Acórdão nº 3443/11.0TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 9.ª Secção Criminal de Lisboa: I – No proc.º n.º 3443/11.0TDLSB da Instancia Central de Lisboa, 1.ª Secção Criminal, Juiz 5, por acórdão de 10 de Julho de 2014, foi decidido: I) Absolver os arguidos: - RP..., IM... e AS..., da prática dos crimes pelos quais vêm pronunciados, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artº 377º, nº 1, com referência aos artºs 26º, 28º, nº 1 e 386º, nº 1, al. d), todos do Código Penal; - IM..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d), ambos do Código Penal; - RP... em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d) e nº 4, ambos do Código Penal.

II) Absolver o arguido RP... da pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços.

III) Absolver os arguidos do pagamento ao Estado do montante de € 27.835,20.

II – Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Por acórdão de 10 de Julho de 2014, depositado no dia seguinte, o Tribunal Colectivo absolveu: i) os arguidos RP..., IM... e AS..., de um crime de PARTICIPAÇÃO ECONÓMICA EM NEGÓCIO, p. e p. pelo art. 377º n.º 1, com referência aos arts. 26º, 28º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d), todos do Código Penal.

ii) a arguida IM..., de um crime de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, p. e p. pelos arts. 255º al. a) e 256º n.º 1 al. d), ambos do Código Penal; iii) o arguido RP..., de um crime de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, p. e p. pelos arts. 255º al. a) e 256º n.º 1 al. d) e n.º 4, ambos do Código Penal.

  1. Analisado o acórdão recorrido, nomeadamente os fundamentos da motivação da decisão de facto que fundamentaram a condenação do arguido, constata-se que a prova não foi apreciada pelo Tribunal Colectivo de forma racional e globalmente nem foi devidamente conjugada com as regras da lógica e da experiência comum mas sim de forma discricionária, subjectiva e de forma isolada e fragmentada.

  2. Também se constata que, no acórdão recorrido, o Tribunal Colectivo não analisa as normas do Código de Procedimento Administrativo, do Código dos Contratos Públicos nem da Constituição da República Portuguesa norteadoras da actividade da Administração Pública e dos seus funcionários, tarefa essencial para aferir da violação dos deveres que impendiam sobre os arguidos, elemento do tipo objectivo do crime de participação económica em negócio.

  3. O Tribunal Colectivo decidiu absolver in totum os arguidos por considerar, em suma, que a adjudicação, pelo arguido RP..., de quatro estudos/pareceres à sociedade de advogados A&L..., foi efectuada sem a intenção de beneficiar patrimonialmente as arguidas IM..., irmã da sua companheira à data dos factos e tia da sua filha, e AS..., que com aquele colaboravam, na qualidade de juristas avençadas, na Direcção Municipal de Cultura da Câmara de Lisboa e que, no final de 2008, viram as respectivas avenças cessar.

  4. Mais considerou o Tribunal Colectivo que o montante acordado por essa adjudicação, de cerca de € 47.000,00 sem IVA, não era excessivo, apesar de muito próximo do limite máximo da sua delegação de competências para aquisição de serviços.

