Acórdão nº 6904-11.8TBOER.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução15 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – «BC, Lda.

» e LMS intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra «Banco B, SA».

Alegaram as AA., em síntese: As AA. são portadoras do cheque nº 9554223078 no valor de 20.000,00 €, sacado por Hélio J. sobre a conta nº 32695488401, entregue à 1ª A. para pagamento de serviços executados a favor do seu emitente e posteriormente transmitido pela 1ª A. a favor da 2ª A. para pagamento de dívida de serviços que esta prestou àquela.

Tendo a 2ª A. apresentado o cheque a pagamento em 23-7-2008 o mesmo foi devolvido com a menção “falta ou vícios na formação da vontade”, na sequência de ordem de revogação dada pelo emitente e sacador e que o R., sem qualquer justificação e sem contacto prévio com as AA., acatou recusando o pagamento do título.

Ambas as AA. ficaram desembolsadas do montante de 20.000,00 €, sofrendo o atinente prejuízo.

Pediram as AA. que o R. seja condenado a pagar-lhes a quantia de € 20.000,00 acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde 23-7-2008, que na data em que a acção foi proposta computam em € 5.730,91.

O R. contestou. Disse, designadamente, que a devolução obedeceu a instruções expressas dadas ao R. pelo sacador, sendo o motivo invocado razão válida para a devolução do cheque, que fora emitido em data anterior à nele aposta; que o R. não pode ser responsabilizado pelo não pagamento do cheque porque impedido o seu pagamento com justa causa, não tendo o mesmo condições de averiguar se as instruções dadas pelo cliente eram verdadeiras.

Concluiu pela improcedência da acção e pediu a intervenção provocada de Hélio J., nos termos dos arts. 330 e seguintes do CPC, visto na eventualidade de ser condenado nesta acção poderia demandar o sacador do cheque em acção de regresso.

Tendo o chamamento sido admitido, o chamado apesentou contestação em que alegou, designadamente, que o cheque foi emitido pós-datado e no pressuposto de que na data do seu vencimento os trabalhos contratados com a 1ª A. estariam concluídos, mas em 20-7-2008 a obra não estava acabada e alguns trabalhos apresentavam defeitos de construção e que o R. tinha informação suficiente e verdadeira que lhe permitia, com justa causa, recusar o seu pagamento.

Posteriormente (fls. 73 e seguintes) vieram as AA. precisar pretender que «o tribunal, de acordo com a instrução do processo, decida quanto ao direito de cada uma das AA.», aceitando a aclaração do pedido «no sentido do R. ser condenado a pagar à 1ª A. a quantia de € 20.000,00 acrescida de juros … ou subsidiariamente condenado a pagar à 2ª A. a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros…». Quando do saneador, o Tribunal de 1ª instância considerou que, a final, poderia condenar o R. no pagamento do pedido apenas a uma das AA., «admitindo-se a alteração do pedido» nos termos decorrentes do articulado destas (fls. 89-90).

O processo prosseguiu. Iniciada a audiência de discussão e julgamento, em data designada para a sua continuação, as AA. disseram vir deduzir articulado superveniente, de harmonia com o art. 588 do CPC, por factos supervenientes entretanto ocorridos e relevantes à decisão da causa.

Tal articulado foi indeferido, tendo as AA., em 22-2-2015, interposto recurso de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo. Apresentaram então as seguintes conclusões de recurso: 1.ª A justa composição do litígio na vertente primordial da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, traduzido na realização da justiça material e esta contemplando, ou devendo corresponder, à situação existente no momento do encerramento da discussão, art.º 202.º da C.R.P, art.º 7.º e 611.º do Cód. Proc. Civil, sobrepõe-se aos desígnios da celeridade processual.

  1. A douta decisão recorrida que hierarquizou de forma oposta tal desiderato, desconsiderou aqueles preceitos e princípios vigentes.

  2. A douta decisão recorrida violou o disposto no art.º 588.º do Cód. Proc. Civil, concretamente o seu número 4, porquanto a admissão de articulado superveniente não está condicionada à maior ou menor longevidade da acção e/ou dificuldade de agendamento de diligências 4.ª Sendo que, no caso, a própria celeridade ou brevidade processual acabou prejudicada porquanto, uma vez que a testemunha indicada no articulado correspondia precisamente àquela que ia ser ouvida no mesmo dia e até foi, mas assim sendo à restante matéria, não se vislumbrava motivo ou escolho processual à não recolha imediata do seu depoimento também quanto aos factos enxertados no articulado superveniente.

  3. Os factos aduzidos pelos recorrentes no articulado superveniente são novos, uma vez que nunca foi discutido nos autos (motivo pelo qual são novos). Até porque os Recorrentes desconheciam o que se passava relativamente a fundos na conta do sacador e as relações internas entre este e o banco réu, designadamente, se havia ou não saldo ou fundos ou se a recusa de pagamento se estribava tão só nas indicações do sacador e que se estas não existissem o cheque seria pago.

