Acórdão nº 938/10.7TYLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS ESP
Data da Resolução19 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: * No âmbito do Recurso de Contra-ordenação supra id., que corre termos pelo ...º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi a arguida Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4° n°1 da Lei n° 18/03, 81° n°1 do Tratado e 43°, n°1, al. a) da Lei n° 18/03, de 11/6, na coima de €90.000,00 (noventa mil euros). Nos termos do disposto nos arts. 4° n°2 da Lei n° 18/2003 de 11/6 e 81° n°2 do Tratado CE foram declaradas nulas e de nenhum efeito as disposições do Regulamento da Formação de Créditos, publicado no Diário da República n.° 133, II Série, de 12 de Julho de 2007, em anexo ao Anúncio n.° 4539/2007, da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. Foi ainda determinada a publicação, a expensas da arguida, desta decisão, por extracto, na III série do Diário da República, e num jornal diário de circulação nacional, no prazo de 20 dias contados do trânsito.

Inconformada com o teor de tal decisão interpôs a arguida o presente recurso pedindo a revogação daquela e a sua substituição por outra que a absolva.

Apresentou para tal as seguintes conclusões: 1.Toda a matéria nos autos tem a ver com a aprovação pela rec.te do Regulamento da Formação de Créditos, aprovado pela Direcção da rec.te e publicado no DR n.° 113, II Série, de 12 de Julho de 2007, no qual está regulada a formação obrigatória dos Técnicos Oficiais de Contas, prevista no Decreto-Lei n.° 452/99 de 5 de Novembro, e, agora na al. s) do n.° 1 do art.° 3.° do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26 de Outubro.

A sentença a quo considerou que a rec.te ao regular, da forma como o fez no Regulamento de Formação de Créditos, a formação obrigatória dos TOC, violou o artigo 4.° da Lei n.° 18/03, de 11 de Junho e o art.° 81.°, n.° 1 do TCE como elemento agravante - para tanto, considerou que se estava perante uma decisão de uma associação de empresas, num mercado relevante, que teve por objecto impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou parte do mercado definido e que tal sucedeu de forma sensível.

Por isso, manteve a decisão da rec.da na parte em que considerou verificada a contra-ordenação p. e p. pelo art.° 4.° n.° 1 da mesma Lei, tendo, no entanto, reduzido o montante da coima aplicada por aquela de €114 654,10 para € 90 000,00. O tribunal "a quo" declarou, ainda, nulas e de nenhum efeito as disposições do Regulamento da Formação de Créditos, publicado no DR n.° 113, II Série, de 12 de Julho de 2007 e determinou a publicação da decisão, a expensas da rec.te, na IIIa Série do DR e num jornal de circulação nacional, no prazo de 20 dias a contar do seu trânsito em julgado.

É desta decisão, na parte em que lhe foi desfavorável, que vem interposto este recurso.

A sentença a quo tomou como ponto de partida para analisar as questões concorrenciais a aplicação do artigo 81.° do TCE (actual artigo 101.° do TFUE), sem considerar a possibilidade de aplicar à decisão os artigos 16.° e 86.° do TCE (actual artigo 106.° do TFUE).

Ao não reconhecer à rec.te o estatuto de serviço de interesse económico geral e, consequentemente, ao não lhe aplicar o respectivo regime jurídico, a sentença a quo enfermou de erro de direito quanto ao enquadramento legal aplicável, isto nos termos do assumido pelo Advogado-Geral no caso Wouters, as ordens profissionais podem ser consideradas serviços de interesse económico geral, sendo que os requisitos para o efeito se verificam no presente caso no que toca à rec.te.

Por outro lado, a sentença a quo enfermou ainda de erro de direito porque, em face da necessidade de aplicação deste enquadramento legal, deveria ter tido lugar a aferição dos requisitos que permitem aos serviços de interesse económico geral proceder a restrições às regras da concorrência em vez de ter procedido, como fez, à aplicação das regras da concorrência "tout court" (ver desenvolvimento nos ns. 68 a 80 do corpo desta alegação).

Se este Venerando Tribunal da Relação entender não aplicável o normativo do artigo 86.° do TCE aos presentes autos, então requer-se a formulação ao TJ da seguinte questão prejudicial: "Se uma entidade como a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas dever ser considerada, no seu conjunto, como uma associação de empresas para efeitos da aplicação das normas comunitárias sobre concorrência, há que interpretar o então vigente artigo 86.°, n.° 2, do TCE (actual artigo 101.°, n.° 2 do TFUE), no sentido de que também está sujeita a essas normas uma entidade que, tal como a OTOC, adopta regras vinculativas de aplicação geral e em desenvolvimento de exigências legais, relativa's à formação obrigatória dos TOCs com a finalidade de assegurar aos cidadãos um serviço que garanta a respectiva tributação pelo rendimento real, um serviço credível e de qualidade" (cf. Preâmbulo do Regulamento de Formação de Créditos)." O direito da concorrência e maxime os artigos 85.° e ss. do TCE não são aplicáveis à actividade legislativa dos Estados-Membros, podendo esta apenas ser controlada com base na eventual violação da liberdade de livre circulação, aspecto não foi apreciado na sentença a quo.

Ocorre que a execução de um sistema de formação obrigatória, e não apenas a sua regulamentação, é cometida por lei à rec.te.( a al. s) do n.° 1 do art.° 3.° do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26 de Outubro, prevê que "1 - São atribuições da Ordem: s)Conceber, organizar e executar, para os seus membros, sistemas de formação obrigatória;" (destaque dos autores desta peça processual).

Por isso, a necessidade de a rec.te prestar um serviço de formação' obrigatória não pode- ser considerada violadora das regras da concorrência, porque escapa ao âmbito de aplicação das mesmas, podendo apenas, o que não ocorreu e nem é competência do Tribunal de Comércio, mas sim dos Tribunais Administrativos, apreciar-se a conformidade dessa regulamentação com a liberdade de prestação de serviços, ou seja, com os artigos 59.° e ss do TFUE, anteriormente artigos 49.° e ss. do TCE. (ver desenvolvimento nos ns. 82 a 100 no corpo desta alegação).

Caso este Venerando Tribunal da Relação entenda que é aplicável o regime jurídico da concorrência aos presentes autos, então, requer-se a formulação ao-TJ da seguinte questão prejudicial: ""Se uma entidade tal como a rec.te OTOC tiver por imposição legal a necessidade de executar um sistema de formação obrigatória para os seus membros, o artigo 81." do TCE (actual artigo 101.° do TFUE) pode ser interpretado no sentido de permitir por em causa a criação de um sistema de formação legalmente exigido por parte da OTOC e do regulamento que o materializou na parte em que se limita a dar tradução estritamente vinculada à exigência legal, ou, pelo contrário, tal matéria escapa ao âmbito do artigo 81.° e deve ser apreciada em sede do artigo 49.° e ss. do TCE, actual artigo 56.° e ss.." A rec.te considera que, contrariamente ao sustentado na sentença rec.da, a sua actividade no caso destes autos, a da regulação de um sistema de formação obrigatória para os seus membros, é estranha à esfera das trocas económicas, assim como está associada ao exercício de prerrogativas públicas, que lhe estão, como já se alegou, cometidas pela própria lei, não podendo, assim, a rec.te ser considerada para efeitos destes autos uma associação de empresas, com vista à aplicação das regras do direito da concorrência.

Acresce que os acórdãos citados na sentença recorrida para justificar a sua posição só seriam aplicáveis ao caso dos autos se se estivesse perante uma decisão da rec.te. que influenciasse o mercado da prestação de serviços de TOCs ou determinasse comportamentos no quadro da actividade económica desenvolvida pelos mesmos TOCs e que justificassem "desconsiderar" a natureza pública da actividade da Ordem, como uma espécie de transparência ou desconsideração da personalidade jurídica desta, imputando-se a actuação anticoncorrencial aos seus associados.

Ora nada disso acontece no caso dos autos, uma vez que se está perante um ente, inequivocamente público, que desenvolve por força da lei uma actividade num sector diverso dos seus associados, que nada tem que ver com o mercado dos seus associados, e que desenvolve em nome próprio uma actividade de formação obrigatória.

Portanto, a sentença recorrida nunca poderia ter considerado a rec.te como uma associação de empresas neste caso concreto para efeitos de aplicação do artigo 81.° do TCE e do artigo 4.° da Lei da Concorrência, devendo, por isso, ser revogada (ver desenvolvimento nos números 101 a 118 do corpo desta alegação).

Mas se esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa assim não o entender, requer-se a formulação ao Tribunal de Justiça da seguinte questão prejudicial: "Tendo em conta que no acórdão Wouters, bem como em acórdãos semelhantes, estava em causa regulamentação com influência na actividade económica dos profissionais membros da ordem profissional em questão, os artigos 81.° e 82.° do TCE (actuais artigos 101.° e 102.° TFUE) opõem-se a uma regulamentação em matéria de formação do TOC que não tem influência directa na actividade económica daqueles profissionais." A sentença recorrida erroneamente qualificou de mercado relevante o mercado da formação obrigatória para TOCs, abrangendo todo o território nacional.

Não visando o lucro, a rec.te não pode ser equiparada - como o faz a Sentença recorrida na p. 43 - às demais entidades formadoras na categoria de "oferta" de acções de formação, em virtude dos objectivos distintos prosseguidos e, como tal,, a rec.te não actua no alegado mercado relevante da formação de TOC.

Para além disso, ao contrário do que acontece com outras entidades formadoras, a rec.te está incumbida de uma missão de interesse geral, na qual se insere o dever de prover e contribuir para a formação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT