Acórdão nº 2683/12.0TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Data01 Outubro 2015
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO: Em 16.5.2012 Amélia e Z, como 1.ºs Autores, e Rui e Iris, como 2.ºs AA., intentaram nos Juízos Cíveis de Lisboa ação declarativa, com processo sumário, contra A, S.A. e B, Lda.

Os AA. alegaram, em síntese, que a 1.ª R. é uma sociedade que se dedica à compra e venda de bens imobiliários e a 2.ª R. é uma sociedade que se dedica à gestão e exploração de equipamentos desportivos. Em 02.3.1998 os 1.ºs AA. compraram à 1.ª R. um lote de terreno para construção sito na Herdade (…), concelho de Almada. Em 07.11.2000 os 2.ºs AA. compraram à 1.ª R. um lote de terreno para construção também sito na Herdade (…). Sucede que, sem advertência ou explicação prévia, aquando da celebração da escritura os AA. foram confrontados com uma condição da compra e venda, traduzida na obrigatoriedade de subscreverem um documento complementar. Esse documento complementar consubstanciava um contrato de prestação de serviços e é um contrato de adesão, cujas cláusulas não foram negociadas nem explicadas aos AA. e violam o disposto nos artigos 5.º, 21.º alínea b), 15.º, 18.º alíneas j) e l) e 13.º do RJCCG e art.º 13.º da CRP, sendo certo que aquando da contratação os AA. estavam convencidos de que os imóveis que haviam adquirido se integrariam num condomínio privado, vedado ao público, quando afinal tal não era verdade, tendo o Município de Almada ordenado administrativamente que as portarias com cancela que existiam na Herdade fossem retiradas. Mais afirmaram os AA. que as RR. não estavam a prestar os mencionados serviços, os quais de todo o modo fazem parte das atribuições e obrigações do Município e por conseguinte não devem ser cobrados aos proprietários, sendo certo que nem todos os proprietários tiveram de assinar o dito documento complementar.

Os AA. terminaram pedindo que fossem declaradas nulas as cláusulas que compõem o contrato (documento complementar) em questão, por violação dos dispositivos legais supra referidos e bem assim do art.º 8.º, alínea b) do RJCCG, e ainda que “todas as prestações cujo pagamento tenham sido exigíveis aos 1ºs e 2ºs AA. no âmbito dos serviços que as RR. alegam ter-lhes prestado, sejam consideradas ilegais e abusivas, assim se desonerando os 1.ºs e 2.ºs AA. de tal pagamento.” As RR. contestaram, por exceção e por impugnação. Por exceção, a 1.ª R. arguiu a sua ilegitimidade, na medida em que os contratos de compra e venda haviam sido celebrados entre os AA. e a sociedade C, S.A., após o que esta sociedade se fundiu, por incorporação na 1.ª R., com esta, e em 31.7.2007 a 1.ª R. foi objeto de cisão, com destaque de parte do seu património, o qual foi incorporado na ora 2.ª R., que assumiu todos os direitos e obrigações inerentes aos contratos de prestação de serviços objeto destes autos. As RR. arguiram ainda a existência de caso julgado quanto aos 1.ºs AA., na medida em que, em ação instaurada pela ora 2.ª R. contra os ora 1.ºs AA., estes foram condenados ao pagamento de prestações em atraso referentes ao contrato de prestação de serviços a que estes autos respeitam.

Por outro lado, está em discussão nos tribunais administrativos a questão da legalidade das ditas portarias com cancela, o que constitui questão prejudicial que deveria impor a suspensão da presente instância. Mais afirmaram as RR. que a C esclareceu devidamente os AA. quanto às cláusulas ora em crise, os quais concordaram expressamente com elas, sendo certo que já figuravam nos respetivos contratos-promessa. Segundo as RR., os imóveis dos AA. estão integrados num empreendimento turístico, estando sujeitos ao regime jurídico fixado no Dec.-Lei n.º 228/2009, de 14.9, o qual impõe aos proprietários a obrigação de contribuírem para as despesas comuns.

As RR. terminaram concluindo pela procedência das exceções arguidas, por provadas, com a consequente absolvição da instância “e” do pedido, “devendo por isso a presente acção ser julgada improcedente” (sic).

Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das exceções e requerendo alegada ampliação da causa de pedir, consubstanciada na alegação de que o “documento suplementar” não satisfazia as exigências do regime jurídico dos empreendimentos turísticos, devendo as respetivas cláusulas serem julgadas nulas também com esse fundamento.

As RR. opuseram-se à alegada ampliação da causa de pedir.

Por despacho datado de 22.01.2013 fixou-se à causa o valor de € 259 973,46 e consequentemente determinou-se que a ação passasse a ser tramitada como processo ordinário e fosse remetida à distribuição pelas Varas Cíveis de Lisboa.

