Acórdão nº 142/09.7TCFUN.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução21 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa: I.

RELATÓRIO: Em 09.3.2009 Luís...

intentou na Vara Mista do Funchal ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Gil..., Eduardo..., José...

(inicialmente identificado, na petição inicial, como “Jorge”) e P. Lda.

O A. alegou, em síntese, que Gil... e Eduardo... são, respetivamente, Diretor e Diretor Adjunto do jornal quinzenário “Garajau”, pertencente à 4.ª R.. Em 15.12.2006, 23.3.2007, 19.10.2007 e 02.11.2007 no aludido jornal foram relatados factos falsos e emitidos juízos que, para além de falsos, são profundamente depreciativos e injuriosos, ostentando um tom de inaceitável desconsideração do A. e demonstrando a existência de uma campanha caluniosa deliberada contra a pessoa do A.. Tais textos causaram ao A. danos não patrimoniais, cuja compensação o A. reclama.

O A. terminou pedindo que os RR. fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante global de € 250 000,00, acrescidos dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da prática dos ilícitos e até integral pagamento.

Os RR. contestaram, defendendo que os mencionados textos publicados no Garajau em 15.12.2006, 19.10.2007 e 02.11.2007, para além de estarem sustentados em factos e opiniões que os suportam, se contextualizados e inseridos no próprio estilo do Garajau, não transportam consigo qualquer carga ofensiva de eventuais direitos de personalidade do A., inserindo-se no contributo que o Garajau tem dado à liberdade de informação e de expressão como pilares da democracia e enquanto instrumentos imprescindíveis de regulação da vida social. Quanto à frase (“banda”) publicada na edição do Garajau de 23.3.2007, nada tem a ver com o A. nem pode ser interpretada como se referindo a ele.

Os RR. concluíram pela improcedência da ação e sua consequente absolvição do pedido.

O A. replicou, reiterando a sua pretensão.

Em 10.11.2010 realizou-se audiência preliminar, em que foi proferido saneador tabelar e procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e à matéria de facto controvertida.

Os RR. reclamaram da base instrutória, pretendendo o aditamento à mesma do teor de alguns dos artigos da contestação, reclamação essa que foi indeferida.

Em 25.10.2012, após se constatar que se mostrava registada a dissolução e o encerramento da liquidação da 4.ª R.

, pelo que esta se encontrava extinta, determinou-se que esta R. seria substituída na lide pelos 1.º e 2.º RR.

, que eram sócios e gerentes da sociedade Ré.

Procedeu-se à audiência final, em sessões realizadas em 21.11.2013, 24.01.2014, 04.4.2014 e 22.5.2014.

Em 03.7.2014 foi proferida sentença, em que se julgou a ação procedente por provada e consequentemente condenou-se os três primeiros réus, solidariamente, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 30 000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Os RR. Eduardo...

e Gil..., por si e enquanto substitutos no processo da sociedade R. já extinta, apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: I - Vem o presente recurso da sentença que condenou os ora recorrentes, solidariamente, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 30 000 euros acrescida de juros.

II - A sentença de que se recorre tem um inaceitável efeito intimidatório, consagrando uma total incompreensão da liberdade de expressão e de informação numa sociedade democrática, violando o disposto nos art.

9 37.º, 38.º e 18.º da nossa Constituição, 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 483.º e 484.º do Código Civil.

III — Errou o tribunal "a quo" ao não incluir na Base Instrutória a matéria alegada nos art.ºs 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 94.º, 95.º, 97.º, 98.º (absolutamente essenciais!), 100.º, 123.º, 124.º, 132.º, 133.º, 152.º, 154.º, 155.º, 156.º, 157.º, 158.º, 159.º, 162.º, 165.º, 166.º, 167.º, 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º e 173.º da contestação., factualidade que, por ser relevante para a boa decisão da causa deverá agora ser aditada bem como qualquer outra que o tribunal da "ad quem" considere relevante nos termos do art.º 662.º do CPC.

IV — O tribunal errou, também, ao ter optado por uma concepção objectiva dos factos ofensivos do bom nome considerando que os textos publicados no Garajau eram por si só susceptíveis de ofender o bom nome do A., não atendendo ao circunstancialismo que estava intimamente ligado aos mesmos e que justificava plenamente a sua publicação V — Na verdade, o tribunal "a quo" devia ter tido em conta na decisão proferida, o que não fez, o manifesto interesse público da matéria em causa, as notícias publicados no jornal "Diário de Notícias - Madeira" dos dias 26, 27, 28, 29 e 30 de Junho e 3, 5, 6, 11, 12, 19 e 20 de Julho de 2001, 22 de Março e 17 de Abril de 2002 e 16 de Julho de 2003, a notícia do jornal SOL de 8 de Dezembro de 2006, os relatório da Policia Judiciária e do NAT e o despacho de arquivamento do Ministério Público, o teor da totalidade dos artigos de onde são retirados os excertos que fundamentam a condenação dos RR. bem como o facto de os RR. Eduardo... e Gil... terem recebido de Paulo..., trabalhador eventual no Porto do Funchal de 1993 a 2003 um CD contendo dois balanços contabilísticos distintos da ETP, tendo entrevistado os trabalhadores eventuais do porto do Funchal.

