Acórdão nº 96/14.8T2MFR.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO: I - I - A Ordem Profissional O. requereu junto de Tribunal Judicial – o Tribunal de Comarca da Grande Lisboa Noroeste - a notificação judicial avulsa de A., sua associada, pretendendo a sua notificação do despacho de acusação proferido no âmbito de um processo disciplinar em que a mesma é visada, referindo que, tendo tentado a notificação da mesma pelo correio, veio por duas vezes devolvida a carta registada com aviso de recepção que, para tal efeito, utilizou.

Na 1ª instância foi proferido despacho que declarou o tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar da viabilidade em abstracto da diligência solicitada e, consequentemente, para a executar, indeferindo liminarmente a pretensão deduzida, atribuindo tal competência aos tribunais administrativos.

Tendo tal despacho o seguinte conteúdo: «Antes do mais, e atenta à natureza do procedimento no âmbito do qual se pretende realizar a notificação em apreço, compete aferir da competência material deste Tribunal para a sua apreciação e realização.

Como é consabido, na Constituição da República Portuguesa, mais precisamente no n.º 1 do artigo 209.º, prevêem-se três categorias de tribunais permanentes, entre os quais os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.

Assim sendo, impõe-se apurar qual a medida de jurisdição de cada tribunal pertencente a ordens jurisdicionais diferentes.. Semelhante delimitação da competência é realizada – também – por via de aplicação de critérios qualitativos, que determinam a susceptibilidade do exercício pelo tribunal da função jurisdicional para apreciação de certo objecto processual.

Assim, e como escreve Remédio Marques «...,em primeiro plano, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais relativamente aos tribunais de ordens judiciais em função da especialização das matérias em causa no julgamento dos conflitos de interesses sobre diferentes objectos processuais».

Na mesma senda, refere Rodrigues Bastos: «Quando a divisão do trabalho judicial se faz tendo em conta a particular natureza das relações jurídicas a apreciar, a sua qualidade, diz-se que a competência é fixada em razão da matéria. Posto isto, impõe-se desde já avançar que a competência dos tribunais judiciais apresenta-se como residual em face das outras ordens jurisdicionais, face ao disposto no artigo 64º do Cód. Proc. Civil e do vertido no artigo 26.º, n.º1 da LOFTJ.

Considerando o acima referido, apenas se pode concluir por possuir este Tribunal, na sua qualidade de tribunal judicial de 1.ª Instância, competência para a realização da notificação solicitada quando em face da natureza da relação jurídica litigada, a lei não atribua a iurisdictio a qualquer tribunal que integra uma das restantes duas ordens jurisdicionais.

Ora, como acima já se foi referindo, o acto que se pretende comunicar ao requerido consubstancia-se numa decisão sancionatória proferida em sede de procedimento disciplinar instaurado no exercício das atribuições da requerente. Por outro lado, não se pode deixar de atentar na natureza jurídica da requerente, que se constitui como pessoa colectiva de Direito Público, na categoria de Associação Pública, que integra a denominada Administração Autónoma – cfr. artigo 1.º do Dec. Lei n.º 452/99 de 05.11 (na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 310/2009 de 26.10). A propósito da Administração Autónoma, escreve Freitas do Amaral: «... é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que as constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou à superintendência do governo». Já na densificação do conceito de Associação Pública, afirma o mesmo autor serem pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas para assegurar q prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam para a sua prossecução.

Na subespécie a que pertence a requerente, a saber, associação pública de entidades privadas, a lei confere-lhes poderes de autoridade para o exercício de determinadas funções públicas, que em princípio pertenceriam ao Estado: com efeito, as Ordens e as Câmaras profissionais beneficiam do monopólio legal da unicidade, da inscrição obrigatória, « ..., e poderes disciplinares sobre os membros da respectiva profissão, que são poderes de autoridade pública, e que podem ir até à proibição do exercício da profissão». Podem assim aplicar verdadeiras sanções administrativas, desempenhando por tanto funções de autoridade, que a lei considera deverem estar nas mãos dos próprios profissionais, colectivamente organizados, e não directamente a cargo do Estado.

Por fim, resta acrescentar que a estas associações se aplica o Direito Administrativo sempre que exerçam os poderes públicos que lhe foram atribuídos.

Ora, a notificação de um despacho de acusação proferido em sede de processo disciplinar consubstancia um acto do iter procedimental em apreço, que por sua vez e sem margem para quaisquer dúvidas, consubstancia a manifestação do exercício das acima referidas funções de autoridade, ou seja, manifestação do exercício de um poder público.

Do exposto resulta com clareza para este Tribunal que tudo o que se relacione com o exercício dos poderes sancionatórios sobre os associados de uma qualquer associação pública é substantivamente tema de Direito Administrativo, e processualmente da competência dos Tribunais Administrativos.

Tal resulta do vertido no artigo 1.º e 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ínsito na Lei n.º 13/2002 de 19.02. É que o último dos preceitos encerra uma enumeração meramente exemplificativa, como é doutrina unânime, não se incluindo apenas no foro em apreço as situações jurídicas aí descritas, mas antes todas as que se reconduzam ao conceito de relação jurídica administrativa, critério constitucionalmente consagrado como atributivo de jurisdictio à ordem judicial administrativa – cfr. artigo 212.º, n.º 3 da Const. Rep. Portuguesa.

Escreve a este propósito Vieira de Andrade: «…, aquele preceito serve ainda para delimitar o sentido da parte final do n.º 1 do artigo 211.º (continuado no artigo 66º do Código de Processo Civil), que atribui aos tribunais judiciais uma competência jurisdicional residual, de modo que uma questão de natureza administrativa passa a pertencer à ordem judicial administrativa quando não esteja expressamente atribuída a nenhuma jurisdição».

Mas não só: após da reforma do Processo Administrativo, este passou a ser um contencioso de plena jurisdição, ao qual se aplica subsidiariamente o Cód. Proc. Civil, o que resulta dos artigos 1.º in fine, 2.º, n.ºs 1 e 2, 23.º e 25.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contido na Lei n.º 15/2002 de 22.02; razão pela qual é perfeitamente admissível que naquele foro se tramitem e realizem as notificações judiciais avulsas que se reportem a relações jurídicas administrativas, pois é o mesmo o único constitucionalmente reputado como detendo o apetrechamento técnico jurídico que lhe...

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