Acórdão nº 252/10.8TCFUN.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução19 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Condomínio do Edifício P intentou contra M., Lda e S.& O., Lda a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo: - A condenação das rés a pagar, solidariamente, o valor referente ao relatório de vistoria e a efectuar, no prazo que o Tribunal entender razoável, as correcções de todos os defeitos e anomalias existentes no Conjunto Habitacional P, sendo que não o fazendo e findo esse prazo deverão ficar, desde logo, obrigadas a pagar solidariamente, o montante equivalente às mesmas, acrescido de juros de mora à taxa legal até integral pagamento; - ou, subsidiariamente, serem as rés, desde logo e para que o condomínio proceda às correcções dos defeitos através de terceiros, condenadas a pagar, solidariamente, os montantes correspondentes à reparação dos defeitos e à perícia, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que a 1ª ré promoveu a construção do edifício “Conjunto Habitacional do P” e submeteu-o a propriedade horizontal; que a empreiteira da obra foi a 2ª ré; que existem defeitos que foram denunciados, por escrito em 2.02.2009 e em 3.ll.2009; e que a 1ª ré, apesar de reconhecer os defeitos, não procedeu às reparações.

As rés contestaram, deduzindo excepção de caducidade do direito à reparação com fundamento em que a autora teria de ter denunciado os defeitos no prazo de 30 dias subsequente ao seu conhecimento e a acção sido proposta no prazo de 6 meses; que as situações enunciadas na petição inicial são do conhecimento dos proprietários das fracções e da administração do condomínio desde há mais de um ano por referência à interposição da acção; e que não se verificam os defeitos de construção nos moldes traçados na p.i.

Concluíram pela procedência da excepção da caducidade e pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

A autora replicou, alegando, além do mais, que a 1ª ré reconheceu os defeitos e comprometeu-se a repará-los quando o prédio tivesse quatro ou cinco anos, sendo que a invocação da caducidade nestas circunstâncias constitui um abuso de direito.

Acrescentou que o prazo para a instauração da acção é de 3 anos, nos termos do art. 5º do DL nº 67/2003, na redacção dada pelo DL 84/2008, de 21/05.

Entretanto, pelo despacho de fls.274, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à 2ª ré, face ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos n.º 3772/07.8TBFUN, que declarou esta ré em estado de insolvência.

Teve lugar a realização de audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção da caducidade, organizados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizado o julgamento foi proferida sentença, na qual se decidiu: “1°- Julgar improcedente a excepção da caducidade da acção e da denúncia dos defeitos; 2°- Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, em consequência: - condenar a ré a pagar o valor referente ao relatório de vistoria; - condenar a ré a efectuar as correcções de todos os defeitos e anomalias existentes no Conjunto Habitacional P, conforme vertido em 4° e 5º dos factos provados, com excepção daqueles que se considerou não constituírem defeitos de construção, no prazo de 6 meses; - Condenar a ré a pagar à autora o valor que se liquidar em execução de sentença, no caso de a ré não proceder à reparação no prazo fixado.

Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformada, apelou a 1ª ré, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões: 1. O Condomínio em causa não é totalmente habitacional (facto confessado na replica pelo próprio A).

2. Razão pela qual não pode beneficiar do regime especial de garantia de venda de bens a consumidores.

3. O A. não pode ser considerado um consumidor quando a sua gestão é efectuada profissionalmente, por uma sociedade comercial que exerce uma actividade comercial, com vista à obtenção de lucro, 4. As razões justificativas e precedentes de uma tutela especial, subjacente ao regime da defesa dos consumidores (A «ratio» da legislação do consumo visa essencialmente «a necessidade de protecção dos consumidores perante as relações caracterizadas pela desigualdade de forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação», como escreve Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3a edição, Almedina, pg.233), não se verificam nestes casos.

5. Se as necessidades de uma tutela especial têm razão de ser quando a administração é eleita entre pares (condomínios), deixa de fazer sentido quando existe uma gestão profissional, assente numa estrutura e organização empresarial.

6. Ao aplicar o regime de garantias da venda de bens de consumo, aprovado pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio e não o regime comum, previstos nos artigos 913 e seguintes do CC, a douta sentença viola, pela negativa (não aplicação do regime certo) e pela positiva (aplicação de um regime incorrecto), as referidas normas.

7. Sem prescindir, considerando que a douta sentença andou bem ao aplicar o regime especial da venda de bens de consumo, o novo prazo de 3 anos, o mais longo, só se aplica aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do DL n.º 84/2008, ou seja, antes da data de 20 de Junho de 2008.

