Acórdão nº 204/13.6YUSTR.L1 -3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO: 1 – A arguida “TV.” foi condenada pela Autoridade da Concorrência pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 6.º, 4.º, n.º 1, alíneas c) e e), 42.º, 43.º, n.º 1, alínea a), 44.º e 45.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, e pelo artigo 102.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia numa coima no valor de 3.730.000 euros e na sanção acessória de publicação de um extracto da decisão condenatória na II Série do Diário da República e num jornal de expansão nacional.

A arguida impugnou judicialmente essa decisão.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, por sentença proferida em 4 de Junho de 2014, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial dessa decisão tendo condenado a arguida pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 6.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 4.º, n.º 1, alínea e), e 43.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, numa coima no valor de 2.700.000 euros.

… 2 – A arguida interpôs recurso dessa sentença.

… 3– Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 17.424.

4–O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência responderam à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso.

5 – No dia 6 de Fevereiro de 2015, o relator, depois de ouvir o Ministério Público, a Autoridade da Concorrência e a arguida sobre a questão, proferiu o despacho que se transcreve: Na sequência do despacho proferido no passado dia 19 de Janeiro e da notificação dos restantes sujeitos processuais para se pronunciarem sobre as questões nele suscitadas, importa definir com clareza o âmbito da publicidade e do segredo a que deve estar sujeito o presente processo, ao qual, por força do artigo 100.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, ainda é aplicável a Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.

Este último diploma contém três disposições que podem ser relevantes para a solução dessa questão.

De acordo com a alínea d) do n.º 1 do seu artigo 18.º, «[sempre que a Autoridade, no exercício dos poderes sancionatórios e de supervisão que lhe são atribuídos por lei, solicitar às empresas, associações de empresas ou a quaisquer outras pessoas ou entidades documentos e outras informações que se revelem necessários, esse pedido deve ser instruído», nomeadamente, com a «informação de que as empresas deverão identificar, de maneira fundamentada, as informações que consideram confidenciais, juntando, sendo caso disso, uma cópia não confidencial dos documentos em que se contenham tais informações».

Estabelece, por sua vez, o artigo 26.º, n.º 5, que «[n]a instrução dos processos a Autoridade acautela o interesse legítimo das empresas na não divulgação dos seus segredos de negócio».

Por fim, a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, prevê, como pena acessória, a publicação «da decisão de condenação proferida no âmbito de um processo instaurado ao abrigo da presente lei», sem que a tal propósito faça qualquer limitação destinada a salvaguardar o segredo do negócio.

No mencionado diploma nada mais se dispõe quanto à protecção deste segredo, nada se dizendo, nomeadamente, quanto às fases posteriores do processo.

Não existe qualquer disposição legal que preveja que as decisões judiciais e a própria decisão final da Autoridade da Concorrência tenham versões confidenciais e não confidenciais.

A Lei n.º19/2012, de 8 de Maio, que dedica muito mais atenção a esta questão, nomeadamente nos artigos 15.º e 30.º a 33.º, não regula também, pelo menos directamente, a questão da publicidade das decisões proferidas no processo. Para determinar o regime a aplicar apenas é relevante o disposto nos n.ºs 6 e 7 do seu artigo 32.º, nos quais se estabelece que: «6 – A Autoridade da Concorrência deve publicar na sua página eletrónica as decisões finais adotadas em sede de processos por práticas restritivas, sem prejuízo da salvaguarda dos segredos de negócio e de outras informações consideradas confidenciais.

7 – Devem ser também publicadas na página eletrónica da Autoridade da Concorrência as sentenças e acórdãos proferidos pelos tribunais, no âmbito de recursos de decisões da Autoridade da Concorrência».

A salvaguarda que, a respeito da decisão da Autoridade da Concorrência, se faz no n.º 6 quanto à preservação do segredo do negócio, salvaguarda que apenas se refere ao texto que é publicado na página electrónica e não versa, pelo menos directamente, sobre aquele que é elaborado e junto ao processo, não existe, como resulta do n.º 7, quanto aos despachos e sentenças finais proferidas pela 1.ª instância e aos acórdãos do Tribunal da Relação.

Não existindo na Lei da Concorrência aplicável a estes autos (e, de igual forma, na Lei da Concorrência hoje vigente) qualquer norma que regule a questão da publicidade e do segredo na fase judicial do processo, há que aplicar as disposições contidas no Código de Processo Penal, já que o RGIMOS também nada diz a esse respeito , sem esquecer, contudo, que o segredo do negócio é um interesse protegido pela Lei da Concorrência.