Em 13.3.2013 foi proferido despacho saneador, no qual se absolveu a 1.ª R. da instância, por ilegitimidade processual, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado, indeferiu-se a requerida suspensão da instância e admitiu-se a ampliação do pedido e da causa de pedir. Mais se procedeu à seleção da matéria de facto assente e à fixação da base instrutória.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, em sessões realizadas em 17.9.2013, 18.9.2013, 08.10.2013, 26.11.2013 e 24.6.2014.

Em 14.9.2014 foi proferido despacho auscultando as partes acerca de eventual abuso de direito por parte dos 1.ºs AA., na modalidade de venire contra factum proprium.

Em 28.11.2014 foi proferida sentença em que se julgou a ação não provada e improcedente e consequentemente absolveu-se a 2.ª R. do pedido.

Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: I. Tendo por guia os Temas de Prova (artº 596º do CPC) o presente recurso adotou a metodologia legal (artº 640º do CPC) indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicando com exatidão as passagens da gravação onde se funda o presente recurso e terminando com a decisão que se entende deveria ter sido proferida. Invoca igualmente o presente recurso documentos, cuja relevância para a decisão se afiguram essenciais e cuja leitura se transcreve, dando-se todas as transcrições apresentadas por reproduzidas nesta sede, pois que indicam decisão diversa da que foi proferida.

  1. Quando a sentença afirma: “ Inexistindo verdadeira condição e sendo o documento complementar legalmente permitido, improcede qualquer argumento de surpresa.”, configura a denegação da justiça que os AA. vieram solicitar, pois é a R. que lhe chama condição, e que a utiliza em consonância na escritura de compra e venda tal como se encontra provado nos factos 6º e 8ª (respeitantes às escrituras de compra e venda dos lotes de terreno da Herdade …. dos aqui AA.) e patentearam os depoimentos de todas as testemunhas para as quais se remete conforme descriminado no corpo do recurso, nomeadamente Jacinto, José Artur, Francisco, José da Silva e António.

  2. Os AA. pretendem que seja valorada a situação partindo do pressuposto que no âmbito da liberdade contratual com as restrições próprias por se tratar de um contrato de adesão cuja redação se rege pelo Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), aprovado pelo DL 446/85 de 25 de Outubro com a última redacção conferida pelo DL 249/99 de 7 de Julho, tenham sido enganados quanto ao facto de se tratar a assinatura do contrato complementar de uma condição, sem a qual estes não poderiam ter adquirido o lote de terreno prometido, tal como se encontra gizado pela R.

  3. Do probatório transcrito verifica-se a falta da comunicação das cláusulas em termos de suficiente clareza e consciência do que as mesmas comportavam, além do mais, as mesmas foram impostas e partiram de um pressuposto igualmente erróneo, o facto de estarem convictos de que a Herdade da Aroeira se tratava de um condomínio fechado ou privado, verificando-se a violação do artº 5º do RJCCG, pelo que o contrato se encontra eivado de nulidade.

  4. As respostas aos temas de prova 3º e 4º e ainda o 11º, reapreciando a matéria de facto, conforme os depoimentos supra transcritos, para os quais se remete a pgs. 8 a 10, revelam que os promitentes-compradores assinaram um contrato que fazia referência aos eventuais serviços que viriam a ser prestados, mas a verdade é que estes nunca lhes foram explicados, muito menos negociados, e nem sequer que seriam sujeitos a contrato complementar a assinar, enquanto condição da outorga da escritura de compra e venda. E entende-se a coação a que foram sujeitos os compradores, que tendo já pago um sinal avultado (normalmente de 20% sobre o valor total da aquisição do terreno cfr. depoimento da testemunha ex-adv. da R.), a desistência do negócio o faria perder, como se sabe.

  5. Em conformidade com a prova produzida, e com as testemunhas dos AA. que não tem interesse na causa, - ao contrário das testemunhas da R. que sendo seus funcionários tem uma dependência hierárquica e financeira, notando-se que o legal representante da R. Dr. Pedro se encontrou presente nas audiências, precisamente no dia do depoimento das testemunhas da R. (cfr. depoimento transcrito supra a pg. 23 – os factos 26 e 27 da sentença deverão ser dados por provados, bem como o facto 19 deve ser dado por não provado.

  6. Sobre a prestação dos serviços como verificámos pelos depoimentos dos moradores e proprietários, estes não são prestados conforme o clausulado, ou seja não é feita a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização colectiva, acessos viários e pedonais, bem como o asseio dos mesmos, nem a manutenção da vedação que se encontra danificada, não há segurança activa, pois há furtos, introdução de vendedores de vários bens e a portaria é apenas uma encenação, factos que resultam suficiente e claramente provados com os depoimentos de Jacinto, José Artur, Francisco, José da Silva, António e Maria de Fátima.

  7. O pressuposto de que partiam os compradores dos lotes da HA, e designadamente os aqui AA. era que os serviços constantes do contrato complementar, seriam prestados no âmbito de um condomínio fechado, tal como se verifica dos depoimentos supra transcritos para os...

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