Acórdão nº 761/1998.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução29 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Carlota intentou contra João, Henrique e Luís, todos identificados nos autos, a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, pedindo que fossem declaradas nulas todas as procurações passadas pela autora ao primeiro réu e nula a compra e venda do prédio “Cerrado” aos réus Henrique e Luís, outorgada pelo réu João no uso de uma dessas procurações.

Alegou em síntese: É proprietária de diversos prédios urbanos e rústicos, nomeadamente do prédio urbano para construção, sito em (…), denominado "Cerrado", e do prédio urbano sito na Rua B, em Lisboa.

Em relação ao primeiro prédio, necessitava de proceder à rectificação das respectivas áreas e, em relação ao segundo, tinha pendente a regularização da situação de várias habitações.

Razões pelas quais foi indicado à autora o primeiro réu como sendo pessoa de toda a confiança e que poderia resolver tais situações, que anteriormente tinham sido confiadas a solicitadores e a advogados, indicação feita pelo cunhado da autora, Neto.

Para esse efeito, em dia que não sabe precisar da última semana de Junho de 1997, no escritório do 1.º R., a autora assinou, por extenso, duas folhas escritas em computador, que não lhe foram lidas, nem foi explicado o seu conteúdo.

Após o que, deslocando-se ao (…) Cartório Notarial de Almada, assinou mais duas folhas já escritas, que lhe foram apresentadas por uma funcionária do Cartório, sem que, mais uma vez, nada lhe tivesse sido lido ou explicado.

Mais tarde, entre Setembro e Outubro de 1997, o 1.º R. sugeriu a emissão de uma nova procuração, para substituir as anteriores e conferir também poderes ao cunhado da A., Neto.

E, em dia impreciso do mês de Outubro se 1997, a A. voltou a deslocar-se ao escritório do 1.º R., onde, lhe foi apresentada uma única folha, já escrita em computador, que a A. assinou no fim, sem que a mesma lhe tivesse sido lida ou explicada.

Não assinou qualquer outra procuração, nem apôs qualquer rubrica.

Já no mês de Julho de 1998, depois de terem sido levantadas suspeitas sobre a actuação do 1.º réu, a autora pediu cópia das procurações emitidas e verificou que os poderes conferidos ao 1.º réu eram muito mais vastos do que havia sido combinado, pois que nunca incumbiu este réu de negociar o que quer que fosse com a Câmara Municipal de (...) ou com o IPPAR, nem de constituir a propriedade horizontal no prédio da Rua B, em Lisboa; e nunca o incumbiu de vender qualquer dos seus prédios, nem aceitou conferir-lhe poderes irrevogáveis e com a faculdade de substabelecer e de fazer negócio consigo mesmo, com dispensa de prestação de contas.

Por escritura de 07-08-1998 o ora 1.º réu, fazendo uso de uma das procurações de 17-10-1997, vendeu aos segundos réus os três prédios urbanos que constituem o “Cerrado”.

A venda foi feita pelo preço de oitenta milhões de escudos, mas na escritura foi declarado o preço de sessenta milhões de escudos.

Não foi dado conhecimento desta venda à autora.

As procurações em causa são falsas, pois que nenhuma delas foi outorgada em instrumento notarial, perante a Ajudante do Notário, com as formalidades que delas constam, nas datas nelas indicadas e, sobretudo, a autora não conferiu os poderes que delas constam.

No dia 18 de Junho de 1997, data que consta de uma das procurações, a autora não se deslocou a Almada. E também não o fez no dia 17 de Outubro de 1997, data em deu entrada numa clínica, de onde saiu no dia 20 de Outubro.

Ao assinar as cinco folhas que lhe foram apresentadas, duas no escritório do 1.º réu em Junho de 1997, outras duas no (…) Cartório Notarial de Almada, no mesmo dia, e a última no escritório do 1.º réu em Outubro de 1997, a autora não teve consciência, nem conhecimento dos poderes que estava a conferir.

Pelo que essas procurações são anuláveis por erro.

Os segundo e terceiros réus, tinham conhecimento de que a autora não queria vender o Cerrado, e de que o 1.º réu não tinha poderes conferidos pela autora para esse fim.

O primeiro réu opôs em síntese: São total ou parcialmente falsos todos os factos alegados na petição inicial, com excepção de parte do alegado no seu art. 1.º.

As procurações foram emitidas e assinadas pela autora nos precisos termos que delas constam, sendo o seu teor e os poderes por elas conferidos do conhecimento e vontade da autora, que contratou, sucessivamente, o primeiro réu para legalizar o seu património, negociar a desocupação de prédios arrendados e proceder à sua venda, incluindo o prédio denominado "Cerrado" e o prédio urbano sito na Rua B, em Lisboa.

Tendo em vista as despesas que iria efectuar, e que só seriam reembolsáveis a longo prazo com a concretização dos negócios em vista, e por temer que, após todas as diligências, lhe revogassem os poderes conferidos, privando-o de auferir as respectivas comissões, solicitou que a procuração a conferir fosse irrevogável, o que é, aliás, usual neste tipo de mandato.

