Acórdão nº 284/099TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução03 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


RELATÓRIO Em 02.2.2009 Emanuel intentou nas Varas Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Catarina, S (…) e Companhia de Seguros (…).

O A. alegou, em síntese, que beneficiou da prestação de serviços dos S (…), tendo-lhe sido “distribuída” (sic) a médica ora 1.ª R., que lhe garantiu que poderia resolver os problemas de astigmatismo e miopia, de que o A. padecia, tendo-se comprometido a recuperar-lhe a visão em 98%, deixando o A. de necessitar de usar óculos e lentes de contacto. Sucede que o A. foi operado, sucessivamente, pela 1.ª R., em 02.3.1995, 16.3.1995 e 16.5.1995, tendo as intervenções sido mal sucedidas, por erro que a 1.ª R. e o 2.º R. assumiram, ficando o A. a ver pior do que anteriormente. Em consequência do descrito o A. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, que indicou. O 2.º R. havia transferido a sua responsabilidade civil para a 3.ª R., através de um contrato de seguro.

O A. terminou pedindo que os RR. fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 503 000,00, acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento.

A R. seguradora contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, seja por entender que o contrato de seguro celebrado não abrangia a responsabilidade civil contratual, seja por considerar que, admitindo-se que o evento em causa emergia de responsabilidade extracontratual, esta estava prescrita, seja porque a obrigação assumida perante o A. era tão só de meios e a obrigação assumida, de operar o A., fora cumprida.

Em lugar do S (…) apresentou-se a contestar o Sindicato (…) (que para o efeito alegou, em requerimento anteriormente junto, que os S… não têm personalidade jurídica, sendo um departamento do sindicato), que arguiu a prescrição da invocada responsabilidade por factos ilícitos e recusou a responsabilidade alegada, na medida em que as intervenções cirúrgicas haviam sido celebradas de acordo com as leges artis da profissão. Impugnou, por desconhecimento, os danos invocados. Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Também a 1.ª R. contestou, mas essa peça processual foi rejeitada, por extemporaneidade.

Na sequência de convite judicial, o A. apresentou petição inicial aperfeiçoada, em que reiterou o petitório deduzido na petição primitiva.

Em 11.10.2010 foi proferido despacho saneador, em que se absolveu a 1.ª R. da instância, por ilegitimidade processual, absolveu-se a R. seguradora do pedido, por o objeto da ação não se inserir no âmbito do contrato de seguro que a 3.ª R. celebrara com o R. sindicato, declarou-se prescrito o direito de indemnização do A. assente na responsabilidade extracontratual e determinou-se a prossecução da causa para apuramento de responsabilidade civil contratual do R. sindicato.

Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, por sessões realizadas em 08.01.2014, 10.01.2014, 30.01.2014, 27.02.2014, 20.3.2014 e 23.4.2014.

Em 09.7.2014 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente e consequentemente se absolveu o R. do pedido.

Em 27.11.2014 o A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1ª A douta sentença recorrida não podia ter dado como não provados os artºs.: 17º, 18º e 19 º da base instrutória, 2ª Em especial depois de ter dado como provado o disposto nos artºs.: 1º e 2º e 3º.

  1. Admitindo o disposto dado como provado no artº.: 3º da douta sentença, a intervenção cirúrgica foi um insucesso, de que não foi dado conta ao autor.

  2. E dizer como na sentença recorrida “da análise da matéria provada, não resulta que o Autor não tenha sido informado de todas as consequências da intervenção cirúrgica a que se ia submeter e que o mesmo tenha levantado qualquer obstáculo a essa intervenção “ está a inverter o ónus da prova que só pende sobre a médica, melhor dito sobre o réu.

  3. E não se diga conforme defende Vaz Serra, que cabe ao lesado provar que o devedor (lesante) devia ter praticado certos actos do conteúdo do dever de diligência prometido. A prova está à vista. O resultado foi danoso. Se o autor tivesse recebido mais informações (a informação adequada acerca dos riscos graves) teria recusado a operação.

  4. É que ao contrário do defendido no Ac. Do STJ de 18.03.10 de Pires da Graça, não foi o autor que escolheu a médica, nem a Clínica onde tal prestação de serviços foi feita.

    Resultou apenas do facto de ser beneficiário de um sistema de saúde a que o pai do autor estava ligado era beneficiário. Portanto também face a este argumento o autor não poderia ter exigido daquela médica, através do réu, uma informação menos informada e por isso não se predispôs a aceitar as indicações médicas que recebeu.

