Acórdão nº 614/09.3TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO.

Intentou a A, residente na Rua (...), a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra AA, com sede na Av. (...), e COMPANHIA DE SEGUROS (...), com sede na Rua (...).

Essencialmente, alegou : A 1ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à organização e venda de viagens turísticas.

No exercício daquela actividade, entre a A. e a 1ª Ré, foi celebrado, em Março de 2006, contrato em que, mediante pagamento do preço, esta obrigava-se a organizar viagem ao Brasil e bem assim a prestar serviços conexos com acolhimento turístico para o período compreendido entre 30 de Março e 12 de Abril daquele ano.

Para além da deslocação ao Nordeste Brasileiro (Maceió, Porto de Galinhas e Pipa), alojamento e alimentação, integrava o contrato a realização de diversas actividades, que foram indicadas pela 1ª Ré.

O contrato celebrado entre a A. e a 1ª Ré estava suportado por seguro de responsabilidade civil, tendo a 1ª Ré transferido parte da sua responsabilidade para a 2ª Ré.

Sucedeu que, no dia 10 de Abril de 2006, no Nordeste Brasileiro (Natal), ocorreu um acidente com um veiculo “buggy” em que foi vítima a aqui A, sendo que tal excursão de “buggy” estava inserida no programa da viagem, vendida pela 1ª R.– “Buggy Genipabu”.

Momentos antes do acidente, todos os “buggys” transportavam quatro estudantes e um condutor, seguindo pela praia, paralelamente à linha do mar, sendo que no buggy em que se encontrava a A. seguiam – para além do condutor - três outras estudantes (todas sentadas): uma no banco dianteiro e as restantes no banco traseiro.

Os “buggies” seguiam em “fila indiana” quando, repentinamente, o condutor do veículo em que seguia a A. saiu daquela fila, tentou ultrapassar, pela direita, todos os outros veículos e invadiu a areia molhada.

O condutor acelerou significativamente o veículo, retirou as mãos do volante e bateu palmas, colocou ainda as mãos em cada um dos lados do seu banco, elevando o seu corpo, tirou os pés dos pedais, levantou-os e colocou-os no exterior do carro pelo lado esquerdo.

O condutor apercebeu-se então que o veículo seguia em direcção ao mar, invadindo a água, agarrou o volante e rodou-o bruscamente para a esquerda. Já sem controlo, rodou o volante para a direita e novamente para a esquerda, tendo de imediato e abruptamente o veículo capotado para o lado direito e para a frente.

A A. foi violentamente projectada no mesmo sentido, tendo o buggy – já vazio - tomado a direcção desta, embatendo e passado por cima – literalmente - das suas costas e pernas.

O buggy era conduzido por pessoa contratada pela 1ª Ré.

Durante cerca de uma hora (que decorreu entre o momento do acidente e a chegada ao centro hospital) a A. esteve em grande sofrimento, sobretudo devido às lesões visíveis nos membros superiores e inferiores, manifestava grande palidez, suores frios e náuseas.

Foi transportada de ambulância para a “Casa de Saúde (...)”, local onde foi prestada a primeira assistência médica, “foi imobilizada devido a quadro doloroso em ombro e joelho direito, devendo ser reavaliada...

”. Ali lhe foram feitas radiografias, tendo ficado em observação de um dia, com controle álgico (...)a controlar com medicamentos.

No dia 11 de Abril foi-lhe dada alta, dia em que iniciou a viagem de regresso a Portugal, a qual foi extremamente desconfortável e dolorosa, atentas as mazelas sofridas.

Já em Portugal, entre outras intervenções médicas, em 26 de Abril de 2006 a A. deslocou-se ao Hospital (...) com fortes dores na perna direita e mau estar geral, onde esteve em repouso absoluto, tendo durante o dia 26, tomado injecções, realizado exames eco-doppler, radiografias. Naquela data, à A. foram-lhe prescritos mais medicamentos.

Desde o acidente e 3/4 vezes por semana, (e por recomendação médica) a A. diligenciava a mudança dos pensos, atentas as escoriações sofridas, o que lhe provocava enorme sofrimento. Usava diariamente meias elásticas.

Em Maio do mesmo ano, permanecendo as dores muito fortes, por ordem médica a A. realizou ressonância magnética, que não foi integralmente satisfatório.

Na consulta de especialidade de medicina física foi recomendado reabilitação e tratamento conservador do joelho direito, o que culminou assim, desde Maio a Janeiro de 2007, em tratamentos semanais de fisioterapia, que provocavam enorme sofrimento, dores intensas e difíceis de suportar, sobretudo no joelho direito.

Permanecendo as fortes dores, no dia 12 de Outubro de 2006 a A. teve necessidade de recorrer, uma vez mais, aos serviços médicos especializados, viu-se forçada a realizar nova ressonância magnética.

Até àquela data sempre existiu a possibilidade de a A. vir a sujeitar-se a cirurgia ao joelho direito, o que lhe provocou enorme ansiedade.

Durante estes meses usou meias elásticas (até à coxa), numa tentativa de aliviar a dor e de evitar novos acidentes vasculares e durante meses tomou vários medicamentos.

Desde a data do acidente até Janeiro de 2007, a A. viu-se impossibilitada de fazer o seu normal quotidiano tal como o fazia anteriormente, com grandes dificuldades em subir e descer escadas, conduzir veículo automóvel, fazer caminhadas e jogging (conforme era semanalmente usual), ou mesmo fazer um movimento de elevação mais pronunciado da perna direita.

Não possui a destreza física necessária ao desenvolvimento do seu dia-a-dia, com redução muito elevada da sua mobilidade e flexibilidade.

Nos primeiros tempos após o acidente, em repouso absoluto, a A. não conseguia deslocar-se sozinha na sua própria casa, nem tão pouco fazer as suas tarefas domésticas e pessoais, necessitando do auxílio de familiares para realizar a sua higiene pessoal, vestir-se e alimentar-se.

Perdeu o apetite e reduziu (involuntariamente) o seu peso para menos 8 quilos.

O seu estado de saúde e a difícil e dolorosa recuperação causou à A. grandes preocupações, tristeza, ansiedade e angústias.

Não conseguia desenvolver a sua actividade profissional de fisioterapeuta que exige considerável esforço físico.

Ainda hoje a A. tem dores, em especial na mudança do tempo.

A forma como o acidente ocorreu, as consequências visíveis nos momentos imediatamente seguintes, as colegas feridas (duas mesmo inconscientes), causaram na A. uma forte imagem traumática e choque psicológico.

Com 26 anos de idade, ainda hoje as cicatrizes (que a desfeiam), sobretudo na perna são bem visíveis, provocando à A. grande constrangimento e embaraço, especialmente na praia, piscinas ou quando usa outro tipo de roupa.

Desde a data do acidente que a A. receia circular de automóvel.

Como consequência directa do acidente, a A. suportou despesas médico-medicamentosas e outras entregues à 2ª R. De um total de despesas apresentadas à 2ª Ré no montante de € 2.413,39, esta só procedeu ao reembolso de € 1.250.

A Autora suportou ainda inerentes despesas de deslocação em veículo particular, não só para consultas e realização de exames, como também para mudança de pensos e sessões de fisioterapia, respectivamente em Campo de Ourique e Alcântara, tudo em montante não inferior a 400 € (correspondente a pelo menos 100 deslocações).

Ainda devido ao acidente, a A. viu inutilizados alguns dos seus bens que naquele dia fatídico utilizava.

Ainda na sequência do acidente e tendo ficado sem desenvolver a sua actividade principal (fisioterapeuta) durante 9 meses, a A. deixou de auferir, a quantia média de € 600 mensais. Viu-se ainda a A. impossibilitada de comparecer e desenvolver outras actividades junto de entidade organizadora de eventos – tal como tinha sucedido nos anos anteriores. Assim, não lhe foi possível assumir no Estoril Open as funções de Coordenadora dos Transportes, evento em que iria auferir cerca de 1.300 € e posteriormente como coordenadora de pessoal Lisboa e etapas na equipa do Lisboa-Dakar, onde poderia auferir 1.000 €.

Conclui pedindo que sejam as Rés condenadas a pagar à A. as seguintes quantias: I. Danos Patrimoniais: a) 1.884,00 € despesas médicas e medicamentosas apuradas na presente data, inerentes deslocações e vestuário danificado.

  1. o remanescente que se vier a apurar após junção e apreciação da relação das despesas comparticipadas e não comparticipadas; c) 7.700,00 €, valor que deixou de auferir pelo não desenvolvimento das suas actividades remuneratórias desde a data do acidente até Janeiro de 2007; Danos Não Patrimoniais: d) 15.000,00 €, a título de danos morais pelas dores e sofrimento causados pelas lesões; e) 15.000,00 € a título de danos morais pela diminuição da sua qualidade de vida.

    Acrescendo juros de mora, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

    Citada, contestou a Ré AA, aduzindo desde logo que transferiu para a 2ª Ré a responsabilidade civil decorrente do exercício da actividade de agência de viagens através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 9350/79574/88, o qual abrange todas as indemnizações que sejam da responsabilidade da segurada, até ao limite de €74.819,68, de onde conclui que “todos os danos que estão a ser reclamados à aqui 1ª Ré estão cobertos pelo seguro de responsabilidade civil, pelo que será a 2ª Ré a única e exclusiva responsável pelo pagamento de qualquer indemnização que venha a ser arbitrada à Autora”.

    No mais e em sede de impugnação efectuou o enquadramento do contrato celebrado com a Autora numa viagem dita típica de estudantes académicos, viajando assim a Autora integrada num grupo de estudantes de fisioterapia do “ISCS (...)”.

    Prestou à Autora todos os cuidados que lhe foi possível prestar nas circunstância, acompanhando a Autora e proporcionando-lhe todas as comodidades que lhe era possível prestar na altura e no local, tendo a expensas suas pago o “upgrade” da classe de avião, passando a Autora (e restantes passageiras do “buggy” dos autos) da classe de “turística” para “executiva”.

    Referiu ainda que o passeio de “buggy”...

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