Acórdão nº 1305/10.8TVLSB.L2--2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2015
Magistrado Responsável | MARIA TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 05 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO: I – A., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe indemnização no montante de € 65.800,00, acrescida de IVA, e ainda a quantia diária de € 17,50, mais IVA, desde a propositura da acção até integral e efectivo pagamento, bem como os juros de mora devidos a contar da citação.
Alegou que é dono do motociclo 92-81-JB, o qual sofreu um acidente no ano 2000 da integral responsabilidade de segurado da R.. Como esta não aceitou a responsabilidade, o motociclo ficou por reparar sendo que, apenas em 2009, na sequência de condenação judicial lhe entregou a quantia em que foi nessa acção condenada. O A. procedeu então à reparação do motociclo mas a oficina onde o mesmo esteve parqueado durante 9 anos não autoriza o respectivo levantamento enquanto não lhe for paga a sua guarda durante aquele tempo, o que importava, à data da propositura da acção, em 65.800,00 €, acrescidos de IVA, sendo devidos € 17, 50, mais IVA, por cada dia de recolha.
A R. contestou, arguindo a excepção da prescrição e do caso julgado material relativo aos danos materiais, bem como excepção de pagamento, invocando a este nível que o mesmo foi feito ao Ilustre Mandatário do A. contra recibo de quitação plena e sem reserva, por todos os danos sofridos, como nele ficou exarado, pelo que se encontra extinta por pagamento liberatório toda e qualquer responsabilidade relativamente ao acidente sofrido pelo A.. Em sede de impugnação, alega que o veículo era irreparável, constituindo uma perda total e que o valor venal do veiculo foi peticionado e pago ao A., o que se mostra incompatível com a sua guarda e reparação. Acresce que o suposto valor da reparação não a tornaria viável, dado que era equivalente ao preço do veiculo novo à data do evento, sendo aquela no valor de 1.260.444$00 e este no de 1.380.000$00.
O A. replicou referindo relativamente à quitação que a mesma é nula porque não foi ele que a deu mas o seu advogado e que não ratifica a gestão do mesmo, mas que, de todo o modo, o impresso a ela relativo enferma de ilegalidade, sendo a cláusula aí constante nula nos termos das proibições que incidem sobe as cláusulas contratuais gerais. Quanto às demais excepções refere que o pedido formulado na acção é autónomo e diferente do pedido já julgado, motivo pelo qual o tribunal da 1ª instância não aceitou a ampliação do pedido. Põe ainda em relevo que a decisão proferida não indemnizou o preço do veiculo por perda total, mas acautelou o ressarcimento do preço da reparação.
Teve lugar audiência preliminar, na qual foi decidida a procedência da excepção da prescrição invocada pela R., sendo esta absolvida do pedido.
Na sequência de recurso interposto pelo A. dessa decisão, a excepção de prescrição foi julgada improcedente por acórdão deste Tribunal da Relação.
Na 1ª instância foi então seleccionada a matéria de facto e, tendo tido lugar o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a acção, condenando a R. a pagar ao A. indemnização no montante de € 65.800,00 acrescida de IVA e de juros a contar da citação, bem como a quantia diária de € 17,50, mais IVA, desde então e até efectivo e integral pagamento.
II – Do assim decidido apelou a R., tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos: 1. A Recorrente não se conforma com a sentença proferida que a condenou a pagar ao Autor/Recorrido uma indemnização no montante de 65.800,00 €, acrescido de IVA e juros de mora a contar da citação, bem como a quantia diária de 17,50 €, mais IVA, desde então até ao integral e efectivo pagamento, que corresponde ao valor cobrado a título de parqueamento pela oficina onde o motociclo do A. se encontra há mais de 9 anos.
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A R. entende que tal sentença padece de diversos vícios, nomeadamente, de nulidade, violação de normas jurídicas e de erro na determinação das normas jurídicas aplicadas, que de seguida se indicam com o sentido em que deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
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A sentença é nula nos termos do art. 615º, nº 1, alíneas b) e d) do CPC; 4. O que sucede dado que a sentença não procede à especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão - violando ainda o disposto no art. 607º, nº 3 e 4 do CPC, no que toca à indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, bem como não declara quais os factos que julga não provados, nem faz a devida análise critica das provas, etc..; como também não se pronuncia sobre todas as questões que devia apreciar - violando os arts. 607º, nº 2, e 608º, nº 2, do CPC -, nomeadamente sobre a questão colocada - por excepção - pela R. nos arts. 15º a 17º, 18º/ nº 4 e 5, 19º/nº 3, e 20º/nº 3 e 4 da sua contestação, relativa à invocada " extinção do direito do A., por pagamento liberatório dos danos materiais resultantes do acidente, com quitação plena, sem reservas, e com renuncia expressa a quaisquer outros direitos, dada pelo A. à Ré" após o pagamento indemnizatório feito por esta.