8. No caso em apreço os contratos de compra e venda foram celebrados pelo menos antes de 26/01/2008, dada da primeira assembleia de condóminos de constituição do condomínio.

9. A denúncia dos defeitos foi efectuada em reuniões ocorridas até fevereiro de 2009 e por fax, datado de 02/02/2009.

10. Ao aplicar o prazo de caducidade de 3 anos e não o anterior prazo de 6 meses, a douta sentença viola o n.º 3 do art. 5.º-A do DL n.º 67/2003, com a redacção dada pelo DL n.º 84/2008 e os artigos 916.º e 917.º do CC.

11. Quer se considere que o regime aplicável seja o comum, previsto nos artigos 916.º e 917.º, quer seja o regime especial previsto no DL n.º 67/2003, na redação actual, existem três prazos a considerar: a) O prazo para efectuar a denúncia: 1 ano a contar do conhecimento ou da data em que o defeito foi detectado (n.º 3, primeira parte, do art. 916.º e n.º 2 do art. 5.º-A do DL n.º 67/2003; b) Prazo para interpor a acção: 6 meses ou 3 anos, consoante se entenda, respectivamente, aplicar o regime comum ou o regime especial.

  1. Prazo de garantia: 5 anos a contar da entrega do bem (N.º 3, segunda parte, do Art. 916.º e n.º 1 do art. 5 do DL n.º 67/2003.

12. Não basta a alegação de um reconhecimento genérico e abstracto para impedir a caducidade.

13. O reconhecimento deve ser claro, inequívoco, concreto, preciso e alheio a incertezas e vaguidades.

14. Veja-se por exemplo o que se fixou no Ac. da RP, datado de 14-05-2009, in www.dgsi.pt.

ainda que num caso de empreitada, o qual teceu superiores conclusões, assim sintetizadas: “IV - O reconhecimento do direito, para ter efeitos impeditivos da respectiva caducidade, tem que ter lugar antes do direito ter caducado e deve ser expresso, correcto e preciso, com valor equivalente ao acto sujeito à caducidade”.

15. No Ac. do STJ de 15-11-2008, in www.dgsi.pt.

definiu-se os requisitos do reconhecimento impeditivo da caducidade do seguinte modo: "V_ O reconhecimento do defeito impeditivo da caducidade ( artigo 331, n.º 2 do Código Civil} tem de ser expresso, correcto e preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor”.

16. O Ac. do STJ de 07-02-2013, in www.dgsi.pt: "III. O reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade {art.º 331.º n.º 2 do C.C.) tem de ser concreto, preciso, sem margem de ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade”.

17. Dos factos provados decorre que a R. não efectuou qualquer reconhecimento, e seguramente, que não efectuou um reconhecimento claro, preciso, sério, categórico e inequívoco.

18. A única factualidade provada a este propósito apenas permite concluir que a R. mencionou que iria intervir no prazo de garantia, mas não reconheceu especificamente os defeitos, nem os podia reconhecer, uma vez que nas reuniões ocorridas até Fevereiro de 2009 (factos K, L e M), os relatórios de anomalias ainda não tinham sido elaborados (factos G e H), sendo os mesmos, datados de 27/10/2009 e 23/04/2010.

19. Ora, sem denúncia concreta e precisa de defeitos, não pode haver um reconhecimento concreto e preciso impeditivo da caducidade.

20. Por conseguinte, aos concluir pelo reconhecimento impeditivo da caducidade, a douta sentença viola o disposto no n.º 2 do art. 331.º do c.c.

Termina pedindo seja o presente recurso julgado procedente e sentença revogada e substituída por uma outra que julgue procedente a excepção de caducidade e absolva a R. dos pedidos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*** II. Em 1ª instância, foram dados como provados os seguintes factos: 1. A primeira ré, M., Lda, é uma sociedade que se dedica à promoção, compra e venda, permuta e arrendamento de bens imobiliários (A)); 2. No âmbito desta sua actividade comercial adquiriu um prédio para construção, e nele, na qualidade de dona da obra, mandou edificar o Edifício" Conjunto Habitacional do P", sito ao P, freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n°. 1385 -... (B)); 3. A empreiteira da obra foi a sociedade, também ré, S. & O., Lda. (C)); 4. A conclusão da construção do edifício verificou-se no mês de Agosto de 2006 (13°); 5. Em 05 de Setembro de 2006, reuniram-se os representantes técnicos das empresas ora RR., que procederam à "( ... ) vistoria dos trabalhos executados, constatando-se que a obra encontra-se em condições de ser aceite" (24°); 6. E, em consequência, fora elaborado o "Auto...

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