  5. Assim sendo, cabia ao réu provar, o que não fez, que cumpriu com o dever de informação relativamente às consequências desta intervenção cirúrgica. Não apresentou qualquer testemunha que tenha ouvido a referida médica fazer tal esclarecimento, ao contrário do que foi referido pela mesma, não apareceu nenhum documento no minguo processo, que o réu fez chegar ao tribunal (a pedido do autor) ao contrário do que a mesma tinha referido.

    Disse esta no seu depoimento que havia informação no processo que tinha esclarecido advertido o Sr. Emanuel das consequências da intervenção e uma vez que se fez prova da alternativa, como seria a intervenção a “laiser”. Tal facto foi indicado, não como um ensaio - como disse a médica- e em especial confrontada com o trabalho do Dr. Eugénio (…), mas sim como um meio possível, como foi referido pela testemunha Beatriz (…) (201401 301522632 1600990 2175838, 15:00:33- 15:13:34) E não será por exclusão de partes, como faz a sentença, que se prova que foi cumprido o dever de esclarecimento.

  6. E nem no processo por parte do réu surgiu um registo de informações clínicas donde aquele constasse e nem um bom preenchimento de um dossier clinico, trouxe a este processo qualquer informação nesse sentido.

  7. E nem conforme foi referido pela médica, que para além do S (…), a mesma detinha um processo clínico de cada doente, e no mesmo integrava a informação escrita, que prestou ao Sr. Emanuel para esclarecimento e advertência das consequências, foi junto aos autos.

  8. E conforme refere DEUTSH, Medizinrecht, p. 78 : “ Se o médico não conseguir provar que cumpriu com os deveres de esclarecimento e que agiu ao abrigo de uma causa de justificação, recai sobre ele todo o risco de responsabilidade da intervenção médica, bem como os fracassos da intervenção, os efeitos secundários não controláveis e outros danos resultantes da intervenção “. Violou essencialmente o bem jurídico liberdade e a integridade físico-psíquica do autor.

  9. A doutrina portuguesa também vai neste sentido. Ou seja, conforme ensinamento do Prof. Orlando de Carvalho, o consentimento funciona como causa de exclusão da ilicitude, pelo que “a prova dos factos impeditivos do direito invocado compete àquele contra a quem a invocação é feita, isto é, o ónus da prova do consentimento, como causa de exclusão da ilicitude, cabe ao médico (artº.: 342º / 2 do C.C.) Também Figueiredo Dias, Sinde Monteiro, Costa Andrade e Capelo de Sousa entendem que o ónus probandi do cumprimento do dever de informar e do dever de obter o consentimento recai sobre o réu (Ac. Do TRL 3163/07.0TBAMD.L1-2).

  10. Ora do exposto e face à prova produzida neste sentido, ao contrário do que foi referido na douta sentença, em parte alguma resulta que a médica prestou o dever de informação e muito menos adequado e inteligível ao autor, gerando responsabilidade civil pela prática dos actos e consequências deles derivadas. Levando por aqui à procedência do pedido civil formulado.

  11. Por sua vez, o relatório pericial aponta nitidamente para a violação do dever objectivo de cuidado que se impõe a todos os médicos, em especial a este.

  12. E dele decorre que o insucesso e retrocesso da acuidade visual do autor só pode ser imputável ao réu, através da actuação da médica, Drª. Cristina (…).

  13. Com efeito, este documento não é autêntico, não tem força probatória plena, mas distancia-se de qualquer interesse, que os demais depoimentos médicos, nos autos relatados, possam ter em relação ao réu.

  14. Embora tenha um valor técnico - opinativo, mais não sendo que um elemento para fundar a livre convicção do Julgador ( Ac.s Do STJ nºs.: 040131 JSTJ00013564 de 12.07.1989 e 06ª3883 JST de 05.12.2006 ) partilhamos da opinião que à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime a prova testemunhal. Desta forma, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz - já o juízo cientifico que encerra um parecer pericial só deve ser susceptível de uma crítica material igualmente científica ( Ac. REl. Coimbra de 24.04.2012 Des. Henrique Antunes ).

  15. Ora as testemunhas também médicas não acompanharam o processo, são colegas da médica, com quem trabalham diariamente ou são amigos, sendo que três deles, trabalham ou trabalharam para o réu. O valor do seu juízo científico não pode ser tão objectivo e nem imparcial, como o constante da perícia requerida ao I:M:L 18ª Cabia ao douto tribunal recorrido de acordo com os princípios antiformalistas “ pro actione “ e “ in dúbio pro favoritae instanciae “ impor uma interpretação que se apresentasse como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte. ( Ac. Do STJ nº.:6961/08.4 TBALM-B.L1.S1 de 11.07.2013 ) 19ª Neste sentido também o novo Código de processo civil afirma o primado da substância do litígio sobre as formalidades, de forma a não condicionar ou distorcer a decisão de mérito. Pretende-se a análise e resolução...

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