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Conforme resulta dos Factos Provados com os nºs 15 e 16, a R. pagou ao A. as indemnizações arbitradas e juros, no montante global de 404.477,84 €, pelo que o A. foi integralmente ressarcido dos danos materiais e morais sofridos em consequência do acidente ocorrido em 28.01.2000.
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Tal pagamento foi feito, através do Ilustre Mandatário do A., contra recibo de quitação plena e sem reserva, por todos os danos sofridos, como nele ficou exarado (docs. 4 e 5), constando (Facto Provado nº 16) que “o A. se considera integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais passados, presentes e futuros, emergentes do sinistro em referência e, consequentemente, declara que tanto a Companhia de Seguros Tranquilidade como todas as pessoas cuja responsabilidade esteja a coberto do contrato de seguro titulado pela apólice em referência (Apólice 4101061547) não têm qualquer outra obrigação civil a cumprir em relação a este sinistro”.
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Encontra-se, portanto, extinta pelo pagamento liberatório toda e qualquer responsabilidade imputável à R. relativamente ao acidente sofrido pelo A. – de acordo com os artºs. 498º, 762º, 763º, 784º e 786º do Cod. Civil e 493º, nº. 3, 497º, nº. 1, 671º e seguintes, do Cod. de Proc. Civil; 8. Que, em consequência, declarou expressamente - na quitação da indemnização que lhe foi paga pela R. - renunciar a quaisquer outros direitos, de acordo com o disposto no art. 800º, nº 2, do Código Civil, o que assim constitui numa "Exclusão convencional de qualquer outra responsabilidade da Ré", obstando a que o presente pedido do A. possa ser considerado procedente.
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Não existe relativamente ao elevadíssimo e desproporcionado custo do parqueamento do motociclo na oficina (ao contrário do que aconteceria com a sua reparação, se viável) qualquer nexo de causalidade com o acidente de que o segurado na R. foi considerado responsável, pelo que, faltando este requisito da responsabilidade civil, tal dano não pode ser imputado à R. e por esta indemnizado, cfr. arts. 483º e 563º do C. Civil, que como tal foram violados pela sentença proferida.
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A R. pagou ao A. uma indemnização de 404.477,84 € (cfr. Facto Provado nº 15), à à data em que a oficina apresentou a conta relativa à reparação e parqueamento do motociclo, o A. tinha (e tem) a disponibilidade financeira necessária para liquidar de imediato e integralmente a conta da oficina, que à data era bastante inferior ao valor ora pedido, impedindo desta forma o gradual aumento do valor de parque.
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Assim, a opção, que coube única e exclusivamente ao A., em manter o motociclo parqueado na oficina, com o consequente acumular do valor de parque, constitui uma atitude de manifesto Abuso de Direito da sua parte, ao exceder completamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito em causa, com o intuito claro de prejudicar a R. com um custo acrescido e desnecessário e mesmo, quiçá, em proveito próprio 12. Ou seja, direito aqui exercido pelo A. é manifestamente ilegítimo, por constituir um manifesto Abuso de Direito que, de acordo com o art. 334º, obsta ao exercício do direito ora peticionado pelo Autor.
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De resto, o motociclo, cujo valor foi pago, não era recuperável, constituindo uma perda total.
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A pretensão do A., é baseada não em responsabilidade civil delitual ou aquiliana, mas meramente contratual entre A. e garagem, assente apenas numa opção daquele, sem qualquer razão lógica.
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O suposto valor da reparação não tornaria esta viável, dado que era equivalente ao preço de veículo novo à data do evento (segundo o orçamento junto pelo A. o custo da reparação – 1.260.444$00 – seria praticamente o do valor do veículo novo – 1.380.000$00, o que tornaria absurda a realização daquela); 16. Como dispõe o artº. 20º-1, do DL 82/2008, de 3 de Maio – desconsiderado pela sentença recorrida - um veículo sinistrado considera-se em perda total, na qual a obrigação de reparação é cumprida em dinheiro e não através da reparação, quando o valor estimado para a reparação, adicionando a dos salvados, ultrapassa 100% do valor venal do veículo imediatamente antes do sinistro.
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Não pode assim aceitar-se que um veículo irreparável fosse reparado passados dez anos do acidente que o danificou e tão pouco se pode aceitar que o veículo do A. possa ter sido reparado sem que o custo da reparação não cobrisse o da recolha, objecto de retenção do depositário.
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Ainda que, porventura, assim não se considere, sempre deve a indemnização ser reduzida nos termos do art. 494º do C. Civil.
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Acrescenta-se igualmente que, ao contrário do que é afirmado na sentença ora recorrida, a responsabilidade atribuída ao segurado na R. não foi com base na sua culpa exclusiva, mas sim pelo risco e no âmbito dos arts. 506º ou 570º do C. Civil, pelo que, sendo considerada procedente a indemnização ora peticionado pelo A., a mesma deve ser reduzida na medida da proporção do...
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