, não começou a receber telefonemas a perguntar se tinha entregue determinado cheque a um determinado senhor, ao que a ora Recorrente respondeu que não.

  6. No ponto 2 da matéria de facto não provada foi dado como não provado que “tendo então constatado que a correspondência que enviara havia sido violada e os cheques andavam a ser descontados noutras contas”.

  7. No ponto 3 da matéria de facto não provada foi dado como não provado que “cancelou então todos os cheques à excepção do identificado nos presentes autos, dado que o mesmo já havia sido pago quando tomou conhecimento da situação”.

  8. Mais foi dado no ponto 7 da matéria de facto não provada como não provado que a ora Recorrente nunca foi questionada por nenhum dos RR. sobre a emissão do cheque em causa.

  9. Sucede porém que do depoimento da testemunha C..., o qual o Tribunal “A quo”, classificou como objectivo, claro coerente e credível, a mesma afirma a dada altura que: “Nesta altura foram extraviados vários cheques e o gerente da ora Recorrente foi questionado se nos cheques tinham sido emitidos às pessoas que estavam a tentar compensar, sendo esta a única situação em que não foi contactado (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com inicio às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 04:21 a 05:17), repetindo tal afirmação a instância do ilustre mandatário do Recorrido B..., dizendo que nesta altura foram enviados vários cheques e alguém que pensa ser do B..., questionou o gerente da ora Recorrente se teria passado um cheque de determinado valor a determinada pessoa (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com inicio às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 09:32 a 10:18).

  10. Resulta assim, claramente, do depoimento da testemunha que esta foi a única situação em que a ora Recorrente, por não ter sido contactada pelas ora Recorridas, não teve a oportunidade de cancelar o cheque, ficando assim lesada no montante inscrito mesmo, devendo assim o Tribunal “a quo” ter dado como provada a matéria de facto contida nos pontos 1, 2, 3 e 7 da matéria de facto não provada.

  11. No que respeita ao ponto 4 da matéria de facto não provada, tal matéria encontra-se provada documentalmente, nomeadamente pelo doc.2, junto à P.I., o qual prova que o gerente da ora Recorrente, se dirigiu à entidade bancária B... para averiguar como é que o montante do cheque foi retirado da conta da ora Recorrente, sem que o destinatário nunca tivesse recebido o cheque e o apresentado a pagamento.

  12. No que respeita aos pontos 5 e 6, prendem-se os mesmos com o fornecimento da cópia do cheque à ora Recorrente, tendo sido dado como não provado que a ora Recorrente tenha tentado, presencialmente, junto das RR. que as mesmas lhe fornecessem cópia do cheque e que até à presente data não teve a autora acesso à cópia ou ao original do cheque.

  13. Como podemos constatar nos autos, a cópia do cheque foi junta pelas RR e quanto ao original do mesmo, nunca foi tal documento junto dos autos, alegando as RR não terem o mesmo na sua posse, isto apesar de ter sido solicitada junto do Tribunal “A quo”, a sua junção, pela ora Recorrente.

  14. De acordo com o depoimento prestado pela testemunha A... , os cheques ficam na SIBES processos durante seis meses e, depois a lei diz que tem o banco a obrigação de guardar um registo de imagem tal e qual, igual ao original, passados seis meses pode destruir (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com início às 15:15:15h e términus às 16:46:06h de 18:10 a 18:48).

  15. Ora, se nunca o original do cheque foi junto aos autos, alegando as RR. não o terem na sua posse, é por demais evidente que a ora Recorrente nunca teve acesso ao mesmo, até porque não era de todo do interesse das RR que tal sucedesse, por razões óbvias, pois se da cópia do mesmo já é possível ver a grosseira adulteração do mesmo, que se diria do original.

  16. É igualmente evidente que a ora Recorrente não teve acesso a nenhuma cópia do cheque, a não ser após a contestação dos presentes autos, até porque seria de todo o interesse da ora Recorrente, proceder à sua junção, com a P.I., o que não fez porque não tinha nenhuma cópia em seu poder, nem nunca teve acesso à mesma.

  17. Face aos argumentos supra expostos, entende a ora Recorrente que não ponderou, devidamente, o Tribunal “A quo” a prova junta aos autos e produzida em sede de julgamento, ao dar como não provados os factos supra expostos elencados nos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como não provada.

  18. Bem como ao dar como não provado que por as Rés não terem procedido com o cuidado e a diligência devida, viu-se a ora Recorrente despojada do montante de 7.455,84 euros (sete mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), dado que teve depois que efectuar o pagamento desse montante à sociedade “E...”, ponto 8 da matéria de facto não provada, pois S) A testemunha C... afirmou, no seu depoimento que até aquela data, o dinheiro não foi recebido pela ora Recorrente, continuando fora da empresa (depoimento gravado em suporte digital do sistema informático “Habilus Média Studio”, com início às 14:20:42h e términus às 14:37:20h de 06:45 a 06:54).

  19. Face a estas...

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