Acórdão nº 942/06.0TBCSC-C.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE VILA
Data da Resolução22 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO QUINTA DA MARINHA, S.G.P.S., S.A.

interpôs recurso do despacho que determinou que os senhores peritos em documento escrito por todos eles assinado, que constituirá complemento/aclaração do relatório pericial oportunamente elaborado, respondessem a determinadas questões, formulando as seguintes “CONCLUSÕES”: 1ª – O presente recurso vem interposto do despacho proferido na sessão de julgamento de 9mar12, em que se determina: "Ao abrigo do poder/dever do citado n.º 3 do art. 265º do CPC (. .. ) os senhores peritos em documento escrito por todos eles assinado, que constituirá complemento/aclaração do relatório pericial oportunamente elaborado, respondam às seguintes questões: 1. Qual o valor que o terreno onde foi implantado o Viveiro em causa nos autos tinha à data em que esse obra foi realizada? / 2. Qual o valor que o referido terreno passou a ter após a implantação do viveiro? / 3. Qual o valor da construção na data em que a mesma foi realizada ?.", que se reputa ilegal.

  1. - O despacho recorrido é ilegal, por violação do disposto no arts. 264º, 265º, 508º, 511º, 513º, 515º a 517º, e 568º e ss., em especial os arts. 568º, 569º, 577º, 578º, 586º, 587º, 589º (especialmente o nº 3), 590 e 591º, todos do CPC, e, ainda, os art. 341º e 342º do CC.

  2. - O Tribunal, ao proferir o despacho recorrido, está a exceder os limites do que a lei processual permite quanto ao poder/dever de aperfeiçoamento dos articulados e da actuação das partes.

  3. - A lei processual e substantiva são claras: a quem invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito que invoca. Se não conseguir satisfazer o seu onus probandi, recai contra si tal impossibilidade, i.e., tem-se por não provado o facto que lhe cabia provar através dos meios probatórios ao seu alcance.

  4. - Foi efectuada a perícia, a primeira perícia, com base em questões formuladas pelas partes e aceites pelo Tribunal, que mereceram a resposta que se dá por reproduzida. Os peritos concluíram pela impossibilidade de responder a muitas das questões formulada e responderam negativamente a outras.

  5. - Os AA., sobre quem recai o ónus probatório, na falta de resposta afirmativa ao por si alegado, insurgiram-se contra o primeiro relatório e requereram lima segunda perícia, e o Tribunal determinou que os peritos prestassem esclarecimentos, o que fizeram. Os peritos vieram esclarecer, no sentido de manter as suas respostas e que o que os AA. pretendiam era que o peritos respondessem a questões que não estavam formuladas, o que, obviamente, fugia do alcance da perícia ordenada.

  6. - O Tribunal, uma vez mais, não determinou que se procedesse a qualquer aperfeiçoamento - certamente por entender, e bem, que o "material" disponível era o que deveria ser tido em consideração, devendo ser esse, e não outro, a ser objecto de análise dos peritos e decisão do Tribunal.

  7. - Realizada uma segunda perícia, desta feita não por 3 mas por 5 peritos, todos engenheiros de formação (à semelhança dos primeiros 3), o resultado foi, uma vez mais, o de não poderem ser respondidas questões tal como formuladas, pelo que a resposta ou foi negativa ou no sentido de ser irrespondível. Fizeram-no, tal como os primeiros, com base em documentos em resposta às questões expressamente formuladas pelas partes, decalcadas da Base Instrutória, uma vez mais os AA. se insurgiram, manifestamente por perceberem que os factos por si expressamente alegados não estavam a ser demonstrados.

  8. - Uma vez mais o Tribunal pediu esclarecimentos aos peritos. Não determinou que se alterassem as questões formuladas, o objecto da perícia. Pediu esclarecimentos aos peritos. Os peritos, com excepção de dois, nada disseram, obviamente por entenderem nada terem a esclarecer. Dois deles vieram expressamente afirmar que nada havia a esclarecer e que não podiam ser dadas outras respostas às questões formuladas que não aquelas que foram dadas.

  9. - O Tribunal, uma vez mais, coerentemente, não determinou qualquer aperfeiçoamento nem alteração ao objecto da perícia. Determinou que os peritos comparecessem na audiência de julgamento para prestar "esclarecimentos", claramente em obediência ao disposto no art. 588º do CPC.

  10. - Os 5 peritos que realizaram a 2ª perícia compareceram na audiência de julgamento, tendo reiterado TODAS as conclusões a que chegaram, mormente a impossibilidade de responder às questões tal como formuladas - recorde-se, tal como formuladas pelas partes, leia-se, no caso, os AA., organizadas pelo Tribunal em sede de Condensação e elaboração da Base Instrutória e ratificadas pelo Tribunal quando indicado o objecto da perícia e as questões a responder pelos peritos (em ambas as perícias).

  11. - O que o Tribunal, perante a incapacidade dos AA. de provarem os factos por si alegados e vertido na Base Instrutória, e sob a invocação de um eventual non liquet, determinou, no despacho recorrido, que se procedesse a uma TERCEIRA PERÍCIA. Mais: determinou que se procedesse a uma TERCEIRA PERÍCIA a realizar pelos PERITOS DA SEGUNDA PERÍCIA.

