Acórdão nº 2684/14.3YLPRT.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório: No Balcão Nacional de Arrendamento, AT apresentou pedido de despejo contra JC, relativamente ao locado sito na …, Lisboa, com fundamento na falta de pagamento da renda mensal actualizada de € 1.300,00, já que o requerido continua a pagar a renda mensal anterior de € 329,00, pelo que, estando em causa as rendas vencidas nos meses de Dezembro de 2013 a Setembro de 2014 (10 meses), está em dívida o valor de capital de € 9.710,00, acrescido de juros vencidos no montante de € 145,68.

O requerido deduziu oposição, colocando como questão prévia a da não prestação da caução prevista no nº4, do art.15º-F, do NRAU, por entender que tal norma é inconstitucional, por clamorosa violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.20º, nº1, da CRP/76, bem como por colidir com as normas contidas nos arts.18º, nºs 2 e 3, 202º, nºs 1 e 2, 205º, nºs 1 e 2, da Lei Fundamental, na medida em que afecta de forma irreversível o direito à via jurisdicional.

Mais alega que não recepcionou as comunicações remetidas pela requerente nas datas de 19/6/13 e de 13/8/13, por razões alheias à sua vontade, pelo que nada deve à requerente, não se verificando os pressupostos que sustentem a invocada resolução do contrato de arrendamento.

Alega, ainda, que, caso assim se não entenda, deve a requerente ser condenada a pagar, a título de despesas com obras de manutenção e de conservação, bem como de benfeitorias realizadas no locado, a quantia global de € 15.498,40.

A requerente respondeu, requerendo a prolação de despacho a indeferir a oposição, por não deduzida, nos termos previstos no nº4, do art.15º-F, da Lei nº6/2006, de 27/2, norma esta que não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade.

Subsidiariamente, pede a condenação do requerido no despejo e pagamento de rendas peticionado.

A final, requer a sua absolvição do pedido reconvencional, por não procedente.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde foi apreciada a invocada inconstitucionalidade, tendo-se concluído pela inexistência desta e, assim, pela improcedência da oposição, pela não prestação de caução.

Em consequência, foi determinada a entrega do locado pelo requerido, bem como o pagamento das rendas em atraso.

Inconformado, o requerido interpôs recurso daquela decisão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos: 2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: a) – Dispõe o n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU que “Não se mostrando paga a taxa ou a caução prevista no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”, relevando neste ponto da presente peça processual o segmento normativo que consagra a exigência de pagamento de uma “caução”, a qual, termos do n.º 3 do mesmo preceito normativo e nos moldes em que a recorrida formulou o seu petitório naquela acção especial de despejo, resultaria no valor de € 7.800,00 (sete mil e oitocentos euros); b) – Valor que além do mais nem sequer se mostra de forma incontroversa que seja efectivamente devido e, justamente por isso, considera-se aquele segmento normativo, materialmente inconstitucional, por clamorosa violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP/76, bem como, colide com as normas contidas nos artigos 1.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 202.º, n.ºs 1 e 2, 205.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Fundamental, na medida em que afecta de forma irreversível o direito à via jurisdicional; c) – Com efeito, qualquer solução normativa que se desvie do figurino constitucionalmente definido, quando estejam em causa direitos fundamentais, designadamente, direitos, liberdades e garantias, carecerá sempre de uma justificação orientada à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, enquadrada pelo princípio da proporcionalidade (na sua tríplice dimensão da necessidade, adequação e proporcionalidade) inscrito no artigo 18.º, n.º 2, e no estrito respeito pela extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito da CRP/76, como se verifica in casu; d) – E assim se entende, justamente por estar em causa um direito fundamental integrante do catálogo dos direitos, liberdades e garantias – o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP/76, para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos; e) – Por isso, importa sujeitar as normas contidas no n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU, ao crivo da constitucionalidade através da sua confrontação com os normativos alojados no artigo 62.º, articulado com o princípio da proporcionalidade fixado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP/76, não sem antes recordar que os motivos justificativos que estão na base daquele normativo jurídico atinente ao arrendamento urbano; f) – Traduzem-se na pretensão de dissuadir o recurso à oposição como meio dilatório para impedir a efectivação do despejo, ainda que efectivamente, pelas mais variadas razões, não estejam em dívida quaisquer rendas, não se descortinando na doutrina a invocação de outros argumentos a fundamentarem a sua razão de ser; g) – Ou seja, restringem-se direitos fundamentais do inquilino, mormente o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva, em bom rigor, em nome de uma celeridade processual no interesse do senhorio, sem que recaia sobre este o ónus de provar o que quer que seja como se extrai do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC; h) – Conferindo-lhe um espaço de liberdade ilimitado para fazer cessar aqueles contratos de arrendamento, eventualmente, menos lucrativos ou para se libertar de inquilinos indesejados, designadamente os de idade avançada e de menores rendimentos, numa visão puramente economicista e neoliberal que tem marcado a produção legislativa dos últimos anos, em patente desrespeito pelo princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1.º da CRP76; i) – Admitindo-se, sem conceder, a bondade da solução legal constante no artigo 15.º-F, n.º 4, do NRAU no sentido de procurar salvaguardar o direito constitucional à propriedade privada inscrito no artigo 62.º da Lei Fundamental, cuja inserção sistemática localiza-se no quadro dos direitos económicos, sociais e culturais, aos quais inere uma inequívoca função social, com especial ênfase no direito à propriedade privada que relativiza a sua prevalência sobre outros direitos, liberdades e garantias de maior valia, aquela função social fica em absoluto desvirtuada; j) – Ao ponto de promover a denegação de justiça decorrente da insuficiência de meios económicos, não para instaurar a correspondente acção judicial, mas para cumprir com a exigência legal de prestação de uma caução que pode atingir valores incomensuráveis, o que vale por dizer que o inquilino pode confrontar-se com a situação de lhe ser negado o apoio judiciário porque o seu rendimento e do agregado familiar não atinge os patamares mínimos que lhe permitam beneficiar do apoio judiciário, mas continua numa situação económica que não lhe permite proceder à prestação da caução, como se verifica no caso concreto dos presentes autos; l) – Do que antecede, duas consequências são facilmente extraídas: o inquilino ao não proceder à prestação da caução nos termos legalmente exigidos...

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