Acórdão nº 11334/14.7T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | ONDINA CARMO ALVES |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO ANTÓNIO -------, residente em -------, veio instaurar, em 04.06.2014, processo especial de revitalização, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2 e 17º-A a 17º-I, todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Alegou, para tanto que: 1. O requerente trabalhou, durante sete anos – até 2007 – na empresa “Serviços Técnicos, SA.”, desempenhando as funções de coordenador de equipa de manutenção industrial e gestão energética de estruturas comerciais e industriais.
-
Em 2007, a supra identificada empresa decidiu propor ao requerente a rescisão do contrato de trabalho (basicamente por se terem operado, nesse ano, reestruturações internas substanciais).
-
Assim, e encontrando-se consequentemente no desemprego, o requerente decidiu aplicar as indemnizações percebidas, o montante relativo ao subsídio de desemprego a que teve direito e ainda as suas próprias economias, na criação do próprio emprego.
-
Dados todos os passos necessários para o efeito, criou então a empresa “Space, Lda.”, arrendando para o funcionamento da empresa criada um espaço em Entrecampos, Lisboa.
-
O conceito desenvolvido e implantado pelo requerente englobava um CyberCafé, biblioteca, galeria de pintura, espaço para lazer e concertos de música ao vivo e, ainda, um espaço de loja para reparação e comercialização de equipamento informático.
-
Nos anos seguintes empenhou-se no sucesso económico-financeiro da empresa criada, com o seu próprio trabalho pessoal como gerente e executor de todas as tarefas necessárias para o efeito.
-
A empresa criada pelo requerente demorou demasiado tempo a atingir sustentabilidade, o que desde logo obrigou o requerente a tomar medidas no sentido de obviar a este problema.
-
Por sua iniciativa e responsabilidade, substituiu alguns dos empregados inicialmente previstos, passando ele próprio a assegurar os horários de abertura e fecho do estabelecimento, e acumulando tarefas várias como a realização de todas as compras necessárias para a cafetaria, a própria produção alimentar, a orientação do técnico informático que assistia a loja e dava apoio ao CyberCafé, a coordenação do calendário do espaço de exposições e variedades...
-
Apesar de todas as medidas tomadas e esforços desenvolvidos, a empresa continuou a não apresentar sustentabilidade, pois representava um conceito inovador, à época, o que dificultou a sua implementação, acrescendo a isto que a própria conjuntura económico-financeira do país se começava a apresentar desfavorável.
-
Com dificuldades de vária ordem, a empresa começou a acumular dívidas, nomeadamente com fornecedores, entrou em incumprimentos e a situação avolumou e começou a demonstrar-se difícil de sustentar.
-
Na tentativa de fazer face à descrita situação, o requerente aplicou todas as suas reservas financeiras pessoais na empresa, tendo igualmente recorrido a familiares e amigos que lhe foram concedendo auxílios, uma vez que as suas próprias capacidades se esgotaram.
-
De permeio, no ano de 2011, ainda fez uma última tentativa no sentido da recuperação financeira da empresa em questão, tendo alterado o conceito que inicialmente presidira para a vertente única de bar-restaurante.
-
Esta alteração implicou, porém, mais um investimento avultado, esgotando totalmente a sua própria capacidade financeira e comprometendo-o também totalmente junto dos familiares e amigos que desde sempre o auxiliaram.
-
Com a sua capacidade financeira totalmente esgotada e sem poder recorrer mais às ajudas daqueles que tanto o haviam auxiliado – por se demonstrar igualmente impossível que o continuassem a fazer – já sem forma de recorrer a qualquer apoio, decide fechar o estabelecimento e suspender a actividade da empresa, que se encontrava, e encontra-se, insolvente.
-
Com a saúde debilitada pelo desgaste que implicou todo o esforço despendido (passou entretanto o requerente por alguns episódios clínicos relacionados com cansaço e esgotamento nervoso).
-
O requerente havia celebrado, em 30 de Janeiro de 2002, um Contrato de Mútuo com a Caixa Geral de Depósitos, empréstimo contraído em sede de Crédito Habitação/Hipotecário, para aquisição de habitação própria, encontrando-se a pagar as prestações mensais para liquidação do celebrado contrato, o que sempre cumpriu, e continua a cumprir para com este credor com muito esforço, 17. Só muito recentemente se verificaram atrasos no cumprimento, o que originou alterações no regime aplicado ao mencionado contrato de mútuo, nomeadamente no que concerne ao Regime propriamente dito, à alteração do prazo aplicado, e à introdução de um período de carência de capital por 12 meses.
-
Esta alteração de aplicação de período de carência de capital foi muito insistentemente solicitada pelo próprio requerente, consciente da sua grave actual situação financeira.
-
O devedor está a exercer uma actividade como prestador de serviços, conseguindo mensalmente um rendimento variável entre € 400 e € 500.
-
Tem também o requerente parte da sua casa arrendada por € 200,00 mensais, e tais rendimentos vão permitir-lhe pagar ao seu credor hipotecário.