  4. Os factos aduzidos pelos recorrentes no articulado superveniente são constitutivos, enquanto factos idóneos, segundo a lei substantiva, a fazer nascer ( ou no caso fazer medrar ), o direito que os autores se arrogam na lide que sustentam contra o réu.

  5. Poder-se-á discutir-se se são essenciais ou complementares, mas enquanto factos que dão origem a um direito dos autores ou o robustecem, parece inegável, na medida em que, como se disse no articulado superveniente e reitera : “ vêm reforçar e densificar que o dano sofrido pelos AA. foi efectivamente provocado pela conduta do banco R., ao actuar tão só com base nas indicações do Chamado e quando detinha fundos ou acordos com aquele para prover o pagamento do cheque. “ 8.ª Os factos ocorridos e narrados no articulado são necessariamente objectiva e subjectivamente supervenientes, porquanto, ocorreram entre a data da sessão de audiência de 20.06.2014 e a nova sessão em que foram alegados, 06.02.2015.

  6. Acresce que anteriormente ao ocorrido no contacto telefónico estabelecido e narrado no articulado superveniente, jamais os autores sabiam se o sacador detinha saldo ou acordos com o banco que lhe permitiam ou lhe impunham o pagamento do cheque, ou seja, que o problema não era falta de provisão e que não fora as indicações do sacador e o banco teria pago.

    Tratava-se de uma realidade virtual completamente desconhecida.

  7. Finalmente, os factos são relevantes, desde logo assumem relevo, como se assinalou no articulado e transcreveu na conclusão 7.ª.

  8. Acresce que alguma recente jurisprudência, vem até sustentando a necessidade do tribunal, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao caso, dever apreciar a conduta do banco no que tange à existência ou não de fundos ou de que não fora a comunicação do sacador e o cheque poderia ser pago.

  9. E neste desenvolvimento, o douto despacho cortou cerce os direitos dos recorrentes, devendo até dizer-se que, dada a recente interpretação daquela jurisprudência, violou por acção o dever de cooperação, no sentido admitir a correcção de uma eventual insuficiência ou imprecisão da matéria de facto, art.º 590.º n.º 2 al. b) e 4 do Cód. Proc. Civil.

  10. Mais, cabe até o tribunal « a quo » acautelar uma eventual anulação da decisão superiormente determinada pelo tribunal superior, que por razões de justiça material, pode determinar nos termos do mecanismo a que alude o art.º 662.º n.º 2 al. c) do Cód. Proc. Civil, o cumprimento do dever de cooperação. O que redunda afinal em prejuízo e afronta do princípio da celeridade processual.

  11. E a circunstância de se referir na decisão recorrida, “ … que o processo já se encontra consolidado …. “, não é óbice á admissibilidade do articulado superveniente, sendo repetida a jurisprudência segundo a qual, em homenagem à concretização da justiça, nem sequer impediriam à alteração da causa de pedir, no caso de se entender existir tal mutação.

  12. Pelo que e em resultado dos motivos expostos e com as violações da lei apontadas nas anteriores conclusões, o douto despacho recorrido violou em especial e por decorrência, o regime previsto no art.º 588.º do Cód. Proc. Civil.

    Não constam dos autos contra alegações.

    Entretanto, em 12-3-2015 foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «…decide-se julgar a acção integralmente procedente, porque provada e, em consequência, condena-se o Réu, Banco B, SA, a pagar à 1ª Autora, BC, Ldª, a quantia de €20.000,00 acrescido de juros vencidos e vincendos, contados desde 23.7.2008, que à data da apresentação da acção se computam em €5.730,91, totalizando €25.730,91, e os contados a partir da apresentação da acção, à mesma taxa legal, e até efectivo e integral pagamento».

    Apelou o R. concluindo nos seguintes termos a respectiva apelação de recurso: A acção foi interposta por duas Autoras, sendo a 1ª Autora, a sociedade B, Lda. a beneficiária do cheque no valor de € 20.000,00 emitido por Hélio J. e sacado sobre conta do Banco B.

    O Banco B não procedeu ao pagamento do cheque, aceitando as instruções recebidas do seu cliente, o sacador, tendo o cheque sido devolvido em 23.07.2008, com a menção de “falta ou vício na formação da vontade”.

    A declaração prestada pelo sacador foi a seguinte: “Venho por este meio solicitar que registem o impedimento do cheque no valor de € 20.000,00, pré datado para dia 20 de Julho de 2008, pelo motivo de falta na formação da vontade. O construtor não cumpriu com os prazos inicialmente acordados para a conclusão da nossa habitação pelo que não se verifica o pagamento do mesmo”.

    A sociedade B, Lda. endossou o cheque à 2ª Autora, LMS, que o depositou na sua conta junto do Banco Espírito Santo.

    A sociedade B, Lda. confessa, no artigo 3º da p.i., que o cheque foi transmitido à 2ª Autora para pagamento de dívida relacionada com serviços que esta prestou à 1ª Autora.

    A...

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