De entre as normas do Código de Processo Penal para esse efeito relevantes assume especial importância o disposto no n.º 5 do artigo 87.º, que estabelece que, mesmo quando a audiência decorre com exclusão de publicidade, o que só pode acontecer nos casos previstos nos artigos 321.º e 87.º, n.ºs 1 e 2, daquele corpo normativo e no artigo 206.º da Constituição, essa exclusão não abrange, em caso algum, a leitura da sentença.

E se bem que a leitura da sentença possa ser feita por súmula – artigo 372.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – ela é necessariamente pública, por «exigência do próprio conceito do Estado de direito democrático» , não tendo, a nosso ver, suporte legal a prática de elaborar e apenas conferir publicidade a uma sua versão não confidencial da sentença.

Por isso, a sentença da 1.ª instância e o acórdão a elaborar por esta Relação deverão ser públicos.

Isto não quer dizer que a publicidade característica da fase judicial do processo de contra-ordenação não permita salvaguardar o segredo do negócio relativamente aos documentos juntos aos autos que até agora se mantiveram confidenciais.

Na realidade, desde que não constituam meios de prova, essa salvaguarda é permitida pelo n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, decide-se: −Considerar que a sentença da 1.ª instância, na versão que foi considerada confidencial, é pública, ficando o acesso à mesma sujeito ao regime previsto no Código de Processo Penal; −Considerar, sem prejuízo de ulterior e eventual ponderação caso a caso, que todos os documentos que até ao momento foram sujeitos ao regime da confidencialidade se mantenham excluídos do regime da publicidade.

6–A arguida reclamou desse despacho para a conferência, dizendo o seguinte: TV. ("TV"), Arguida e Recorrente no processo de contraordenação à margem identificado, vem, nos termos e para os efeitos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo artigo 4.º do CPP, apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA do despacho do Exmo. Senhor Relator de 6 de Fevereiro de 2015, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

  1. ENQUADRAMENTO DO TEMA EM DISCUSSÃO NA PRESENTE RECLAMAÇÃO: 1. O tema que se discute na presente reclamação – confidencialidade dos elementos como tal classificados no procedimento promovido junto da Autoridade da Concorrência não é de somenos importância.

    1. Trata-se, aliás, de um dos temas, simultaneamente, mais delicados e relevantes que podem ser suscitados no âmbito da defesa e promoção da concorrência.

    2. A prossecução da actividade da Autoridade da Concorrência pressupõe que os agentes do mercado confiam que a informação que lhe transmitem, e que é sensível para a sua actividade (por conter segredo comercial ou de negócio), se mantenha confidencial.

    3. Só assim, aliás, a Autoridade da Concorrência pode exercer a sua actividade, quer de autorização, quer de fiscalização e supervisão, quer ainda de sancionamento das violações do direito da concorrência.

    4. Efectivamente, se estivermos perante um processo de concentração de empresas, as notificantes (da operação da concentração), se acharem que mais tarde ou mais cedo todos os outros intervenientes terão acesso à informação, acabarão por não fornecer – porventura legítima e fundadamente – todos os elementos à Autoridade da Concorrência; 6. Por outro lado, se estivermos perante um processo de contra-ordenação (independentemente da prática subjacente), a Autoridade da Concorrência apenas conseguirá prosseguir as suas competências se os agentes de mercado – designadamente aqueles potencial e alegadamente lesados pela prática do Visado – fornecerem os elementos necessários para, designadamente, comprovar o dano produzido pela actuação do Visado.

    5. Ora, essas empresas nunca aceitarão colaborar com a Autoridade da Concorrência se desconfiarem que a informação que prestarão, quando contenha elementos sigilosos, não será mantida confidencial.

    6. Assim, a confirmar-se a tese consagrada no despacho ora reclamado, isso poderá acarretar a impossibilidade fáctica de a Autoridade da Concorrência exercer a sua actividade e a legitimidade e fundamentação jurídicas para os agentes de mercado deixarem de colaborar com esta.

    7. Dito de outra forma, isso poderá acarretar a morte da política de defesa da concorrência que a Autoridade da Concorrência prossegue.

    8. E não se diga que o despacho reclamado, ao decidir que, neste momento, apenas a versão confidencial da Sentença será tornada pública, mitiga, pela limitação do âmbito, esse risco.

    9. Efectivamente, não só o despacho reclamado permite que, posteriormente, venha a ser decidida a publicidade de documentos juntos pelas partes no presente processo anteriormente qualificados pela Autoridade da Concorrência, pelos intervenientes no processo ou por uma das instâncias judiciais...

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