-
Relativamente aos outros credores, particularmente a Segurança Social, cuja dívida está neste momento em processo de reversão ainda não concluído, o devedor necessita da sua boa vontade negocial, para “repartindo o mal pelas aldeias“, evitar que o devedor entre em insolvência, o que crê ainda ser possível e evitável.
-
A situação em que se encontra deve-se basicamente ao insucesso da empresa que criou, e que com a conjuntura económico-financeira actual, acabou por levantar estas dificuldades ao devedor.
-
O requerente encontra-se em situação económica difícil e mesmo numa situação insolvência eminente se nada for feito.
-
Mas, a insolvência não tem que ser uma inevitabilidade, pois o requerente é um empreendedor e um lutador e não desiste, primeiro porque ainda tem idade e capacidade de trabalho, segundo porque continua a contar com a ajuda de familiares e amigos, e terceiro, e mais importante porque acredita em si próprio, 25. Acredita o requerente que dispondo mensalmente de 700/ 800 euros, através de um pequeno acerto no crédito hipotecário, que aliás louve-se já demonstrou recentemente essa disponibilidade para reanalisar o assunto em sede de revitalização, 26. E caso o Instituto da Segurança Social conceda o prazo especial máximo de 150 prestações, o devedor recuperar-se-á financeiramente, até porquanto tem perspectivas de emprego melhor remunerado.
-
O devedor apresentará um plano exequível e equilibrado e conta ter disponibilidade dos seus credores para aderirem ao mesmo.
-
Requer-se ainda, nos termos do disposto no art. 32º do C.I.R.E., que como Administradora Judicial Provisória seja designada a Sra. Dra. ----- que consta da lista, com larga experiência e idoneidade reconhecida.
O processo foi instruído com uma declaração escrita do requerente e de um alegado credor, no sentido de encetar negociações, tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação (artigos 17º-A e 17º-C, n.º 1 do CIRE).
Foram apresentados os documentos elencados no artigo 24º, n.º 1 do CIRE.
Na sequência da apresentação deste requerimento, teve lugar o seguinte iter processual: 1) Em 27.06.2014, e uma vez que o requerente não havia procedido ao pagamento da taxa de justiça, foi proferido o seguinte Despacho ( fls. 37 ): Concede-se à requerente 10 dias para regularizar a sua situação relativa ao pagamento da taxa de justiça.
2) Em 18.07.2014 e comprovado que ao requerente havia sido concedido o pedido de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça, foi proferido o seguinte Despacho (fls. 44): A fls. 15 dos autos, mostra-se junta “Declaração conjunta para efeitos do disposto no artigo 17º-C do CIRE”.
Referir-se-á, o Devedor, à declaração a que alude o nº 1, desse preceito legal; declaração que conterá manifestação da vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores.
Ocorre que “José -------” que, naquela Declaração, manifesta a sua vontade na qualidade de credor, não consta da Relação de Credores junta aos autos a fls. 17.
Assim, notifique-se o Devedor para esclarecer em conformidade devendo, em cumprimento do disposto pelo art. 24º, nº 1, al. a), do C.I.R.E. (cfr. art. 17º -C, nº 3, al. b), do mesmo C.I.R.E., em dez dias, sendo o caso, identificar devidamente o crédito em causa.
3) Em 25.07.2014, o requerente apresentou requerimento com o seguinte teor (fls. 46-49): 1. José ---- é, de facto, credor do requerente, 2. Sendo o credor que conjuntamente com o requerente/devedor assina a “ Declaração conjunta para efeitos do disposto no artigo 17º-C do C.I.R.E.“.
-
Foi unicamente por lapso da mandatária subscritora que o credor em questão não se encontra arrolado na Relação de Credores junta aos autos.
-
Nesta conformidade, vem o devedor pelo presente esclarecer, relativamente ao credor José -----, ser este Detentor de um crédito proveniente de contrato de mútuo, no montante de € 700,00, à data totalmente vencido, 5. Solicitando desde já se digne V.Exa. admitir a sua inclusão na Relação de Credores junta aos autos a fls. 17.
Termos em que, e com o mui douto suprimento de V.Exa., dando cumprimento ao disposto na alínea b) do nº3 do artigo 17º-C, e alínea a) do nº 1 do artigo 24º, ambos do C.I.R.E., requer se digne V.Exa. admitir à Relação de Credores, José ------, devidamente identificado na Declaração junta aos autos a fls. 15.
4) Em 13.08.2014, apresentou, o requerente, o seguinte requerimento (fls. 51-53): (…) vem pelo presente relembrar V.Exa. de que o seu requerimento de início de processo tem data de registo, nos presentes autos, de 04-06-2014.
Tratando-se de um processo urgente, cuja legislação aplicável contempla uma maior celeridade processual, atentas as débeis situações financeiras de quem o intenta, como é do mui douto conhecimento de V.Exa...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO