Acórdão nº 136/12.5TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução22 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO A instaurou, em 12 de janeiro de 2012, na então 6.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa (Instância Central, 1.ª Secção), contra B, S.A., e C, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que os Réus fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhe as quantias de € 159 970,05 e de € 443,05, a título de renda mensal vitalícia, desde 1 de janeiro de 2012, anualmente atualizada, todos os gastos que a Autora vier a efetuar por efeito da intervenção cirúrgica, e ainda as quantias despendidas, a partir de 1 de janeiro de 2012, com os custos de ajuda de terceira pessoa, a liquidar ulteriormente.

Para tanto, alegou, em síntese, que foi submetida a uma intervenção cirúrgica, nomeadamente ao alongamento do tendão de aquiles a céu aberto, osteotomia do primeiro metatarso e alongamento tendinoso, em 23 de janeiro de 2009, no B, pelo ortopedista R. C; ainda internada, foi transferida, em 23 de fevereiro de 2009, para o serviço de nefrologia do D, com grave infeção do “trato urinário” e insuficiência renal; em 8 de março de 2009, regressou ao B, onde permaneceu até 23 de junho de 2009, a fim de ser sujeita a cuidados de reabilitação, sendo depois transferida para o Centro de Medicina e Reabilitação Alcoitão, no qual permaneceu até 9 de novembro de 2009; por efeito da intervenção cirúrgica, ficou com uma incapacidade permanente de 85 %, apenas se podendo deslocar na via pública com o auxílio de uma cadeira de rodas e vendo-se impossibilitada de exercer as funções de professora de música e privada de auferir, definitivamente, rendimentos do trabalho; vive na dependência de terceiras pessoas, com uma empregada a tempo inteiro; teve gastos médicos, medicamentosos e equipamentos protésicos e outros, no valor de € 59 970,05, e mais terá no futuro, para além de outros danos; sofreu ainda profundos danos morais em virtude das referidas lesões, perdendo toda a sua autonomia e independência, não obstante a leve paralisia cerebral de que antes padecia.

Contestou o R. B, por exceção, arguindo a sua ilegitimidade, por ser o R. médico a agendar a intervenção cirúrgica, que teve lugar no B por efeito de um contrato de utilização das suas instalações, e por impugnação. Em reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 5 883,72, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação, pelos cuidados de saúde prestados à A.

Contestou também o R. C, excluindo qualquer responsabilidade na incapacidade descrita, sendo a A. portadora de uma IPP de 70 %, antes da intervenção cirúrgica, assim como de uma fratura mal consolidada do pé direito; a intervenção cirúrgica atingiu todos os objetivos pretendidos, tendo o metatarso consolidado e os tendões adquirido a mobilidade que se antevia; para além de impugnar ainda os danos alegados, concluiu pela sua absolvição do pedido e requereu a intervenção acessória de E.

Replicou a A., pronunciando-se pela improcedência da exceção de ilegitimidade passiva e impugnando a reconvenção.

Admitida a intervenção acessória, contestou também a Interveniente E, alegando, designadamente, a ausência sobre si de qualquer direito de regresso do R. C, a ilegitimidade para intervir e a inexistência da obrigação de indemnizar, e concluindo pela improcedência da ação.

O R. C respondeu ainda à contestação da Interveniente.

Oportunamente, em 1 de março de 2013, foi proferido o despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva arguida pelo R. B, e foi organizada a base instrutória, da qual reclamaram todas as partes, tendo sido proferida decisão, parcialmente favorável, nos termos de fls. 653 a 658.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 21 de maio de 2014, sentença, que condenou os Réus, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 94 752,82, e absolveu a Autora do pedido reconvencional.

Não se conformando com essa decisão, recorreu o Réu C e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

  1. Deveriam ter sido julgados não provados os factos descritos na sentença nos pontos 19, 23, 24, 25, 28, 30, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 41, 42, 43, 51 e 63; e deveriam ter sido julgados provados os factos que a sentença não considerou provados, nomeadamente os pontos 13, 17, 18, 19 e 20.

  2. Não existe prova de qualquer ato contrário às boas práticas médicas, como a anestesia e a cirurgia foram aplicadas e realizadas de forma normal e correta.

  3. Não se pode afirmar o nexo causal entre os atos anestésicos e cirúrgicos e os danos.

  4. A responsabilidade pela “escolha” da Interveniente, como anestesista apta a intervir na cirurgia, cabe apenas ao R. B Hospital.

  5. Ao cirurgião não cabe, dentro da autonomia que existe entre as especialidades, qualquer dever ou obrigação de impor à anestesista conduta diferente, como resulta dos artigos 34.º e 36.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13 de janeiro.

  6. O princípio do art. 800.º do Código Civil não vale para o médico anestesista ou outros especialistas que intervenham em relação de paridade com o cirurgião.

  7. Existe contradição na fundamentação, com a consequente nulidade da mesma quanto à condenação do Apelante.

  8. Mostra-se provada a realização quer da cirurgia quer da anestesia, sem qualquer desconformidade com as boas práticas médicas.

  9. Ainda que o Apelante fosse responsável, nunca poderia ser condenado a indemnizar por valor superior a € 37 210,00.

  10. A sentença é nula, por contradição, entre os seus fundamentos e a decisão proferida quanto ao Apelante e, quando assim se não entenda, viola o disposto nos artigos 342.º, 358.º, 483.º a 510.º, 800.º, todos do Código, 2.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, 34.º e 36.º do Regulamento n.º 14/2009, de 13 de janeiro.

    Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que o absolva do pedido.

    Igualmente, recorreu a Interveniente, que, tendo alegado, extraiu, em resumo, as seguintes conclusões:

  11. A sentença tem em falta, pelo menos, a identificação do concreto facto lesivo, a culpa do agente e o nexo de causalidade.

  12. O chamamento da Interveniente não é admissível, não se lhe podendo aplicar os efeitos do caso julgado.

  13. A sentença recorrida enferma de erro nos pressupostos de facto valorando factos que não seriam de valorar e, por outro lado, desprezando factos que deveriam ter sido levados em consideração na decisão.

  14. Importa uma reapreciação da prova, nomeadamente quanto às matérias dos quesitos 9.º, 11.º, 17.º, 18.º, 21.º e 50.º.

  15. O Tribunal dá como realizada segundo as boas práticas e as boas técnicas tanto a anestesia como a cirurgia ortopédica.

  16. Na consideração de danos patrimoniais, a sentença erra o cálculo da parcela correspondente a lucros cessantes.

  17. A sentença não dá como preenchido em concreto o pressuposto da culpa, que não se mostra provada.

  18. A sentença é nula, por manifesta contradição entre os factos e os fundamentos invocados e por falta de fundamento factual.

  19. A sentença é ainda nula por violação dos artigos 483.º, 487.º, 496.º e 342.º do Código Civil.

    Pretende, com o provimento do recurso, que seja declarada nula a sentença e a mesma substituída por outra não condenatória.

    Recorreu ainda o Réu B Hospital, que, tendo alegado, formulou em síntese as seguintes conclusões:

  20. O Tribunal a quo, ao ter julgado improcedente a exceção dilatória, fez uma má aplicação dos artigos 26.º, n.º 3, 494.º, alínea e), e 493.º, n.º 2, do CPC/1961.

  21. A sentença é nula, por obscuridade, ambiguidade, omissão de pronúncia e excesso de pronúncia, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

  22. Os pontos de facto 19, 20, 24, 29, 43, 44, 46 e 51 padecem de erro de julgamento, assim como os 12, 14, 15, 16, 17, 18 e 20, factos considerados não provados.

  23. O Tribunal violou os artigos 607.º, n.º 2, 5.º, n.º 3, do CPC, e 20.º da Constituição da República Portuguesa, por não ter tomado posição clara e inequívoca sobre o regime legal de responsabilidade civil aplicável ao caso.

  24. O Tribunal errou, igualmente, na aplicação dos artigos 800.º ou 490.º do Código Civil, para fundar a decisão da sua responsabilização.

  25. Não resultou reunida prova que permita concluir no sentido da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (artigos 483.º e seguintes e 798.º do Código Civil).

  26. O quantum indemnizatório atribuível, como compensação dos danos futuros pela perda de rendimentos, sempre teria que ser num valor substancialmente inferior ao apontado na sentença.

  27. O Tribunal fez uma má aplicação dos artigos 483.º, n.º 1, 487.º, 496.º, 563.º, 564.º, 566.º, 798.º e 799.º, todos do Código Civil.

  28. Errou, igualmente, na absolvição da Autora do pedido reconvencional, por má aplicação dos artigos 800.º e 490.º do Código Civil.

    Pretende, com o provimento do recurso, a revogação das decisões recorridas e a sua absolvição da instância ou do pedido, bem como a condenação da Autora no pedido reconvencional.

    Não foram apresentadas contra-alegações pela A.

    Não foi proferido o despacho previsto no art. 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

    Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    Nos recursos interpostos, está em discussão, essencialmente, a legitimidade passiva, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a nulidade da sentença e a responsabilidade civil médica.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Pela 1.ª instância, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

    A A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica no dia 23 de janeiro de 2009 no B.

    1. A cirurgia foi efetuada pelo R. C, ortopedista, a qual consistiu no alongamento do tendão de aquiles a céu aberto, osteotomia do primeiro metatarso e alongamento tendinoso.

    2. No relatório elaborado, no dia 23 de junho de 2009, junto a fls. 24 e 25, o R. C fez constar, além do mais, que “no pós operatório entre as 24 e as 48 horas detetou-se um quadro de parésia do membro inferior...

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