VI — Por outro lado, deveria o tribunal "a quo" ter considerado que no confronto entre a liberdade de expressão e informação dos RR. e o bom nome do A., tinham particular relevância as liberdades informativas que só poderiam ser restringidas em caso de ataques gratuitos contra o A. – que não ocorreram -, inevitavelmente uma figura pública face às funções desempenhadas e às actividades por si desenvolvidas e, assim, sujeito ao escrutínio público.

VII — Resulta da leitura dos artigos do "Diário de Notícias — Madeira" e do jornal "SOL" bem como do relatório da Polícia Judiciária e do NAT e o despacho de arquivamento do Ministério Público a existência de uma complexa e opaca teia de empresas, interesses e entidades – off-shores incluídas - de que o A. é um elemento fulcral que se alimentam dos elevados custos das operações portuárias no Funchal e que têm diversas práticas irregulares, suspeitas e, mesmo, de forma indiciária ilícitas e com carácter criminal.

VIII — Toda essa prova, por si só, devia ter levado o tribunal a absolver os ora recorrentes por os artigos em causa em nada colidirem com a dignidade ou a vida privada do A., antes cumprindo um dever/direito de informar.

IX — Errou o tribunal "a quo" ao não ter minimamente em conta o carácter sarcástico, jocoso e satírico do jornal GARAJAU e a sua diminuta dimensão e reduzidos meios.

X — Os artigos e os excertos em causa nos presentes autos são absolutamente legítimos como decorre da numerosa jurisprudência nacional sobre esta matéria (cfr. por todos o Ac. do STJ de 30/06/2011, relatado pelo conselheiro João Bernardo e publicado em www.dgsi.pt) e da vasta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem reiteradamente salvaguardado, de uma forma muito ampla, o direito de crítica às figuras públicas — como é o caso do A. -, quando estão em causa assuntos de relevante interesse público.

XI - Como refere Manuel da Costa Andrade, "A liberdade de expressão pode valer como causa autónoma e directa de justificação a título de exercício de um direito em relação aos atentados típicos à honra sob a forma de juízos de valor." (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, p. 270) ou, ainda, Jónatas Machado, "... uma protecção constitucional robusta da liberdade de expressão no seio de uma sociedade democrática não assenta, de forma alguma, no postulado de que a comunicação é sempre inócua e inofensiva, justificando-se mesmo apesar do carácter ofensivo e danoso de certos conteúdos expressivos." (Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Coimbra Editora, 2002, p. 748).

XII - Saliente-se que quanto às opiniões ou juízos de valor não é aplicável o art.° 484.º do Código Civil que prevê a divulgação de factos e não de opiniões.

XIII - Os Recorridos, sem prejuízo das características próprias do GARAJAU, cumpriram o esforço de objectividade, tendo-se baseado em fontes credíveis e cometido eventuais lapsos absolutamente aceitáveis tendo em conta os seus limitados meios e a imensa complexidade e opacidade das empresas de que o A. é parte e responsável, sendo certo que tais erros ou lapsos são absolutamente irrelevantes quanto à pretensa honra ofendida do A.

XIV - Deverá ser alterada a.

resposta dada aos art.° 12.º, 13.°, 28° e 30° da Base lnstrutória, que deverão passar a ser considerados Não provados" tendo em conta toda prova documental produzida e ainda o depoimento das testemunhas.

XV — Inexiste, no caso presente, qualquer necessidade social imperiosa de restringir a liberdade de expressão e de informação dos RR., ora recorrentes, não estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil pela inexistência de acto ilícito e, mesmo, de danos causados pelos excertos em causa dos artigos jornalísticos, pelo que a sentença sob recurso viola o disposto art.ºs 37.º, 38.º e 18.º da nossa Constituição, 10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 483.° e 484.° do Código Civil.

XVI — Deverá, assim a sentença sob recurso ser revogada e os recorrentes absolvidos ou, se assim não se entender, revogada a sentença, aditando-se à base instrutória toda a matéria que não foi quesitada e ordenada a realização de novo julgamento, sempre sendo de considerar manifestamente excessivo o valor indemnizatório arbitrado absolutamente inibitório do uso da liberdade de expressão tanto pelos recorrente como pelos jornalistas em geral.

O A. contra-alegou, pugnando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT