Acórdão nº 761/15.2.T8CSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelGRA
Data da Resolução17 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório: 1. Em 04-03-2015, relativamente à menor C. filha de V. e de T., na sequência de pedido formulado pela progenitora junto da Autoridade Central dos EUA, o Ministério Público instaurou acção especial, ao abrigo da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de Haia, de 25 de Outubro de 1980, visando o regresso imediato da menor aos Estados Unidos da América (país onde passou a residir a partir de Setembro de 2010, aí continuando a viver após a separação dos pais e por acordo entre ambos), com fundamento no facto do pai da menor, sem qualquer autorização da mãe da menor, ter viajado com esta para Portugal, ficando a viver com a mesma neste país.

  1. Nos termos do artigo 7.º, alínea c), da citada Convenção, foram tomadas declarações ao Requerido que, fundamentalmente, referiu ter vindo para Portugal de férias com a filha, com autorização da mãe da menor, não tencionando cá ficar, mas que, ao tomar conhecimento (através de relatório elaborado por detective) de que a progenitora estava grávida do companheiro que se encontra acusado de prostituição e de que ambos se dedicavam ao tráfico de fármacos, levando pacientes a clínicas de dor, decidiu não regressar. Referiu ainda que a filha frequenta a escola em Portugal e está a ser acompanhada por psicóloga, mantendo contacto semanal com a mãe.

  2. Em 26-03-2015, a mãe da menor veio aos autos juntar procuração com poderes especiais e requerer a aceleração processual do processo, invocando que se a filha não regressar aos EUA até 30-04-2015 perderá os seus direitos como residente legal desse país, por se encontrar a residir fora do mesmo há mais de um ano.

  3. Na sequência do requerido pelo pai da menor e com fundamento no relatório de avaliação psicológica junto aos autos no qual consta que a menor exprime os seus sentimentos com clareza, foi designado dia para tomada de declarações à menor (sem a presença dos pais e dos Srs. Mandatários) e para inquirição das testemunhas arroladas pelas partes – despacho de fls. 795.

  4. No âmbito da conferência de pais realizada (em 25-11-2014) no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais relativo à menor (a correr termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª secção de Família e Menores – processo n.º … ) os pais requereram a suspensão da instância com vista a chegarem a acordo. 6. Com fundamento em que a audição da menor colocará em causa a sua estabilidade emocional e psicológica e que não poderá ser prestado de forma livre e esclarecida, a mãe da menor veio requerer (requerimento de 12-05-2015 – fls. 832/839) a revogação da decisão que designa tal audição, tendo ainda requerido, com fundamento no cumprimento do princípio do contraditório, que se procedesse (por teleconferência) à sua audição e à inquirição das (9) testemunhas arroladas[1].

  5. Após audição da menor e mostrando-se infrutífera a tentativa de conciliação, procedeu-se à inquirição de duas testemunhas arroladas pelo requerido e da testemunha (residente no país) arrolada pela mãe da menor.

  6. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento das diligências requeridas pela mãe da menor por desnecessidade das mesmas, nos termos do artigo 986.º, n.º2, do Código de Processo Civil.

  7. Por despacho de fls. 854/855 e com fundamento na desnecessidade de realização de tais diligências, foi indeferida a audição da mãe da menor e a inquirição das testemunhas (residentes nos EUA) por ela arroladas.

  8. O Ministério Público considerou que, no caso, se verificava a situação de excepção prevista no artigo 13.º, alínea b), da Convenção de Haia, invocada pelo pai da menor, concluindo no sentido de que se não deveria determinar o regresso da menor ao país da sua residência habitual.

  9. Em 09-06-2015 foi proferida decisão que não determinou o regresso da menor à Florida.

  10. Pugnando por decisão que determine o regresso da menor aos Estados Unidos da América, a mãe da menor interpôs recurso da decisão proferida, concluindo nas suas alegações: 1.

    Vem a sentença do tribunal a quo determinar o não regresso da menor à Flórida.

  11. A sentença do tribunal a quo enferma de várias nulidades.

  12. A acção foi intentada ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980 que tem como finalidade a protecção da criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e visa estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita.

  13. O que deveria ter sido analisado pelo douto tribunal a quo era se a menor deveria estar em Portugal ou não.

  14. Ficou amplamente provado que a menor ficou a residir em Portugal sem o consentimento da Progenitora mãe.

  15. A Progenitora mãe não teve a oportunidade processual de efectuar cabalmente o contraditório quanto às graves acusações tecidas pelo Progenitor pai, totalmente infundadas e até caluniosas.

  16. A sentença do tribunal a quo fundamentou a sua decisão no registo criminal do companheiro da Progenitora mãe, não se tendo preocupado o Tribunal em saber junto das autoridades do outro Estado contratante da Convenção, no caso os EUA, qual é completamente diferente do direito europeu, e como tal que consequências se poderiam daí extrair.

  17. Se tivesse sido dada oportunidade processual à Progenitora teriam sido juntos os documentos que comprovam que o companheiro da Progenitora mãe tem a guarda legal dos seus filhos J. e S., sendo este que os leva à escola, ao médico, que presta a assistência necessária para o bem-estar dos menores, exercendo de forma plena todas as responsabilidades parentais.

  18. Não poderia o tribunal a quo ter tirado as ilações que tirou, sem ter a Progenitora mãe exercido o direito ao contraditório, tendo no fim o Tribunal baseado a sua decisão em erróneas conclusões sobre as condições do companheiro da Progenitora, não tendo alguma vez colocado em causa a situação moral, sócio económica, ou outra da Progenitora, mas sim do companheiro desta.

  19. Ao contrário das testemunhas arroladas pelo Progenitor pai, as testemunhas arroladas pela Progenitora mãe têm conhecimento de facto, conviveram com a menor durante a sua vida em Miami, de cerca de 4 anos, podendo testemunhar o bem-estar quer físico, quer afectivo, quer psicológico, quer sócio económico que a menor vivia com a mãe até ser subtraída pelo Progenitor Pai.

  20. As testemunhas arroladas pelo Progenitor pai, conforme se pode comprovar pela gravação áudio, tiveram “conhecimento de ouvir dizer”, não estiveram presentes na vida quotidiana da menor, apenas relatam o que lhes foi transmitido pelo Progenitor pai, não podendo considerar-se portanto, e salvo melhor opinião, testemunhas idóneas.

  21. Andou mal o tribunal a quo ao não ter procedido à audição das testemunhas arroladas pela Progenitora mãe para esclarecimento cabal da situação da menor.

  22. A sentença da Meritíssima juiz do tribunal a quo levou em linha de conta um mero relatório de uma psicóloga apresentado pelo Progenitor pai e da confiança deste, para justificar a decisão da audição da menor, contudo não pode tal documento ser considerado um verdadeiro “parecer técnico”.

  23. É certo que a mãe acedeu, por um período de 20 dias, pois considerou ser benéfico para a menor porquanto aquela estava debilitada e a menor tinha oportunidade de visitar Portugal e conviver com a família do pai.

  24. Contudo, o documento que foi junto aos autos mais não é do que uma certificação de tradução de um documento “autorização para viajar para o estrangeiro”, não constando dos autos qualquer documento original, pelo que não se pode sequer averiguar se foi a assinatura da Progenitora reconhecida notarialmente, conforme exige a lei americana.

  25. Não foi junto aos autos documento original comprovativo da autorização de saída da menor.

  26. Andou mal o tribunal a quo porquanto se os E.U.A. requereram a entrega da menor à Progenitora mãe e à sua residência é porque reconhecem que a Progenitora mãe tem condições para ter a menor consigo, e que não existe qualquer perigo de ordem física ou psíquica para a menor.

  27. Se o regresso aos E.U.A representasse algum perigo para a menor, não se percebe como o Progenitor pai, ora Recorrido possa ter deixado a sua filha por diversas vezes entregue aos cuidados da mãe e do companheiro desta.

  28. Se efectivamente a Progenitora e/ou o seu companheiro não tinham capacidade para tratar da menor e/ou representassem algum perigo para a sua integridade física ou psíquica, não se entende como o pai deixou a menor entregue aos cuidados da mãe, e do seu companheiro nas várias deslocações que efectuou a Portugal.

  29. Assim, não foi efectuada produção de prova que demonstre a excepção constante do artigo 13.º, alínea b) da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, que visa a retenção dos menores.

  30. Atente-se ainda no teor do n.º 1 e do n.º4, do artigo 11.º do Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho Relativo à competência e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, aplicável ao caso em concreto: “1. Os n.ºs 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado-Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças (a seguir designada 'Convenção de Haia de 1980'), a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.(…) 4. O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas...

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