  12. - O Tribunal determinou a realização de uma TERCEIRA PERÍCIA, a realizar pelos PERITOS DA SEGUNDA PERÍCIA. com um OBJECTO DIFERENTE das DUAS ANTERIORES PERÍCIAS.

  13. - Esta decisão do Tribunal é totalmente ilegal à luz das supra citadas disposições legais.

  14. - Resulta manifesto dos termos do despacho recorrido que se trata de muito mais do que um esclarecimento: alteração dos termos e das questões das perícias anteriores (objecto da perícia). Esclarecer é tornar claro, não é tornar diferente. Um esclarecimento não inova, desvenda, aclara.

  15. - O Tribunal não pode, como o faz, afirmar que, a não ser assim, cai numa situação de non liquet: Non liquet é a omissão de julgar por impossibilidade do Tribunal.

  16. - Nem sequer se torna necessário recorrer as disposições conjugadas, designada mente, dos arts. 8º, 9º e 10º do CC, que não só proíbem como permitem, em última análise, evitar tais decisões na falta, aparente ou real, de norma para o julgador aplicar.

  17. - O Que se trata aqui é da pura e simples aplicação das regras do ónus da prova. Cabia aos AA. provar os factos constitutivos do direito que alegam. Para tanto, tinham que alegar os factos, fazer a prova, a demonstração dos mesmos, através do meios probatórios ao seu alcance.

  18. - Se alegaram mal, se articularam mal - ainda que inspirados num pseudo-relatório técnico de avaliação -, se escolheram mal os meios probatórios, se erraram na indicação do objecto da perícia e nas questões a formular aos peritos, o desfecho é simples e inexorável, e vem previsto nas disposições conjugadas dos art . 341º e 342º do CC, e do art. 516º do CPC - em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, o tribunal decide contra a parte a quem o tacto aproveita.

  19. - Ou seja, nunca se poderá estar perante uma decisão de non liquet por o Tribunal não ter elementos para decidir, pela simples razão que quem tem que provar os factos constitutivos do direito alegado pelos AA. e previstos no art. 1340º do CC - acessão industrial imobiliária ., são os AA ..

  20. - Se não conseguem fazê-lo, mormente por terem colocado as questões em termos que não podem ser respondidas, o Tribunal apenas tem que decidir em conformidade com tal circunstância - contra a parte que alega os factos e não consegue demonstrá-los.

  21. - Por outro lado, não pode nem deve o Tribunal, dir-se-ia paternalisticamente, "emendar a mão" dos AA. e, inclusive, do próprio Tribunal, alterando, em sede de audiência de julgamento c sem base legal para o efeito, os dados da questão, suprindo as deficiências e omissões que entende estarem verificadas.

  22. - O invocado art. 265º, do CPC, no qual o Tribunal estriba o despacho recorrido, vem na imediata sequência do art. 264º, que consagra o princípio do dispositivo em processo civil.

  23. - Ou seja, com o art. 265º pretendeu o legislador mitigar o carácter essencialmente dispositivo do processo civil, de forma a afastar algumas das consequências perversas de deixar as partes ao seu pleno autocontrole. O Tribunal, dentro dos limitados poderes que a lei processual lhe confere, pode ir conduzindo o processo de forma a aperfeiçoar algumas da deficiências, omissões das partes e dos actos por esta praticados ou omitidos.

  24. - Cabe ao Tribunal dirigir os actos processuais, não substituindo-se às partes mas auxiliando-as, levando-as ao caminho certo, dentro dos limites do razoável.

  25. - É neste contexto que o Tribunal pode realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

  26. - Só que as regras do processo estão claramente definidas quanto à matéria aqui em causa. Não foi algo que se tenha colocado pelo primeira vez ao Tribunal ou às partes.

  27. - As partes articularam e requereram, conscientemente, o que pretendiam ver articulado e requerido. Uma e várias vezes foram confrontados com as posições dos peritos, dos 5 peritos, em que os 3 primeiros se pronunciaram por duas vezes por escrito e os Outros 5 por escrito e oralmente, em audiência.

  28. - O Tribunal, que aliás procedeu à elaboração da Base Instrutória e aceitou as questões formuladas para efeitos de objecto da perícia, não entendeu necessário qualquer intervenção, mormente ao abrigo do disposto no nO 3 do art. 265º ou ao abrigo de qualquer outra regra especialmente aplicável quer ao aperfeiçoamento dos articulados quer à realização das perícias.

  29. - Se dúvidas houvesse acerca da necessidade e possibilidade de o Tribunal ter intervindo, a montante do julgamento, para convidar ao suprimento de deficiências, ao aperfeiçoamento de peças e ou diligências pr obatórtas, elas nunca poderiam existir acerca da intempestividade de tal intervenção em plena audiência de discussão e julgamento.

  30. - Intempestivas e, acima de tudo, ilegais por falta de base legal para o efeito. O Tribunal não pode, nem ao abrigo do disposto no nº 3 do art...

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