Foi o Neto quem, através de uma funcionária do 1.º réu, Manuela, procedeu à marcação da procuração outorgada a 18-06-1997, tendo escolhido Almada porque, tendo a autora um familiar no Cartório Notarial de (...), não queria que a sua vida fosse objecto de comentários.

A procuração de 23-06-1997 destinou-se a completar a procuração de 18-06-1997, a qual não identificava o prédio objecto da cedência a efectuar à Câmara de (...), nem englobava outros poderes conferidos pela autora ao réu.

As procurações outorgadas no dia 17-10-1997 tiveram em vista cobrir todo o mandato conferido ao 1.º réu e ainda clarificar o alcance do mandato individual conferido ao 1.º réu, o qual divergia do outro procurador – Neto – na forma de conduzir as negociações dos prédios “Cerrado” e da Rua B.

O Neto não concordava que o prédio “Cerrado” fosse vendido a pessoas de (...), defendendo o réu João que a venda devia ser feita pela melhor oferta. E enquanto o réu João negociava a desocupação do prédio da Rua B, o Neto procedia a novos arrendamentos.

As procurações outorgadas no dia 17-10-1997 tiveram por objectivo tornar claro que, no que se refere a estes dois últimos prédios, o 1.º réu não tinha que agir de acordo com o Neto, devendo apenas prosseguir o melhor interesse da mandante.

E a autora sempre teve à sua disposição cópias das procurações.

Não entregou ao Neto os documentos juntos sob os n.º 4, 5 e 6 com a petição inicial, até porque os juntos sob os n.º 4 e 5 não correspondem às procurações emitidas nesses dias e arquivadas em Cartório.

O Neto participou nas reuniões realizadas na Câmara Municipal de (...) que conduziram à cedência, a esta Câmara, da parcela de terreno com 144 m2.

Foi a autora quem remeteu os 2.º e 3.º réus para o 1.º réu, quando aqueles manifestaram, junto dela, a intenção de adquirir o “Cerrado”.

Em Julho de 1998 foi solicitado ao réu João, pelo Neto, filho e genro, que assinasse documentos relativos à venda de um prédio da autora sito em (...), pelo valor de Esc. 60.000.000$00.

Depois de os ter esclarecido de que esse prédio era passível de loteamento, com o que valeria mais de 200.000.000$00, o réu recusou-se a assinar e informou o Neto de que pretendia ter uma reunião com a autora para a por ao corrente dos negócios que o filho do Neto andava a tentar fazer.

No seguimento foi ameaçado, perseguido e impedido de falar com a autora.

Quando foi contactado, através da sua mulher Maria F., para revogar as procurações no Cartório Notarial de Almada, informou que revogaria as procurações na condição de ter uma reunião prévia, apenas com a autora, para prestação de contas.

O prédio “Cerrado”, composto por barracões e ocupado por inquilinos, foi vendido pelo seu valor de mercado.

Também foi com o conhecimento da autora que foi posto à venda o prédio da Rua B, em Lisboa.

E só não lhe foi dado conhecimento da proposta de compra do Eng. Brito, uma vez que a mesma se furtou a qualquer reunião com o 1.º réu.

Pediu a condenação da autora, como litigante de má fé, em indemnização não inferior a Esc. 250.000$00 e nos honorários dos seus mandatários.

Os demais réus opuseram, também em síntese: São terceiros de boa fé.

Compraram por justo título e fizeram registar a sua aquisição.

Foi o cunhado da autora, Neto, quem forneceu ao réu Luís o contacto do réu João para negociar os prédios vendidos pela escritura dos autos.

A autora e o seu cunhado Neto disseram, perante o réu Henrique e perante terceiros, designadamente o presidente e um vereador da Câmara Municipal de (...), que era o réu João quem decidia sobre o património da A., quem punha e dispunha e com quem tudo deveria ser tratado.

Desconhecem, e não tinham a obrigação de conhecer, eventuais vícios das procurações emitidas.

Concluíram pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má fé a pagar as despesas com a demanda e os honorários aos seus mandatários.

E, na hipótese de o pedido de declaração de nulidade ser julgado procedente, pediram, em reconvenção, que a A. fosse condenada a entregar-lhes o montante de Esc. 60.000.000$00, correspondente ao preço do negócio, acrescido de juros de mora desde a data da escritura.

A autora apresentou réplica, admitida no que respeita à contestação dos segundos réus, reafirmando, designadamente, desconhecer o preço pelo qual foi efectuada a compra e venda cuja nulidade vem invocada, e nada ter recebido desse preço.

Os autos prosseguiram para julgamento, realizado com registo da prova produzida, tendo a matéria de facto sido decidida pela forma que consta de fls. 1067 a 1089.

Ambas as partes apresentaram alegações sobre o aspecto jurídico da causa.

A autora concluiu essas alegações nos seguintes termos: a) A escritura de compra e venda não menciona qual o instrumento que conferiu os poderes ao 1° R para a celebrar, tendo, por isso, nela intervindo o 1° R. praticando um acto de representação sem poderes, nos termos do artigo 268° do Código Civil; b) Nenhuma das procurações de 17.10.97, que segundo a matéria de facto assente no despacho...

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