  5. No decurso da audiência de julgamento a testemunha AC esclareceu que: 1:35 a 1:57 Ministério Público (MP): “Sabe alguma coisa sobre um contrato celebrado entre a CML, mais concretamente entre a DMC e a A&L...?” Testemunha (AC): “Só sei porque veio nos jornais e depois quando fui ouvido na fase de inquérito.” 2:48: AC: “Sobre o contrato em específico não (…)” 15:23: AC: “Não, nunca conheci o estudo” 16:44 (em resposta à questão da Mma. Juiz Presidente (JP) se sabia se o estudo existiu) AC: “Não, não sei” 17:20 a 18:58 AC: “Esse assunto era directamente acompanhado pelas vereadoras. Depois não sei como as coisas correram na transição” JP: “E não seria as advogadas ou os juristas que estavam nessa Direcção Municipal de Cultura, não poderiam fazer esse estudo? Estavam avençadas” AC: “Talvez, talvez sim, não lhe sei dizer em concreto qual é a competência” JP: “Na realidade, foram elas que estavam lá que fizeram” AC: “O departamento jurídico assegura o contencioso e depois cada direcção municipal tende a ter juristas especializados” JP: “Se o director municipal entendeu especializadas essas pessoas que estavam na própria Câmara a trabalhar porque não fazer elas enquanto juristas da Câmara e não por ajuste directo” AC: “Provavelmente porque considerou que nenhuma delas era a pessoa adequada ou habilitada para fazer esse estudo e que preferiu contratar (?) fora, mas aí…” JP: “Mas foram elas” AC: “Ah, foram as próprias! Isso aí terá que perguntar ao director municipal e aí não sei” JP: “Já perguntei, estou a perguntar ao sr. dr. agora” AC: “Está bem… se me pergunta se a mesma pessoa enquanto avençada do Município não pode realizar o trabalho que está contratado e tem de o realizar fora, não vejo razão, a não ser que o contrato expressamente tenha outra natureza mas, fora isso, de facto não vejo razão; se é esse juízo de valor…” JP: “Não tem explicação” AC: “Não tenho” 24:13 a 24:27 AC: “Em regra, o que é normal é que esses trabalhos sejam entregues ao vereador e o vereador reporta se entender que há interesse nisso, mas em princípio é o próprio vereador” 35:20 – diz q JA... trabalhava na CML 37:15: esmagadora maioria dos avençados foi integrada na Câmara 38:57 a 39:21 AC: “Acho que é tudo registado, presumo que seja, quer dizer, os papéis que me chegam à secretária vêm com carimbo de entrada, com uma numeração, há lá um código, de arquivo e de entrada, data de entrada, local de entrada, há um sistema de entrada dos documentos” 43:47 a 43:55 AC: “Às vezes entregam-me directamente e eu entrego precisamente à minha chefe de gabinete e às minhas secretárias para registarem e darem entrada” 44:48 a 45:12 AC: “Nem todos os documentos chegam por via postal, quer dizer, muitas vezes já tive reunião em que as pessoas me entregam os documentos e o que eu faço a seguir é depois entregar às minhas secretárias ou à minha chefe de gabinete para proceder ao registo e ficar devidamente arquivado na Câmara. Se havia um sistema de registo e de arquivo, isso há. Por vezes não vem por correio, isso é verdade” 47:22 AC (em resposta à pergunta da Mma. Juiz Presidente sobre o desaparecimento de documentos): “Não é habitual nem normal que assim aconteça” 47:35 a 49:58 AC: “Não, os directores municipais recorrerem e contratarem, não, não é normal, e não é comum a Câmara solicitar. Solicita em algumas circunstâncias, quer dizer…” Mmo. Juiz Adjunto (JA): “E existe alguma regra interior na Câmara de Lisboa no sentido…” AC: “Em regra pergunta-se à directora do departamento jurídico se tratamos em casa ou se tratamos fora de casa. Mesmo no contencioso, muitas vezes tratamos fora. Por exemplo, contencioso junto do Tribunal de Contas, em regra recorremos a serviço externo, por ser matéria especializada, o direito financeiro, e em regra não temos em casa” JA: “Ou seja, naquelas situações em que essa contratação está dentro do âmbito que o director tem por competência delegada para adjudicar directamente, mesmo nesses casos, deve-se recorrer a esse procedimento que acabou de falar, ou seja, de ir ao departamento jurídico saber se há possibilidade de fazer interno?” AC: “Eu acho que esse é o percurso normal, esse é o percurso normal. Eu, pessoalmente, quando tenho necessidade de algum apoio jurídico pergunto em regra à directora o que é que tem a sugerir e peço aliás à directora para sugerir quem contratar. Às vezes, nem sempre, às vezes já tenho tomado a iniciativa. Recordo-me de um processo particularmente complicado em que decidimos contratar o Professor AM... da Universidade de Coimbra e até fui eu que sugeri à directora do departamento jurídico que fosse consultado o Doutor AM..., porque era uma questão muito complexa do ponto de vista do Direito privado e em que estavam em causa, a Câmara tinha sido condenada em 130 milhões de euros de indemnização e era um tema muito sensível e achei que era preciso tratar as questões…” JA: “Esse procedimento é algo, existe alguma coisa escrita nesse sentido, ou isso é uma regra de conduta?” AC: “Acho que é uma regra de conduta, quer dizer, acho que é uma regra de conduta normal, não é? Quer dizer, quando se trata de uma coisa relativa aos espaços verdes, pergunta-se ao responsável pelos espaços verdes. Quando se trata de uma matéria de natureza jurídica, pergunta-se à responsável pelo departamento jurídico, quer dizer, acho que esse é o caminho normal, não é?” 7. No decurso da audiência de julgamento a testemunha FMV esclareceu que: 2:20 a 2:56 Testemunha FMV (FMV): “Tive conhecimento deste contrato quando, na sequência, digamos, do envio da documentação para o departamento jurídico da Câmara com a parte com que fui confrontado, se fez o levantamento da documentação que diz respeito…” Ministério Público (MP): “E em que altura foi isso, tem presente?” FMV: “As datas não tenho, digamos, muito rigorosamente mas terá sido na segunda metade de 2009, portanto depois de Julho de 2009.” 3:21 a 3:35 FMV: “Houve um dia que nos encontrámos, num final de tarde, não sei exactamente a hora exacta, mas qualquer coisa em volta do dia 8, 7, 8 de Janeiro de 2009” 4:26 a 4:40 MP: “E alguma vez lhe foi falado nalgum trabalho que tinha sido recentemente entregue por essa sociedade de advogados?” FMV: “Não, não, nem a conversa entrou em detalhes tão…” MP (4:55): “Não abordaram questões concretas?” FMV (4:58): “Não, não.” MP (5:02): “Em cima de secretária ficou algum monte de documentos?” F. MV...

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