Acórdão nº 273-08.0TVLSB.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: * I – C.R. intentou acção declarativa com processo ordinário contra J.M. e «C – Clínica Dentária …, Lda.».

Alegou o A., em resumo: Em meados de 2000 o A. dirigiu-se a uma filial da R. com o intuito de realizar um tratamento dentário e durante esse ano foi submetido a diversos tratamentos, nomeadamente a colocação de pontes dentárias prescritas pelo R. J.M., médico dentista ao serviço da Clínica, ali se dirigindo 12 vezes, entre os meses de Junho a Dezembro. Findo o tratamento o A. tinha despendido a quantia de 8.324,99 €, na perspectiva de que tinha os seus problemas dentários permanentemente resolvidos, de acordo com o que lhe vinha sendo afirmado pelo R. J.M.

O A. nunca deixou de ter dores e grande desconforto e em meados de 2004 recomeçou a sentir, ainda que de forma mais dolorosa, os sintomas que inicialmente o haviam levado à R..

Voltou à Clínica por duas vezes assegurando-lhe o R. J.M. que tudo estava bem.

O A. procurou uma segunda opinião junto do Dr. M.S. e, após exames, este diagnosticou-lhe um grave problema de saúde dentária com risco de paralisia maxilar em virtude de infecção dentária, acarretando a resolução do problemas custos muito elevados.

Em Outubro de 2004 o A. compareceu nas instalações da R. para uma consulta com o seu proprietário, Dr. O.D. e, após mais exames, foi-lhe por este comunicada a necessidade de remoção de vários dentes e que o estado de gravidade da saúde dentária do A. se devia à anterior colocação das pontes dentárias.

Quando confrontado com o relatório do Dr. O.D. o R. J.M. disse-lhe que o A. sofria de bruxismo o que era a causa de todos os seus problemas e que quanto às pontes dentárias era normal que já tivessem problemas. Se ao A. houvesse sido comunicado inicialmente que o tratamento efectuado não seria definitivo o A. teria repensado o assunto. Assim, o A. começou a pressionar a Clínica no sentido de arranjar uma solução coerente e justa.

O A. foi a outras consultas e acabou por ser submetido a uma intervenção cirúrgica a qual teve por objectivo debelar quistos relacionados com uma raiz dentária. Deste modo, após o tratamento efectuado pelo R. J.M., na sequência e em consequência do mesmo o A. despendeu a quantia de 3.245,00 €, acrescendo o valor de 1.250,00 € em medicamentos, elixires, escovilhões, etc. e, ainda, 15.965,00 € relativos ao tratamento que o A. já iniciou e terá de continuar pelos próximos 12 meses.

O A. considera que todos estes gastos são da responsabilidade dos RR. porque pelos mesmos não foi informado de que sofrendo de bruxismo o tratamento efectuado com pontes dentárias não seria o mais adequado e porque posteriormente lhe foi referido que a médio prazo teria de substituir as pontes que anteriormente lhe haviam sido colocadas por novas pontes e por implantes.

Não foram apresentadas ao A. pelo Dr. J.M. as várias alternativas médicas de tratamento, desvantagens e riscos, nem foram comunicadas as exigências acrescidas de higiene oral e a necessidade de destartarizações constantes com os inerentes custos.

Ao nível dos danos patrimoniais o A. considera-se lesado na quantia de 28.784,99 €. Considera, ainda, ser de inteira justiça a entrega da quantia de 20.000,00 € uma vez que ao longo de todos este percurso, deixou de comparecer em reuniões familiares por se sentir incomodado, debilitado e embaraçado, padeceu de uma dor física insuportável que o afectou psicologicamente e teve consequências na sua vida familiar, conjugal e profissional, teve que se privar – e á sua família – de bens de que não teria de prescindir se não tivesse custeado os valores mencionados.

Pediu o A. a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 48.784,99 €.

Ambos os RR. contestaram. Essencialmente impugnaram parte da factualidade alegada pelo autor, dizendo que logo na primeira consulta, o 1º R., com quem a 2ª R. tinha um contrato de prestação de serviços, lhe diagnosticou bruxismo, patologia que se caracteriza por uma pressão anormal nos dentes que provoca desgaste anormal, fracturas, fissuras e deslocações, podendo evoluir para graves disfunções tempora-mandibulares, que o A. voltou às consultas com intervalos superiores a 1 ano, não trazendo consigo para rectificação o aparelho que permite uma protecção dos dentes conhecido como “goteira anti-stress”, que não cumpria os tratamentos prescritos, quer no que concerne ao uso desse aparelho, quer aos cuidados com a sua higiene oral.

O 1º R. deduziu a excepção da prescrição da obrigação de indemnizar por aplicação ao caso do disposto no art. 498 do CC.

O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido.

Da sentença apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: A. O Apelante logrou provar que o tratamento dentário foi mal sucedido e que o 1° R. não realizou uma assistência diligente e que não praticou todos os actos normalmente tidos por necessários na realização do tratamento.

  1. O Tribunal a quo considerou como não provado os seguintes factos: a) Que o autor se tenha dirigido às instalações da 2ª ré para tratamentos 12 (doze) vezes entre Junho e Dezembro de 2000 [art° 49 da base instrutória].

    1. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 9 de Agosto de 2000 [art° 8° da base instrutória].

    2. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 4 de Dezembro de 2000 [art° 9° da base instrutória].

    3. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 7 de Dezembro de 2000 [art° 10° da base instrutória].

    4. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 12 de Dezembro de 2000 [art° 11 ° da base instrutória].

    5. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 14 de Dezembro de 2000 [art° 12° da base instrutória].

    6. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 21 de Dezembro de 2000 [art° 13° da base instrutória].

    7. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 26 de Dezembro de 2000 [art° 14° da base instrutória].

    8. Que o autor tenha sido sujeito a um tratamento dentário no dia 29 de Dezembro de 2000 [art9159 da base instrutória]. (…) nnnn) Que o autor tivesse comparecido a consultas em 24 de Agosto de 2004 e 29 de Outubro de 2004.

  2. O tribunal a quo fez consignar na Motivação de Facto não existir prova suficiente, desde logo, por ausência de correspondência entre os dias em que foram emitidos os recibos de pagamento e a ficha clínica do Apelante.

  3. Existe uma notória contradição entre os motivos que presidiram à formação da convicção e a fundamentação avançada pelo tribunal a quo quanto à referida ficha clínica para dar como não provados os factos constantes da alínea a) a i) e nnnn).

  4. Por um lado, na alínea d) da Motivação, como ao longo da fundamentação da sentença, o tribunal a quo considera que "o facto de as fichas clínicas conterem anotações efectivamente feitas pelos respectivos subscritores (o réu J.M. ou as suas assistentes) não importa que aquilo que essas menções afirmam seja necessariamente verdade." (...) ..."que tudo concorre para não conferir credibilidade, sem outro apoio suficientemente seguro, ao que resulta das declarações apostas nesses documentos. " (sublinhado nosso).

  5. Por outro lado, as alíneas a) a i) e nnnn) foram dadas como não provadas pois "não têm correspondência, em consultas, na ficha clínica do autor." e "não constam da ficha clínica do autor junto da 2ª r.", respectivamente.

  6. Não sendo conferida credibilidade à ficha clínica do R. não poderiam as referidas alíneas a) a i) e nnnn) ser consideradas como não provadas com base unicamente nesse fundamento.

  7. Não se pode desconsiderar uma prova e simultaneamente utilizar essa mesma prova, cuja credibilidade se encontra ferida, para dar como não provados factos que dela não constem.

    1. Resultou do depoimento de parte do 1° R. que a ficha eram as suas notas pessoais, logo nem tudo estava lá anotado: Juiz:"Olhe, 29 de outubro de 2004, veja lá se houve consulta?(... ) "Olhe, mas esta consulta é com o Dr. Olívio... parece-me... mas devia estar aí registada, ou não?" 1° R.: "Esta é a minha ficha." (Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal: 10:31:15, de 00:00:01 a 01:55:48, 33m00s a 33m38s).

  8. Sendo um documento com notas pessoais, é naturalmente aceitável, pelas regras da experiência comum, que nem tudo constaria nessa ficha, como aliás se veio a verificar com o facto provado n.° 62 e 64 de onde resulta que a ficha clínica não faz menção a todos os actos.

  9. Não poderia o tribunal a quo considerar as alíneas a) a i) e nnnn) como não provadas com base nesse fundamento, por manifesta contradição de fundamentação.

    L. Entendeu o tribunal a quo dar como não provado a alínea k), fundamentando que não foi produzida prova que permitisse confirmar tais factos, porquanto os mesmos, além das declarações do autor, foram atestados pela antiga companheira deste, depoimento desconsiderado por alegadamente não se ter destacado pela isenção e por ter sido contraditado em alguns aspectos.

  10. A testemunha Elisabete... mostrou isenção, depôs de forma serena e esclarecida, tendo conhecimento pessoal de alguns dos factos, concretamente no período em que viveu com o Apelante.

  11. A testemunha Elisabete ... não teve, tal como não tem, interesse directo na causa.

    O.Tendo acabado a relação, o Apelante e a ex-companheira cessaram a sua comunicação quotidiana.

    Juiz:" Quando é que o Dr. Carlos... conseguiu finalmente por termo a este quadro complicado de desconforto que tinha?" Testemunha: " Até à altura em que nós nos separámos, não havia, nada estava finalizado e continuava com esse processo..." Juiz: "Continuava com essas queixas? Quando os senhores se separaram ele continuava com essas queixas?" Testemunha: "Enquanto estivemos casados até ao final, ou juntos, sim, continuava com essas queixas. Actualmente, e...

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